O resultado do fisiologismo na política é sempre escatológico
Por Antonio Fernando Pinheiro Pedro*
Em um artigo anterior – “A COMILANÇA PANTAGRUÉLICA NA POLÍTICA BRASILEIRA”(*), fiz uma “breve análise digestiva do momento político brasileiro (Comer, Rezar e Governar)” *, onde tive oportunidade de abordar a íntima relação entre digestão e processo político e os efeitos disso nos três primeiros lustros do século XXI.
Analisei naquela oportunidade a formação do pensamento governamental (ou a confusão mental que acomete a presidência do país) a partir do que ali se come, traçar diferenças entre a ingestão pantagruélica ocorrida nos governos FHC, Lula e Dilma, abordar a digestão tormentosa constatada no mandato de Dilma e… agora, o resultado que todos sofremos, na perspectiva de um novo governo Temer.
De fato, após uma orgia econômica, durante a qual mergulhamos de barriga cheia no caudal de imprudências, passamos todos a sofrer com os espasmos da previsível congestão…que não será compensada pelo regime de calorias da atual governante petista… e demandará um duro regime no regime que a ela se seguir, talvez sob o garfo comedido do vice-presidente peemedebista e habitué de restaurantes libaneses.
No presente artigo, portanto, enfrento o problema para além da má alimentação governamental. Seguiremos mais adiante, para o resultado dessa digestão – moralmente despejado sobre todos os aspectos complexos da difícil vida nacional.
Há um relógio que torna o corpo ciente de sua atemporalidade, principalmente se o corpo foi submetido aos prazeres absurdos e despautérios horripilantes ou prazeirosos das viagens pantagruélicas.
Esse relógio é fisiológico e desconsidera o uso do adoçante, a recusa da sobremesa e o início do regime alimentar… Isso vale para o organismo e, também, para o atual governo. Agora absolutamente desarranjado.
Estamos no ponto grotesco de todo esse processo: a evacuação. A evacuação, que polui a realidade do Brasil, é a medida da fisiologia pantagruélica da política nacional.
Afinal, fomos vítimas dos jantares de duvidoso gosto da era FHC, do banquete lulista – sofremos com a indigestão, pagamos a conta da gulodice e… teremos que nos submeter a um sério regime.
Somos vítimas das aflições atuais por conta da submissão do governo ao regime forçado, que ainda muitos insistem em burlar. Sofremos os impactos do que toda a classe política brasileira grotescamente despeja, há anos, sobre nossas cabeças.
Esse resultar não é monopólio da esfera federal… Sofremos com esse problema nos nossos municípios e estados também.
A crise é sistêmica, abrange nossas instituições. Portanto, o ato de despejar rejeitos de toda natureza, na cabeça do cidadão indefeso, acomete os três poderes da república, indistintamente…
A expelição do resíduo da digestão é ato fisiológico importantíssimo. No entanto, continua sendo tabu social, embora tenha absoluta relação com os fatos da vida pública e privada.
Esse dilema não é recente. Ao contrário, está presente em vários momentos da história política mundial e brasileira, senão vejamos:
Tributum immistum
Os romanos deram o primeiro grande exemplo de inter-relação fisiológica e política.
Os romanos mantinham uma estrutura de saneamento urbano fabulosa para a sua época. Eles faziam suas necessidades em latrinas mistas e públicas – obras de civilizada engenharia.
As latrinas eram formadas por bancadas de pedra, com vários furos alinhados, havendo água corrente ou recipientes para remoção do produto logo abaixo. Por não haver separação entre elas, as latrinas eram propícias à sociabilidade – os romanos dialogavam ali, articulavam e comercializavam, enquanto obravam.
As fezes integraram oficialmente a política romana quando o imperador Vespasiano (Século 1 d.C.) resolveu cobrar um tributo pelo uso das latrinas, sob as quais havia água corrente ( o que demandava contínua manutenção do sistema pelo Estado. Sugiu assim, o tributum immistum (tributo sobre as fezes).
