Meio Ambiente Cultural desprezado
Por Pedro Mastrobuono
A recente imagem do Palácio do Planalto sintetiza o atual descaso com nosso Patrimônio Cultural.
A obra de Alfredo Volpi que mal se vê, relegada à penumbra, é uma deslumbrante releitura da Bandeira do Brasil. Ainda sob o efeito de seu flerte com o movimento dito Concreto, por influência de sua fantástica amizade com o crítico e colecionador Theon Spanudis, tal versão do Lábaro ressurge em linguagem única, “volpiana”. Não se ajusta aos ditames do concretismo, onde os vestígios e caligrafias dos pintores eram rejeitados na busca de uma pintura quase industrial. Volpi, com a delicadeza de sua têmpera, explora nuances de tonalidades de um verde escuro que, de perto, expõe vestígios de pinceladas. Uma obra “concreta” bem distante da assepsia das pinturas realizadas com o emprego práticas de pintura automotivas. Concretismo a la Volpi.
Como sócio fundador e atual presidente do Instituto Volpi, a má iluminação não traduz apenas uma singela e comezinha falta de cuidados. Muito longe disso.
Trata-se do Palácio do Planalto, sede da Presidência da República, não um ambiente qualquer. Há bem pouco tempo, notava-se preocupação. A curadoria palaciana, de modo sistemático, debruçava-se sobre pesquisas, levantando registros históricos dos ambientes, no Arquivo Nacional. Havia, pois, cuidado e respeito com as especificações dos projetos originais de Oscar Niemeyer. Era parente a preocupação com o restauro do mobiliário, o cuidado com a iluminação, por exemplo.
O Planalto, tal qual foi concebido, é símbolo pátrio, tanto quanto o lábaro que deveria ser ostentado adequadamente.
Não obstante, aquilo que se nota agora é o descaso, grau de atenção semelhante ao habitualmente dispensado pelos servidores do outro lado da rua. Não deve ser esquecido que o “Palácio dos Arcos” (nome original do atual Itamaraty) também tem obra de Volpi. Aliás, afresco tombado, formalmente integrante de nosso Patrimônio Cultural. Ostenta, tal painel, o rosto de Niemeyer, obra titulada “O SONHO DE DOM BOSCO”, na qual Volpi, de modo indisfarçável, homenageou seu amigo arquiteto.
O Ministério das Relações Exteriores – MRE, insiste em disfarçar a contumaz negligência, alegando falta de verbas neste momento, para restaurar o referido afresco. Alegam, ainda, que alguns meros respingos de tinta branca teriam caído, acidentalmente, durante a pintura do teto daquele ambiente, quando dos danos causados pelas manifestações de 2013.
De plano, há aqui um contrassenso: atual falta de verbas em face de algo ocorrido há quatro anos? Não há planejamento?
Na realidade, recente inspeção do IPHAN encontrou e apontou, ao menos, 10 (dez) problemas no afresco, ressaltando seu mau estado de conservação. Laudo que corrobora as repetidas denúncias por parte do Instituto Volpi.
Apenas respingos? É mesmo?
Com o intuito de demonstrar a negligência contumaz, junta-se fotos, do mesmíssimo painel que, nos anos 1990, muito danificado por ação de um funcionário não orientado, que simplesmente o lavou, com água e sabão, com o emprego de palha de aço. Lastimável!
À época, o restaurador especializado Thomas Brixa (que aparece nas fotografias), além do afresco, também restaurou duas obras majestosas de Portinari, ambas rasgadas e esfoladas. As fotos de época não deixam margens de dúvidas e nos dispensam de digressões adicionais.
Até quando o Cargo de Ministro da Cultura será negociado como mera moeda de troca com partidos políticos?
Descaso, negligência que parece ter atravessado a rua…
PEDRO MASTROBUONO, advogado, é Presidente do Instituto Volpi, Presidente da AAMAC ((MAC/USP), Conselheiro do Projeto Leonilson e Vice-presidente da Comissão de Direito às Artes da OAB/SP. É Membro efetivo da COINFRA da OAB/SP
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