Por Antonio Fernando Pinheiro Pedro
O processo de redefinição do Código Florestal Brasileiro parece uma novela interminável.
Início em “preto e branco”
Em 1934, um código de estrutura fascista permitia ao governo traçar áreas de proteção florestal visando, sobretudo, permitir a homogeneização da produção florestal brasileira, como insumo para a crescente produção industrial, a siderurgia, a fabricação de papel e a construção civil.
Capítulo longo, cheio de grandes momentos – guerra mundial, enorme crise na silvicultura nacional, o Serviço Florestal, fim da ditadura do Estado Novo, nova Constituição Federal, desmatamento em larga escala, ligas camponesas e golpe militar. Termina assim, inconcluso, como aqueles documentários do antigo Canal 100.
Verde Oliva domina a cena
O segundo capítulo da novela se inicia com cores fortes, com marcha militar e com o final funesto do Código de 34. Em dado momento, o clima do programa melhora; ocorre a edição de um novo Código, a Lei 4.771, de 1965, par e passo com a promulgação do Estatuto da Terra, das ações de reforma agrária em larga escala e a introdução dos direitos trabalhistas no campo. No entanto, há um paradoxo não resolvido pelos roteiristas governamentais: como conciliar essa legislação rural com a nova e radical mudança na geografia nacional, econômica e humana, em curso?
Hordas de migrantes tomam os centros urbanos da Região Sudeste, transformam uma nação predominantemente rural num país urbanizado e industrializado. Por outro lado, o próprio governo inicia amplo movimento de colonização e integração nacional. O espetáculo do “integrar para não entregar” surge e descompensa toda a trama –o código praticamente entra em desuso e o IBDF, sucessor do antigo Serviço Florestal, passa a incentivar o desmatamento para promover o “reflorestamento”…
Duas Constituições Federais e uma nova legislação de controle de poluição -introduzida de forma descompassada com a agricultura (pois o foco original dela não era o campo)- deformam o Código de 65 e lhe retiram o caráter rural e desenvolvimentista, visando torná-lo, quase quarenta anos após, um renegado resistente do passado, o “Estranho Sem Nome”. O capítulo termina com o famoso “trielo” do Bom, o Mau e o Feio, no melhor estilo “western spaghetti”.
Alien dança com os lobos
O terceiro capítulo começa em clima tenso, com o espetáculo das queimadas em larga escala na região amazônica, ambientalistas em fúria e grande pressão internacional. O presidente FHC chama seu Ministro do Meio Ambiente, o qual, como um Doutor Frankenstein, cria um monstro de papel.
Surge um documento provisório sem personalidade, lotado de boas intenções discursivas e despropositadas, com conceituações pretensiosas (para APP e Reserva Legal, por exemplo) e redução da maior conquista do homem –a agricultura– a uma arrogante e natureba definição de “uso alternativo do solo” (tem outro???). A Medida Provisória 2.166 de 2001 é o pior capítulo de todos. Uma farsa irreconhecível para o setor agrícola e inaplicável para a fiscalização ambiental. E ainda teve quem regulamentasse isso em Resoluções, portarias e decretos…Terror classe B total.
Avatar e Comandos em Ação
Em meio a operações tipo “Tropa de Elite”, com fiscais do IBAMA e Policiais Federais vestidos de “Falcon”, pastoreando “Bois-Piratas”, surge a urgente e necessária conversão da Medida Provisória em lei. Começa o importante processo legislativo a cargo do Congresso Nacional.
Um verdadeiro “Crepúsculo dos Deuses” sem a qualidade Wagneriana. Ópera lotada de coreografias de gosto duvidoso, com pas de deux, saltos, espacates midiáticos, acompanhados de performances de primas-donas do ambientalismo brasileiro, musas e musos do agronegócio. O lado bom disso tudo é que todos, no entanto, acompanharam, bem ou mal, o ritmo democraticamente conduzido no processo legislativo pelo parlamento nacional.
A volta dos que não foram
Quando tudo parecia terminar num gran finale democrático (aplausos de uns e apupos de outros)… o choque: o último capítulo transforma-se na reedição do “Walking Dead”. Mortos vivos sedentos, inoculados na nova Medida Provisória 571/2012, banhados no sangue da nova Lei Florestal 12.651/2012, amputada pelo veto a pouco mais de uma dezena de artigos.
O resultado artístico dessa tragicomédia é funesto para a agricultura nacional e absolutamente inócuo para a política ambiental.
À guisa de demonstrar eficácia para a resolução de um conflito, a presidente Dilma encaminhou mensagem de veto parcial ao Congresso, mensagem esta, diga-se, muito mal redigida… com razões extremamente singelas, como que pedindo reedição das normas que pretendia sepultar. Simultaneamente, tratou de editar nova Medida Provisória, reiniciando a novela do processo legislativo, sem atentar que a permanência indefinida de todo esse conflito pode custar muito caro ás instituições envolvidas e, principalmente, fragilizar ainda mais o pacto federativo.
O Congresso Nacional, bem ou mal, cumpriu e cumprirá com seu papel constitucional, e desagradará, de novo, a todos.
Ilegalidade insuperável
Há, no entanto, uma falha clamorosa no roteiro oficial.
A lei florestal é matéria complexa e intrinsecamente conflituosa. Some-se a essa complexidade a pendente reapreciação pelo Parlamento dos vetos efetuados na Lei sancionada e a nova Medida Provisória baixada.
Tem-se, assim, que jamais, em tempo algum, poderia a Presidente Dilma sancionar a Lei Florestal n. 12.651, determinando sua imediata entrada em vigor!
O artigo 8º. da Lei Complementar 95, de 1998, é expresso ao mandar que leis versando sobre matéria complexa devam contemplar prazo razoável para entrar em vigor a fim de propiciar o amplo conhecimento da população. O texto da Lei Complementar dispõe estar reservada a cláusula “entra em vigor na data de sua publicação” apenas para leis de pequena repercussão.
Ora, já que estava vetando parcialmente o texto do projeto de Lei que iria sancionar e enviando Medida Provisória, visando suprir as ”lacunas” deixadas pelos vetos, deveria a Presidente da República vetar também o artigo 84 da lei que sancionava, o artigo que determina a entrada em vigor imediata do diploma.
Devia, a Presidente, em obediência aos parâmetros estabelecidos na Lei Complementar, estabelecer o prazo mínimo de 60 dias para a entrada em vigor da Lei 12.651. Dessa forma, permitiria que o Parlamento discutisse com cautela os vetos apresentados e examinasse com folga a Medida Provisória.
Isso sim, poderia conferir segurança jurídica ao marco legal pretendido para tão sensível questão, num Estado Democrático de Direito.
Nada disso foi feito e o que tivemos foi uma tosca apresentação da Lei, dos vetos e da Medida Provisória, por meio de uma coletiva de imprensa protagonizada por um quarteto ministerial desafinando, em meio ao coro do descontentamento geral, sem qualquer eco ou fumaça de bom Direito.
O que teremos, para os próximos meses, como se vê, será uma espécie de “Avatar X Predador”, sob risco do espetáculo terminar sem plateia.
Enquanto isso, a agricultura empobrece, a natureza fenece e as cidades padecem.
Decididamente, duro de assistir…
Nota: O centenário Instituto dos Advogados Brasileiros – IAB, chegou a essa conclusão no início de Junho de 2012 e, para tanto, programou um debate para o dia 17/6/12, no Rio de Janeiro, em pleno período da Conferência Rio+20.