No momento em que se discute a liberação das atividades no país, é um alivio saber que os óbitos, até este 21 de abril, foram muito inferiores às previsões iniciais
Por Daniel Tibor Fuchs*
Não gosto de estar mal informado e nem desinformado*. Daí, minha busca constantemente por dados que nos permitam tirar nossas próprias conclusões e construir informações sólidas para a tomada de decisão.
Neste momento, em que técnicos e políticos discutem a liberação das atividades “normais” no país, estou bastante aliviado com os dados de óbito, até este 21 de abril, muito inferiores às previsões iniciais.
Várias feitas sem qualquer fundamento, mas muitas feitas por técnicos em seus assuntos, o que traz uma preocupação muito grande do SE DEVEMOS SAIR, QUANDO DEVEMOS SAIR, COMO DEVEMOS SAIR deste distanciamento social ou isolamento que muitos de nós nos submetemos antes mesmo de ser imposto por alguns governos.
Procuro as Recomendação da Organização Mundial da Saúde (OMS)** para que os países possam retomar suas rotinas, onde percebo uma distância enorme entre os termos genéricos utilizados pela OMS, a realidade de nosso e de outros países, o risco que assumimos em nos isolar e, agora, o risco que assumiremos em sair deste isolamento.
Tudo que lemos, ouvimos ou assistimos nas nossas “fontes de informação”, me levam a concluir que, até que tenhamos uma vacina E um tratamento eficaz contra esta doença, não haverá nem a possibilidade da normalidade de meses atrás:
· Teremos outros surtos, alguns menores e outros maiores, mas sempre trazendo a memória do que aconteceu e ainda acontece em vários países nesta primeira do COVID-19;
· Teremos outros momentos em que precisaremos do isolamento ou do distanciamento social para preservar nossas vidas e/ou de seus familiares;
· Os impactos não serão sentidos apenas pelos contaminados e nem mesmo apenas pelos que tiverem que se distanciar socialmente, mas por todos ao redor, já que cada um de nós é uma pequena peça da máquina global: alguns estudam, outros produzem e todos consomem;
Como então decidir sobre o momento de aumentar e o momento de reduzir o distanciamento social, tanto nesta onda como nas próximas?
Para tomar esta decisão, entendo que a primeira coisa que os técnicos das áreas envolvidas precisam é de dados, nos mais várias segmentos.
1.1 DADOS, DADOS e DADOS
Sei que este ponto é impraticável nesta primeira onda, mas ele é fundamental para que realmente os técnicos possam tomar decisões.
Talvez um agregado de contratados, de Cidadãos Programadores e de Cidadãos Especialistas possam dar velocidade tanto na recuperação e organização de dados existentes, quanto na melhora da coleta de dados, que precisam ser centralizados quase que em tempo real, de maneira organizada e padronizada, nas estruturas do Governo Federal.
Me atrevo a sugerir uma lista prioritária das áreas à serem trabalhadas:
1.1.1 Saúde
· Mapeamento de cada leito de cada hospital público ou privado, incluindo suas condições técnicas para funcionar;
· Mapeamento de cada leito de UTI em hospitais públicos ou privados, também incluindo as condições técnicas de funcionamento;
· Entender a capacidade de cada laboratório de diagnóstico em funcionamento no país, documentando suas competências, seus equipamentos e a qualificação de suas equipes e processos;
· Conhecer cada equipamento de qualquer tipo associados a diagnóstico ou recuperação de pacientes, incluindo suas condições de funcionamento e uso;
· Documentar os fornecedores de insumos, de drogas e de equipamentos associados ao setor, de modo que o país entenda suas dependências e seus estoques;
· Incluir como parte deste trabalho, atores que muitas vezes tem sua importância reduzida nas crises:
o Planos de Saúde;
o Pronto Socorros;
o Clínicas Médicas;
o Farmácias;
o Fabricantes;
o Distribuidores de materiais;
o Universidades/Faculdades de formação de profissionais da área;
o Cemitérios;
o Funerárias;
o Crematórios;
· Padronizar uma forma de troca de dados anonimizados onde cada ator do setor de saúde seja obrigado a informar ao Ministério da Saúde, de forma sistematizada e em tempo quase que real, tudo que acontece ao redor de suas dependências, desde o diagnóstico de um braço quebrado no pronto atendimento, até as questões epidemiológicas na UTI;
Veja que tudo isto tem que estar estruturado e não apartado em sistemas diferentes que ainda por cima, mudam de um ano para outro, sem se preocupar em “herdar” os dados anteriores.