A decisão do imperador sofreu contestação, inclusive doméstica.
“Pecunia non olet” (dinheiro não fede) – foi a frase atribuída ao imperador Vespasiano, em resposta ao filho, Tito, que o havia censurado por criar o imposto sobre os banheiros públicos.
A frase encerra uma separação moral estabelecida pelo imperador romano. No entanto, seu sentido transcendeu a higidez da tributação pública. Ela também está na raiz da desculpa moral de todo corrupto – que se julga a salvo da imundície impregnada em seus atos, pelo simples fato do lucro auferido “não cheirar”…
As fezes da exploração e da corrupção, assim, passaram a integrar os costumes do poder, bem como sua profilaxia…
Groom of the Stool
Limpar a sujeira produzida pelos poderosos, por exemplo, ganhou ares de nobreza por conta da política de administração sanitária estatuída nas monarquias do antigo regime.
Na monarquia absolutista francesa havia um cargo nobre, cuja função era recolher exclusivamente os detritos do rei, que os despejava através de um furo em seu trono, durante as longas audiências a que era submetido (geralmente, as sessões, no século XVIII, começavam às seis horas da manhã e prosseguiam enquanto o monarca por elas se interessasse…).
Na inglaterra, o “pior emprego da história” tinha o título de Groom of the Stool (literalmente: moço dos cocôs).
O cargo era motivo de disputa entre as famílias dos nobres. O fato de um de seus membros ocupar tão distinta tarefa, marcou linhagens inteiras de limpadores de traseiros reais, carinhosamente apelidados pelo povo de “beijadores de traseiros”.
No popular, os que limpavam o traseiro real formavam o supra-sumo da adulação – daí o costume que segue até hoje nos países de língua inglesa, de ofender aos que aparentam ser subservientes demais com a amostra do traseiro a eles (o famoso “kiss my ass”).
No próspero e aliado reino de Portugal, não era diferente.
Nas cortes portuguesas também haviam os “limpa-cus”, encarregados de higienizar o traseiro real (com toda a pompa e circunstância exigidas pela monarquia lusitana – inclusive ao som das famosas trombetas imperiais…).
Para que essa atividade fosse bem realizada, no entanto, era preciso que o atarefado higienizador “deslocasse” o saco escrotal do primeiro nobre do império ultramarino, puxando-o para o lado. Foi este detalhe da atividade mais complexa que acabou nominando a adulação, em terras de língua portuguesa, como “puxa-saquismo”…
Tigrada enfezada
No Rio de Janeiro do século XIX, alguns escravos eram chamados de “tigres” por estarem constantemente “listrados” de dejetos. Isso ocorria pelo fato deles carregarem as fezes de seus senhores em barris de madeira, até a Baía da Guanabara (já então poluída…).
Como os barris, chamados “cabungos”, possuíam pequenos furos, parte do material escorria, manchando a pele dos pobres carregadores em forma de listras, na medida em que se projetavam com o balanço.
O termo “tigrada” – bastante utilizado em editoriais de nossos sisudos e principais jornalões, para nominar aqueles que praticam a corrupção na política brasileira – não tem, portanto, relação com o comportamento do felino feroz e, sim, com os carregadores da merda produzida pelos poderosos, àqueles que se deixam “tigrar”, ou seja, ficarem sujos com as projeções mefíticas escorridas dos “cabungos” da política nacional.
A tigrada, portanto, ficava literalmente enfezada.
As duas linhagens de enfezados
No princípio do século XX, o Rio ainda não tinha sistema de esgoto. Então, os detritos eram jogados janela abaixo, como o eram nas mais variadas cidades desprovidas de sistema de esgotamento sanitário.
Vez ou outra, um pedestre era atingido, ficando literalmente enfezado.
O termo enfezado era utilizado em relação a quem, atingido pelas fezes, se enfurecia ( aliás, com toda a razão).
A irritabilidade com a mesma denominação, porém, poderia advir de outro sintoma: o de sofrer com a retenção de fezes no organismo. Isso era (e ainda é) motivo mais que compreensível para que o prisioneiro do ventre alterasse o seu humor.
