Por Marcelo F. Sestini*
Trabalhei com zoneamentos e temas relacionados à questão de riscos, susceptibilidade física e vulnerabilidade populacional a desastres naturais. Resolvi fazer uma compilação de comentários que postei aqui e em outras redes a respeito, acrescentando mais algumas observações, devido os últimos acontecimentos.
Muitas áreas de risco o são naturalmente, devido à topografia (características morfológicas e morfométricas do terreno), aspectos litológicos e de solo, instabilidade de material, etc., e isso é agravado pela pluviosidade. O fator declive é de grande peso no caso de movimentos de massa, pois, aliado à amplitude do relevo (diferença de cotas entre topo e base) leva a grande energia potencial do material. A instabilidade deflagrada pela pluviosidade (saturação do solo pelo acúmulo de água), junto à espessura e estrutura do manto pedológico gera a ocorrência do evento e quanto maior a fração de água participante, a massa assume características de fluido, tendo maior dispersão de material movimentado ao atingir o contato com áreas mais planas.
Também temos, da mesma forma, as áreas naturais de inundação, como os vales e demais áreas deprimidas, convergentes de água (fator topográfico), planícies e áreas cujo lençol freático é bem próximo à superfície, leitos maiores de rios (faixas marginais ao leito principal e que seguem um regime sazonal, ou seja, ocupadas em época de maior vazão).
Assim, temos a ocupação indevida de áreas naturalmente propensas, genericamente falando, a deslizamentos (ou outros tipos de movimentos, como queda de blocos) e inundações/cheias.
Em outras áreas, temos uma situação de estado de equilíbrio estável, porém, a ação antrópica traz instabilidade para essas, devido à supressão de cobertura vegetal mal planejada que antes realizava a contenção de processos de movimentos e mantinha estrutura do solo, cortes mal planejados em taludes (solapamento de base, desrespeito à orientação das curvas de nível), falta de medidas de contenção adequadas, como degraus que reduzam energia de água, superfícies permeáveis, sistemas de drenagem para águas pluviais (barbacãs, galerias, etc). Temos também, a questão da agradação dos leitos, tanto por sedimentos quanto lixo, carreados a esses, impermeabilização do solo, sistema de drenagem comprometido com acúmulo de lixo, entre outros fatores.
O termo desastre natural tem a ver com a presença do ser humano. Como exposto acima, algumas áreas são naturalmente propensas a isso. Ocorrem esses eventos mesmo sem a ocupação humana ali e ao longo de um grande período de tempo. Quando tem a catástrofe, o natural hazard, é porque há a presença do ser humano ocupando a área.
E, também como exposto, temos áreas cuja ação antrópica gera ou intensifica a instabilidade, levando a essas catástrofes, as quais poderiam ser evitadas ou, ao menos mitigadas.
Alguns desses eventos vêm ocorrendo de forma cíclica desde milênios. Tem a questão de a mudança climática interferir e aumentar frequência e magnitude de tais eventos, mas há também certo alarmismo e confusão, não considerando o que foi colocado nos parágrafos acima, confundindo ou ignorando fenômenos de causas diferentes.
Essas questões devem ser analisadas dentro da visão sistêmica, a qual abrange fatores naturais e milenares bem como ação antrópica e em escalas diferentes. Temos processos erosivos naturais, fenômenos tectônicos, temos mudanças climáticas de origem natural e devido a fatores exógenos e temos a ação do homem sim (efeitos de GEE´s e, em escala menor, ilhas de calor em meios urbanos, compactação e impermeabilização de superfícies incrementando o run off, o já citado solapamento de base em vertentes, etc). Dessa forma, deve-se analisar quais as relações de causalidade e quando e se há entre esses, bem como a ação conjunta de todos eles (independentemente de serem relacionadas) e seu impacto sobre a sociedade.
Para além de se o aquecimento é de origem antrópica ou natural, p ex (e ambas as dimensões podem concorrer para esse fenômeno) e ainda que o homem intensifique esse, a questão é mitigar, ter uma postura mais sustentável, mas pé no chão, com medidas economicamente viáveis. Lembrando que sempre impactaremos o meio ambiente.
Deve-se considerar como certas populações se adaptarão a esses eventos, pois são mais vulneráveis, têm baixa resiliência e daí há necessidade de analisar, inclusive, a remoção dessas de áreas de risco, pois a vulnerabilidade delas não é somente socioambiental, mas também socioeconômica. Como e para onde transferi-las, pois tem a questão de proximidade à fonte de renda, custo de mobilidade (financeiro e de tempo) entre casa e trabalho, etc.
*Marcelo F. Sestini – analista socioambiental; realiza estudos de impacto ambiental; diagnósticos, monitoramento[, planejamento, riscos, susceptibilidade física, vulnerabilidade socioambiental e sustentabilidade.
Fonte: O autor
Publicação Ambiente Legal, 17/03/2023
Edição: Ana Alves Alencar
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