Sem isto, é impossível a análise técnica eficiente, levando ao planejamento de diversos tipos de ações.
1.1.2 Transporte
Quando se fala em epidemia, não conhecer o como, o quando e a origem e destino dos que se deslocam, é o mesmo que preparar um almoço sem os utensílios necessários.
Este conhecimento permite:
· Entender a propagação do inimigo do momento;
· Decidir por potenciais barreiras sanitárias, seja para detectar, ou seja, para barrar uma epidemia;
· Embasar a logística necessária durante e depois de surtos pontuais ou generalizados;
1.1.3 Geoespacial
Agrupar o que existe de mais detalhado dos diversos aspectos do território nacional, agora incluindo também a preocupação da precisão da localização das diversas entidades governamentais:
· Segurança;
· Saúde;
· Escolas;
· Administração local;
1.1.4 Demografia
O trabalho do IBGE precisa ser suportado cada vez mais, permitindo o profundo conhecimento do povo, incluindo:
· Aspectos sócio econômicos;
· Situação sanitária;
· Localização, não só por município, mas por áreas de ocupação populacional, dado o tamanho do território nacional;
· Segmentação, com base em sexo, raça, idade e uma centena de outros itens que podem contribuir com análises durante crises futuras;
1.1.5 Taxonomia e Ontologia
Percebam que minha lista começa pela saúde antes de falar de demografia ou taxonomia para que o leitor não fuja da leitura antes da hora. Também não usarei vosso tempo para definições, mas se tiverem interesse, a Internet traz vários artigos interessantes, como este da Revista Forbes.
O importante é que precisamos organizar todos os dados e suas relações, de maneira prática:
· Não podemos ter múltiplos números para identificar um cidadão;
· Não podemos ter “coisas” com números de inventário concorrendo com 1001 identificadores criados por órgãos diversos, seja do governo ou seja de entidades reguladoras específicas;
· Não temos tempo para criar todos os padrões localmente. Precisamos aderir a definições já existentes, passando a contribuir com elas. Ampliando se necessário, mas não temos tempo e nem motivo para começar do zero;
· Temos que permear identificadores, regras, relacionamentos e tudo que gira em torno desta padronização por todas as áreas:
o O que identifica um equipamento na ANVISA tem que ser o mesmo que identifica este equipamento nos códigos de importação da Receita Federal e na Contabilidade das empresas;
o A pessoa precisa ser a mesma pessoa na Certidão de Nascimento do cartório, na estrutura Estadual, Municipal e Federal, contribuindo simultaneamente para redução de fraudes;
o Não podemos ter CNPJ, Inscrição Estadual, Inscrição Municipal e mais tantos outros códigos relacionados a empresas;
o Precisamos ter clareza de a doença X é a mesma para o Hospital, para o Plano de Saúde e para os estatísticos do IBGE;
Sabemos que os bons funcionários públicos sabem de tudo isto, mas acredito na importância de destacar o assunto, respaldando essas pessoas quando ouvem as desculpas com relação a complexidade de fazer tudo isto ou quando esbarram em questões politicas onde Estados e Munícipios não se entendem com o Governo Federal para utilizarem os mesmos bons princípios.
1.2 Matemática, Estatística e ANÁLISE
Superando a barreira dos dados, é necessário que o país conheça sua capacidade de analisá-los, construindo para isto, uma rede de pesquisadores, professores e profissionais que possam ser acionados para transformar esses dados nas informações necessárias para um episódio específico.
Veja que a inexistência desta decisão prévia, de quem pode ou não ajudar neste processo, bem como a ausência de investimento na capacitação destas pessoas, faz com que o país utilize modelos criados para realidades diferentes e, que por sua vez, trarão informações de baixa qualidade, quando utilizada para decisões.
Só este grupo pode analisar e suportar a decisão de implementar ou encerrar o distanciamento social, olhando para métricas relevantes e não só para os dados que acompanhamos na TV.
Me atrevo aqui a sugerir alguns dos estudos e acompanhamentos que precisamos fazer, para chegar num quadro de métricas no final deste artigo:
1.2.1 Aceleração da curva
Um artigo sobre Visualização de Dados, escrito por Rémy David, exemplifica perfeitamente o problema com os dados que analisamos atualmente:
Fazendo uma analogia com veículos, se o número total de casos é a quilometragem do carro, o número de novos casos diários é a velocidade do carro, a variação do número de casos diário é a aceleração do carro.
