Por Marcello Toledo
Não é de hoje que a cultura do pau-brasil, que significa “usar até acabar”, domina de maneira significativa e impactante as relações da sociedade brasileira com o meio ambiente.
Foi assim desde os primórdios do início da exploração europeia, quando nossas riquezas minerais e vegetais foram exploradas até quase a exaustão – exploração que permanece até hoje, de maneira quase indecente, sobre os poucos recursos naturais que ainda sobraram. Efeito e causa do apocalipse que se abate, desde o século XVI, por essas terras de mega diversidade privilegiada.
A cidade “olímpico-fecal” do Rio de Janeiro é um exemplo clássico desse fenômeno de destruição.
Cidade “olímpico-fecal” , é o que denomina o conjunto de ilhas de lixo e lodo, mau cheiro, água preta e pastosa, esgoto verde florescente coberto de ciano bactérias, que caracterizam o complexo lagunar da Barra da Tijuca e seus canais que os interligam.
Exemplo mais gritante não há, apesar da falência ambiental não se limitar a isso.
Foi exatamente às margens do complexo lagunar da Barra da Tijuca, que foram construídas as importantes instalações olímpicas do Rio de Janeiro.
Infelizmente, o termo “cidade maravilhosa” nada mais era que o ainda se constatava pelo que se via pelo conjunto de ecossistemas cariocas no início do século XX, em que as já fortes intervenções de seus habitantes. Uma cidade entre o mar e a montanha, em um contraste de poucos quilômetros de distancia, espetáculo geológico que, apesar do desastre ambiental, ainda permanece.
Vale sempre lembrar as descrições paradisíacas de Magalhães Correa sobre a baixada de Jacarepaguá, nos anos 30 do século passado. Comparadas com o estado de degradação hoje encontrado, passados apenas 80 anos, são prova inconteste da nossa incompetência cultural no trato com o meio ambiente.
“Assim, senhores do poder, criai as nossas reservas ou parques nacionais, aproveitai as matas dos nossos mananciais, transformais a lagoa de Marapendi em reserva biológica da nossa fauna lacustre, como um viveiro permanente para a conservação das espécies, e assim teremos começado a verdadeira defesa da natureza”, pregava Magalhães Correa.
A cidade e a região metropolitana do Rio de Janeiro vivem um dos seus momentos históricos ambientais mais alarmantes e dramáticos – isso dito de modo otimista, uma vez que temos pela frente alterações climáticas planetárias, e inevitável processo de “metástase ambiental”,decorrente do crescimento desordenado da malha urbana. Região devastada e dizimada pelo crescimento desordenado, incentivado por inescrupulosa especulação imobiliária.
No sentido de tentar minorar o problema, as opões disponíveis são claras:
1- Remoção, relocação e transferência (ou o nome que queiram dar) da população emáreas ambientalmente sensíveis. é uma das muitas medidas necessárias para colocar ordem na casa. Temos como exemplo as ocupações irregulares – por diversas vezes denunciadas pela mídia – no canal do Cortado, em faixa marginal de proteção (baixada de Jacarepaguá), nos apicuns e manguezais de Guaratiba e na faixa marginal do rio Piraquê-Cabuçú. Locais onde nenhuma “autoridade” tomou qualquer ação. Onde edificações ocupam áreas de preservação ambiental e, também, expõem seus moradores a riscos que variam das consequências da falta de saneamento básico à inundação de suas moradias.
2- Se os enfáticos e inflamados discursos políticos, feitos principalmente em períodos eleitorais, enfáticos e inflamados, disso se ocupassem… Mas não. Basta uma simples leitura das propostas politicas dos candidatos que disputaram o segundo turno do certame eleitoral do Rio de Janeiro para se notar que o assunto é quase ignorado. Da mesma forma os discursos empresariais, a respeito de soluções e financiamentos para uma política habitacional que não saem também dos palanques. de fato serão úteis à resolução do problema da metástase ambiental que as favelas geram na região metropolitana do Rio de Janeiro.
Precisamos é de menos factoides e mais ação.
