Por Rachel Feldmann
“As florestas precedem os povos e os desertos os seguem”
-François René de Chateubriand (1768/1840)
É sempre bom lembrar do que dispõe o artigo primeiro da Lei da Política Nacional dos Recursos Hídricos ao definir que “á água é um bem de domínio público ; é um recurso natural limitado, dotado de valor econômico. Sua gestão implica proporcionar seu uso múltiplo de forma a se assegurar o controle quantitativo e qualitativo bem como o efetivo exercício dos direitos a seu acesso”. Trocando em miúdos: A água é um bem público e seu uso particular depende da outorga da Administração Pública.
Em São Paulo, a empresa brasileira concessionária de serviços de saneamento básico é a Sabesp. Com economia mista, de capital aberto, tem ações negociadas nas Bolsas de Valores de São Paulo e de Nova York. Seu principal acionista é o governo do Estado de São Paulo.
Em 2004, a outorga do sistema Cantareira (pertencente à União) foi renovada e previa ações e investimentos para atendimento à população. A Sabesb e o Governo Estadual não cumpriram as diretrizes e metas estabelecidas à época. Em 14 anos não foi feita a lição de casa!
No País oficial – Sabesp e o Governo Federal- a causa do desabastecimento é a falta de chuvas (surpresa!) . No País real onde vivemos, as causas são falta de gestão e planejamento no trato da coisa pública.
Não se pode acreditar que os técnicos e funcionários da Empresa não tenham ou não tivessem dados e informações suficientes de forma a se prever e assim evitar o pior cenário como o que estamos vivendo. A inércia acrescida de reza brava para chover foram as opções mais rentáveis para uma companhia com ações nas Bolsas de Valores.
Não é estranho a atitude da Sabesp que ao ser “pega de surpresa pela falta de chuvas” em pouco tempo recorrer de imediato a obras que retiram o volume morto (ai meu Deus!) do fundo do leito do que ainda chamamos de rios ?
De acordo com Paulo Skaff “a Sabesp preferiu privilegiar seus acionistas com uma gorda retirada de dividendos. Nada contra uma Companhia remunerar bem seus acionistas , pelo contrário. Mas uma empresa como a Sabesp deve ter como prioridade abastecimento e tratamento de água. Não só o governo sabia o que deveria ter feito como tinha o dever legal de fazê-lo.”
Basta olhar o triste nível dos reservatórios por onde afloram o que foram outrora cidades, com suas igrejas e cemitérios. O desmate intenso e ocupação desregrada do solo, principalmente, nas cabeceiras e nascentes dos rios é o principal fator para o desajuste climático que nos atinge muito antes do que previam os especialistas no tema.
Vale lembrar o alerta insistente dos especialistas: O Sudeste depende do regime de chuvas da Amazônia. Sem a floresta não há chuvas! Sem as chuvas não há água! É o ciclo natural do país real que não deve ser quebrado pelo país oficial.
Também pesa a forma leviana como tratamos nossas águas transformando mares e rios em grandes lixões ou deixando a água limpa escorrer literalmente pela sarjeta dia após dia ou ainda pelo desperdício na lavagem de carros ou calçadas de forma displicente. Isto normalmente ocorre nos bairros ricos da cidade mas pobres em espírito solidário com o bem comum e quiçá o mais valioso e escasso para a vida. Água potável!
Ao invés de uma campanha corajosa e educativa para seu uso mais racional o país oficial optou por veicular uma propaganda enganosa ao pais real afirmando que tudo vai muito bem no país das maravilhas.
Em pleno século 21 só nos resta rezar para São Pedro ou fazer a dança da chuva o que é, no mínimo paradoxal.
OBS : ver matérias
Cantareira-vitima-dos-engenheiros-de-obra-feita/
Seca-no-Sudeste-uma-realidade-assustadora/3/31534
Sistema-cantareira-contagem-regressiva.
Rodizio-de-agua-era-1-opcao-da-sabesp-plano-foi-entregue-em-janeiro
Rachel Feldmann é advogada (PUC-SP) e consultora ambiental. Membro da Comissão de Infraestrutura e Sustentabilidade da OAB-SP