Mercado ainda depende do estabelecimento de regras claras, mas há países que estão o olhando para a nova “commodity global”
Por Cassiano Ribeiro e Mariana Grilli, do Globo Rural
A corrida mundial pela sustentabilidade e o esforço das empresas para mitigar as emissões de gases de efeito estufa (GEE) fizeram surgir um negócio com potencial bilionário para o agro brasileiro: os créditos de carbono. O mercado ainda precisa estabelecer regras claras, mas isso é uma questão de tempo e que deve ser resolvida muito em breve, até porque há países que já estão explorando essa “nova commodity” global.
No caso do Brasil, há pelo menos 500 milhões de toneladas de carbono equivalente (tCO2eq) que podem ser convertidos em dinheiro pelo setor produtivo. Uma quantia que, a considerar os valores praticados no exterior atualmente, virariam US$ 5 bilhões para os produtores rurais.
O valor se refere apenas à área ocupada pela agropecuária nacional hoje e não considera as florestas, que guardam outros 5 bilhões de toneladas, afirma Eduardo Bastos, diretor de sustentabilidade da Bayer.
A multinacional alemã é um dos gigantes que trabalham para desenvolver o segmento no país. “Temos 40 milhões de hectares de grãos, então 40 milhões de toneladas (CO2eq). Depois tem cana, pastagem, eucalipto. Com essas quatro culturas, a gente teria facilmente uns 500 milhões de toneladas, sendo a pecuária de longe como maior potencial”, explica Bastos.
De acordo com o executivo, o volume negociado no novo mercado pode ser ainda maior à medida que haja mais robustez e conhecimento pelo próprio produtor. Atualmente, a média considerada para pagamento é de US$ 10 por tonelada, inclusive com base no valor acordado pela Coalizão Leaf, assinada pelos governos norte-americano, britânico e norueguês. No entanto, o executivo da Bayer cita que Canadá e países europeus têm trabalhado com pagamentos de CAD 40 e € 40, respectivamente.
Apesar da aptidão brasileira, Marcello Brito, presidente da Associação Brasileira do Agronegócio (Abag), ressalta que é preciso haver organização na hora de regulamentar o carbono como ferramenta. Para isso, a legislação brasileira deve ser cumprida à risca. “O mercado de carbono não é um mercado aleatório, sem links, ele está dentro de uma estrutura de sustentabilidade. Mercado de carbono com desmatamento ilegal não existe”, diz.
Monetizar o carbono é o grande assunto previsto para a Conferência das Nações Unidas sobre o clima (COP 26), que será realizada de 31 de outubro a 12 de novembro deste ano, em Glasgow, na Escócia. Nesse contexto, Brito diz que o Brasil precisa ter formas de comprovar o resgate do carbono e ter transparência perante o mundo. “Não adianta sair de Glasgow com acordo mundial muito bem firmado se não conseguirmos fazer a regulação adequada e nossas obrigações no sistema agroambiental.”
Como exemplo, o presidente da Abag cita a ferramenta HCSA (High Carbon Stock Approach, em inglês), que mede a quantidade de carbono acima do solo, como a vegetação. Por meio dessa classificação, utilizada em países da África e Ásia, é determinada qual área pode ser desmatada. “Determina onde e como você pode desmatar, exatamente para não impedir a expansão agrícola”, explica. E acrescenta: “Nossa tarefa de casa começa no cumprimento da lei, do Código Florestal, nas áreas de preservação permanente e reserva legal”.
Outro importante pilar do mercado de carbono é o papel da pesquisa para entender qual a melhor forma de fixá-lo ao solo e, também, medir, verificar e reportar os resultados. O presidente da Embrapa, Celso Moretti, afirma que as pesquisas em agricultura e pecuária de baixo carbono seguem firmes. Prova disso, segundo ele, é que cerca de 45 pesquisadores da empresa trabalham em conjunto com a Bayer para pensar esse movimento de descarbonização. “O mundo todo vai ser afetado pela descarbonização e, felizmente, estamos preparando o Brasil nas últimas décadas para responder a essa demanda”, ressalta.
Um dos pontos que precisam ser melhor trabalhados é como esse conhecimento da Embrapa chega até os produtores, uma vez que, de acordo com Moretti, a cadeia de transferência está defasada.“Temos um sistema que está prejudicado no Brasil, então precisamos contar com parceiros privados, secretarias de Agricultura estaduais e o próprio Senar. Entendo que é uma rede, composta pela parte pública e privada,que vai levar as informações até aponta”, observa.
Depois do Carne Carbono Neutro (CCN), sistema de produção que neutraliza as emissões pela criação de gado, a Embrapa foca agora numa iniciativa que pretende criar um protocolo semelhante, mas para a produção de soja, principal commodity cultivada e exportada pelo
Brasil atualmente. Para isso, a estatal está reunindo parceiros para elaborar um acordo e estipular metas. O objetivo é ter procedimentos sólidos de manejo das lavouras e certificar as fazendas de soja que conseguirem neutralizar ou reduzir suas emissões no cultivo do grão.
A iniciativa é liderada pela Embrapa Soja, com sede em Londrina (PR), e deve resultar em um protocolo dentro de dois a três anos, segundo Marco Antonio Nogueira, pesquisador que coordena o programa dentro da instituição. “Estamos seguindo a metodologia e a experiência a partir do Carne Carbono Neutro. Começaremos oficinas com especialistas neste semestre, para criar uma metodologia baseada em ciência. A semente está lançada”, resume o pesquisador.
Fonte: Um só Planeta
Publicação Ambiente Legal, 22/08/2021
Edição: Ana A. Alencar
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