3- Também não podemos esquecer que as políticas habitacionais devem estar claramente associadas a políticas de transportes. Políticas que forneçam aos moradores reassentados, em moradias com água, esgoto, escolas públicas, creches e unidades de saúde, os transporte de boa qualidade. Caso contrário estaremos mais uma vez reproduzindo os erros e conseqüências do passado recente.
4- Nunca falta dinheiro para o poder público. Sempre o que falta é vontade política embasada em conhecimento técnico. Falta prioridade no interesse da sociedade no que deve ser de fato prioridade, no destino dos recursos públicos obtidos pelo extorsivo e colonial regime tributário brasileiro.
O uso irresponsável, sem prioridade, de estimados um bilhão de reais no equipamento musical “único na América Latina” denominado “Cidade da Música”, ou de um bilhão e setecentos milhões de reais na arena Maracanã, formam exemplos claros desta distorção.
Não é difícil imaginar o que poderia ser feito com tamanho volume de recursos, sob a ótica sócio-econômico-ambiental como exercício custo/benefício…
Podemos citar medidas básicas, que de tão obvias tornam ridícula a sua não adoção, ou ao menos a tentativa de adota-las.
Seria um alento, para diminuir o sentimento de vergonha e impotência daqueles que lutam pela preservação ambiental e recuperação da cidade como um todo:
• Recuperação e regularização fundiária (gerenciamento de fato) de todas as unidades de conservação municipais abandonadas;
• Criação de sistema de tratamento dos principais rios (valões) de esgoto que desembocam na baía de Guanabara;
• Geração de políticas habitacionais e de transporte municipais capazes de amenizar o processo de ocupação desordenada do solo;
• Recuperação de todo o sistema lagunar da baixada de Jacarepaguá e de sua respectiva bacia hidrográfica;
. Instalação do sistema de saneamento na bacia da baía de Sepetiba.
Enquanto isso o que se observa são ilhas de lixo nestes locais. Garrafas PET, sacos plásticos, sofás, pneus, para-choques de carro… tudo dentro de um fétido “encontro das águas”, cheio de ciano bactérias e outras culturas prejudiciais para saúde humana.
Não faltam, enfim, prioridades na área ambiental, diretamente associadas à melhoria da qualidade de vida da população. Prioridades com vínculo direto com o desenvolvimento econômico da nossa cidade do Rio.
Incrível como não se produzem atividades ambientalmente e economicamente sustentáveis, como o ecoturismo e suas conhecidas consequências ao nível de geração de postos diretos e indiretos de trabalho.
Infelizmente seja por falta de conhecimento técnico, devaneios pessoais ou principalmente de olho nas eleições e vantagens pessoais, nossos legisladores e administradores públicos optam pelo mais fácil, o mais simpático, que renderá mais votos. Assim nada, absolutamente nada tem sido resolvido no seu cerne.
Enquanto isso, longe de teorias acadêmicas e de defesas políticas apaixonadas, o maior defensor do meio ambiente do Estado, o renomado Biólogo Mário Moscatelli (http://oglobo.globo.com/rio/mario-moscatelli-padrinho-de-passaros-caranguejos-protetor-dos-manguezais-14511414), continua seus sobrevoos nas lagoas, manguezais e baías, observando a metástase ambiental e suas consequências. Testemunho da degradação que avança sobre o que garante nossa atual, e ainda mísera, qualidade de vida.
O tempo se esgota rapidamente. Caberá agora saber se aprendemos alguma coisa com os últimos duzentos anos de degradação ambiental de nossa cidade. Solução existe, dinheiro também. Basta vontade política, consciência do empresariado como um todo, priorizar e, o mais difícil, querer fazer.
O presente artigo não tem hipótese alguma a intenção de ser apocalíptico.
Apenas, de maneira resignada (ou não), quer chamar atenção para o que acontece nessa cidade maravilhosa. Cidade que, de fato, deve ser abençoada por Deus, por que senão já teria sucumbido ao caos.
Marcello A. F. Toledo é advogado, especialista em direito imobiliário e incorporações, consultor no Rio de Janeiro do escritório Pinheiro Pedro Advogados.
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