Se a variação é positiva, o carro está acelerando, ou seja, o número de casos está crescendo cada vez mais rápido, ao passo que se for negativa, significa que o número de casos está crescendo cada vez mais devagar.
Daí, o autor conclui que o que precisamos olhar é a aceleração e não o que nos é mostrado hoje: a quilometragem total e a velocidade “momentânea”.
Com uma análise gráfica, pode-se obter a variação média, sendo que se ela for muito alta (inclinação ascendente), a epidemia está descontrolada. Se a inclinação for descendente, ela pode ainda estar alta, mas num ritmo que tende ao controle.
1.2.2 Segmentação Geografica
A análise de um país deste tamanho como se fosse algo único é no mínimo temerário:
Se os números estiverem bons em Unidades Federativas com mais leitos e piores nos Estados com menos leitos, por exemplo, a média talvez nos indique que o país está com a situação controlada, impedindo de tratarmos as realidades locais e evitando que a epidemia volte a se espalhar em regiões que já superaram a crise.
Deste modo, o país precisa ser dividido por questões geográficas que levem em conta não apenas as questões físicas como o Estado ou Municípios, mas também a distância até o Hospital mais próximo, a quantidade de leitos existentes, o transporte entre o paciente e o Hospital e uma série de outros fatores definidos pelos especialistas.
1.2.3 Comparativos gráficos do histórico, incluindo a sazonalidade
Outro item fundamental, agora que os dados estão fluindo melhor e mais organizados, é poder comparar alguns índices relevantes durante uma pandemia:
· Quantidade de Leitos;
· Quantidade de Leitos de UTI;
· Ocupação de Leitos Hospitalares;
· Ocupação de Leitos de UTI;
· Quantidade de Médicos, enfermeiros e outros profissionais periféricos ao sistema de saúde, disponíveis para o atendimento;
· Internações Diárias;
· Óbitos Diários;
· Enterros e Cremações diárias;
1.2.4 Conclusões
Com base nos vários dados organizados e em uma série de indicadores gerados, podemos então ter uma matriz de decisão aceitável, agora não mais para o país, mas sim por microrregião definida:
Através da análise destes dados (somando-se a situação das regiões adjacentes que poderiam apoiar a microrregião), podemos entender a dinâmica das pessoas afetadas, além de identificar os gargalos na infraestrutura médica, projetando a curva de Ocupação de Leitos, Ocupação de Leitos de UTI, Uso de Insumo e ainda mais importante, o nível de stress da equipe envolvida.
Enquanto estes quatro pilares não retornarem à normalidade, não há como arriscar o aumento no stress do sistema. O número aqui deve ser igual ou inferior à média ocupada nos últimos 3 anos, muitas vezes citado na imprensa com percentual entre 75% e 80%.
Considerando os percentuais acima corretos, depois de reaberta a economia, se a curva de aceleração se modificar em sentido mais positivo do que o do dia anterior, por 5 dias consecutivos (tempo estimado para surgimento de sintomas), a microrregião precisará novamente ser fechada.
Notas:
1.2.4.1 * “If You Read The Newspaper, ‘You’re Misinformed’” Denzel Washington
1.2.4.2 **Recomendações da Organização Mundial da Saúde (OMS) para a abertura do país, publicadas no dia 14 de abril
1. A transmissão do vírus deve estar controlada;
2. O sistema nacional de saúde deve ter a capacidade de detectar, testar, isolar e tratar cada caso, e acompanhar a rede de contágios;
3. O risco de um surto deve ser minimizado, em especial em ambientes como instalações de saúde e asilos
4. Medidas preventivas devem ser implementadas em locais de trabalho, escolas e outros locais onde a circulação de pessoas seja essencial;
5. O risco de “importação” do vírus deve estar sob controle;
6. A sociedade deve estar plenamente educada, engajada e empoderada para aderir às novas normas de convívio social;
*Daniel Tibor Fuchs é formado em Ciência da Computação, com MBA em Marketing no Insper. Responsável por Estratégia e Inovação na Datora Telecom, Diretor Regional da Microsoft e membro do Conselho do Hospital Albert Einstein.
Fonte: The Eagle View
Publicação Ambiente Legal, 23/04/2020
Edição: Ana A. Alencar