Portanto, “enfezado” é também aquele que se irrita com a retenção (talvez porque também sofra da síndrome do intestino irritável).
Esse detalhe etimológico explica grande parte das expressões usualmente utilizadas nos acerbos debates de nosso parlamento, nos jornais e bate-bocas populares.
Demonstram, também, o quão próximo dessa questão permanece a terminologia utilizada em nosso ambiente político.
O Saneamento Público e a atividade privada…
Quando assumiu o poder, em 1902, o presidente Rodrigues Alves atribuiu com razão a onda de epidemias que assolavam o Rio de Janeiro (varíola, peste bubônica, diarreias e febre amarela) aos chamados cortiços – conjuntos habitacionais miseráveis, cujos moradores compartilhavam o espaço com ratos e dejetos de toda ordem.
Determinada a reforma urbana – o Prefeito da Capital, Pereira Passos tratou de erradicar os cortiços com a habitual sensibilidade que a administração pública brasileira presenteia nossos cidadãos: expulsando os miseráveis morro acima…
A diáspora provocada por Pereira Passos, resultou no fenômeno das favelas nos morros do Rio de Janeiro.
A destruição dos cortiços permitiu o início do processo de instalação da rede de esgotos e, com isso, finalmente tornou a expelição de fezes no Rio de Janeiro, uma atividade “privada”…
Assim, a tigrada, os enfezados, os corruptos e exploradores (que entendem que “dinheiro não fede”), os beijadores de traseiros, puxa-sacos e todos os que não hesitam em fazer das porcarias praticadas no Poder, fonte de riqueza – concentram-se, literalmente, no resultado fisiológico de tudo o que alimenta a nossa sociedade…
Um ato de amor?
Sigmund Freud, ao analisar o erotismo anal e o complexo de castração, descreveu que “as fezes são a primeira dádiva da criança, o primeiro sacrifício em nome de sua afeição, uma parte do seu próprio corpo que está pronta a partilhar, mas apenas com alguém a quem ama”.
Não sendo a política, uma atividade infantil…creio que podemos todos, com certeza, rejeitar essas “dádivas” patrocinadas pela “tigrada” governamental…
No entanto, nosso ambiente governamental, salvo os raros momentos de exceção, como já dito, sofre de indigestão e sofre com certa militância enfezada, à direita e à esquerda.
Os regimes que empreende, apesar das aparências, costumam dar em m…
De fato, o resultado do fisiologismo e fruto daquilo que a sociedade engole.
Nota:
* PEDRO, Antonio Fernando Pinheiro Pedro, “A COMILANÇA PANTAGRUÉLICA NA POLÍTICA BRASILEIRA“, in Blog The Eagle View, 25Agosto2015, in https://www.theeagleview.com.br/2015/08/breve-analise-digestiva-do-momento.html
*Antonio Fernando Pinheiro Pedro é advogado (USP), jornalista e consultor ambiental. Sócio do escritório Pinheiro Pedro Advogados. Integrante do Green Economy Task Force da Câmara de Comércio Internacional, membro do Instituto dos Advogados Brasileiros – IAB e da Comissão Nacional de Direito Ambiental do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil – OAB. É Editor-Chefe dos portais Ambiente Legal e Dazibao e, responsável pelo blog The Eagle View.
Fonte: The Eagle View
Publicação atualizada Ambiente Legal, 16/10/2020 e 2016
Edição: Ana A. Alencar
.
Ol@ Antonio Pedro…
Gostei muito da construção metafórica do seu texto e mesmo as citações de cunho em histórico. De fato não há consequências que não se movam por meio de ações. Parece que as pessoas não conseguem entender esta lei tão simples da física: para cada ação há uma reação, gostemos ou não dela ede todas as suas consequências.
O jogo é político de fato, mas insere-se no terreno social com outras imponderáveis e variáveis e parece ser aí que políticos obtusos começam a esbarrar e se debater.
Abs
Eliana
Obrigado, Eliana!