As ‘fake news’ não resistem ao rigor e à seriedade da ciência e dos cientistas, mais do que nunca empenhados em demonstrar a verdade por meio de pesquisas consistentes.
Por David Uip*
O aumento do número de casos de covid-19 no País nas primeiras semanas de 2024 voltou a acender o sinal amarelo para a pandemia que lamentavelmente matou, nos últimos quatro anos, 710 mil pessoas no Brasil e quase 7 milhões em todo o planeta, até agora.
O cenário epidemiológico atual, no entanto, é felizmente bem outro. A maioria das pessoas que chegam aos prontos-socorros dos serviços hospitalares, seja do SUS ou da saúde suplementar, está vacinada contra as complicações da doença e apresenta quadros leves, geralmente sem necessidade de internação, o que comprova os altos níveis de proteção oferecidos pelos imunizantes. Mas ainda ocorrem mortes, principalmente entre não vacinados e pessoas idosas ou com comorbidades, indicando que não devemos baixar a guarda.
Desde o início da pandemia o mundo foi bombardeado por falsas notícias, disseminadas sobretudo por integrantes de movimentos antivacina e por algumas autoridades públicas que deveriam dar o exemplo, em vez de espalhar o pânico e desestimular a vacinação. Mas as fake news não resistem ao rigor e à seriedade da ciência e dos cientistas, empenhados, mais do que nunca, em demonstrar a verdade e os fatos por meio de pesquisas consistentes, inúmeras das quais já foram publicadas em renomadas revistas pelo mundo.
Um estudo de coorte multinacional inédito da Global Vaccine Data Network (GVDN), braço de pesquisa da Organização Mundial da Saúde (OMS), realizado com mais de 99 milhões de indivíduos imunizados contra a covid-19 e publicado online no dia 12 de fevereiro passado, joga a pá de cal sobre supostos danos generalizados que as vacinas causariam às pessoas, segundo propalam os inimigos da saúde.
Com base num protocolo comum, a pesquisa comparou as taxas esperadas e as observadas de eventos adversos de interesse especial após a vacinação contra o novo coronavírus na Argentina, Austrália, Canadá, Dinamarca, Finlândia, França, Nova Zelândia e Escócia. Nesses países foram administradas 242,8 milhões de doses de vacinas de diferentes marcas e plataformas de produção (a base de vírus inativado, ácido nucleico, proteínas e vetor viral não replicante).
Os resultados, fantásticos, estão resumidos na conclusão apresentada pelos autores: “Esta análise multinacional confirmou sinais de segurança pré-estabelecidos para miocardite, pericardite, síndrome de Guillain-Barré e trombose do seio venoso. Foram identificados outros potenciais sinais de segurança que requerem investigação mais aprofundada”. A avaliação dos dados incluiu os efeitos adversos ocorridos nos participantes do estudo até 42 dias após a vacinação.
Em outras palavras, as vacinas contra a covid-19 aplicadas na população mundial são extremamente seguras e os riscos de pessoas desenvolverem problemas como doenças do coração, distúrbio autoimune, convulsões, paralisias faciais, embolia pulmonar ou derrame cerebral, entre outros, após receberem doses dos imunizantes, são ínfimos sob o ponto de vista estatístico. Traduzindo: o cidadão que toma a vacina fica protegido contra formas graves da covid (incluindo hospitalização e morte) e as chances de ter algum efeito colateral grave para a sua saúde são pouco prováveis.
É importante destacar que a realização de um estudo de coorte único e em contexto multinacional com 99 milhões de vacinados em diferentes países, além de proporcionar uma amostra significativamente expressiva em relação a pesquisas anteriores, amplia a capacidade de identificar eventos adversos extremamente raros, isto é, comprova a segurança das vacinas contra o Sars-CoV-2 com ainda mais precisão e acurácia.
A relação risco versus benefício das vacinas pende muito mais favoravelmente para a proteção que elas oferecem em detrimento de possíveis riscos à saúde causados pela imunização. A proteção oferecida pelos imunizantes é individual, no sentido de evitar complicações causadas por infecções virais, e também coletiva, uma vez que campanhas de vacinação em massa contribuem inequivocamente para a diminuir as taxas de transmissão de doenças.
Toda medicação é sujeita a eventos adversos, previstos em bula e normalmente classificados como comuns, incomuns, raros e muito raros. O mesmo ocorre com as vacinas. No caso dos imunizantes, as reações mais comuns são dor, vermelhidão e inchaço no local da aplicação, febre, dores musculares, cansaço e mal-estar geral. Nada muito preocupante, levando em consideração os benefícios proporcionados à saúde.
Se alguém ainda tem dúvida sobre a segurança das vacinas disponíveis para o enfrentamento da covid-19, não faltam elementos científicos que a demonstrem. Ter sequelas graves ou morrer pela infecção por Sars-CoV2, não estando vacinado, é um risco infinitamente maior do que desenvolver problemas de saúde sérios após tomar a vacina.
O estudo da GVDN literalmente destrói, com dados sólidos, as fake news sobre o tema. Aos que insistem em propagar notícias falsas e desinformação sobre vacinas – um crime hediondo contra a saúde pública –, o recado é claro: vocês perderam. Simples assim.
*David Uip – Médico infectologista, Reitor do Centro Universitário FMABC, Diretor Nacional de Infectologia da Rede D’Or, foi Secretário de Estado da Saúde de SP (2013-2018), Coordenador do Centro de Contingência Contra a Covid-19 em SP (2020) e Secretário de Ciência, Pesquisa e Desenvolvimento em Saúde de SP (2022).
Publicado originalmente em Jornal Estadão
Fonte: O AUTOR
Publicação Ambiente Legal, 06/03/2024
Edição: Ana Alves Alencar
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