Por Fábio Pugliesi*
O ato de pagar impostos, embora sempre constitua a obrigação de levar bens e dinheiro ao poder político, tem significados diferentes ao longo do tempo.
Já há algum tempo, especialmente depois da disseminação do uso das redes neurais em que se baseia a “inteligência artificial”, tenho questionado em que medida o que se viveu influencia o porvir. Afinal os aplicativos, que nos acompanham e orientam por meio do smartphone, surpreendem ao conhecer desejos antes de se ter consciência deles e muitas vezes sem uma relação com nossa vivência no momento em que se os consulta.
Ainda assim no atual contexto parece que as duas certezas permanecem: a morte e o pagamento de tributos.
Quanto à primeira certeza prefiro abstrair comentários. Quanto à segunda está indissoluvelmente ligada ao homem moderno que paga o Estado para atuar em seu nome.
Desde o surgimento do Estado moderno, portanto antes do incremento do debate sobre a participação política, admite-se a exigência de recursos da sociedade para manter, pelo menos, a defesa do território. Com o tempo têm surgido as limitações ao poder de tributar.
Neste sentido uma estrutura de pessoas administra o cotidiano e se espera que prestem serviços e representantes fiscalizem a execução destes em última instância.
Esta estrutura muitas vezes se distancia da experiência do cotidiano e nos faz esquecer a importância da neutralização dos conflitos que promove.
Neste sentido penso que cabe rememorar a experiência do pós-guerra mundial.
Um partisan da Resistência Italiana me garantiu que deixados a si mesmos metade dos homens são assassinos e era capaz de contar fatos bastante significativos até entre estes.
Embora caiba aos partisans o mérito de ter garantido, por meio da coordenação do Comitê de Libertação Nacional, a ordem no Norte e Centro da península desde a destituição de Mussolini, o fim da ocupação da Alemanha Nazista e antes da chegada dos aliados, entre os quais os Pracinhas Brasileiros.
A Declaração Universal dos Direitos Humanos, adotada em 1948, estabelece, no âmbito da Organização das Nações Unidas, os direitos humanos básicos.
Desde então se experimenta uma reivindicação constante dos direitos, o que acaba por ser bastante conveniente, uma vez que, ao se admitir diferenças e novas formas de compartilhamentos de vivências, as possibilidades das pessoas só tendem a crescer com as infinitas diversidades.
A liberdade é um termo plurívoco, que pode significar “ausência de limites na ação individual”, conforme as Declarações de Direito do Século XVIII, assim como livre arbítrio.
No âmbito do Estado parece-me que constitui a combinação ótima combinar a ausência de limites com o esclarecimento nas deliberações para que a liberdade da ausência de limites não se perca em um jogo de paixões que acabam por prejudicar a ação política.
Assim se espera uma maior atenção aos direitos humanos de segunda geração que impõem prestações positivas do Estado para a redução das desigualdades por meio de prestações ativas do Estado.
É possível, parece-me, ter comunidades mais inclusivas, mais integradas no bem comum, igualitárias, cooperativas para se promover o desenvolvimento e o bem-estar.
Daí se vê o efeito da palavra escrita na Constituição.
Do ponto de vista do Direito geram certo ceticismo tais reivindicações no texto constitucional, pois, ainda que se admitam rupturas constitucionais, espera-se consistência ou continuidade das decisões judiciais sob o império da lei; todavia do ponto de vista político tais assertivas nos textos constitucionais, ainda que não declarem como e quando devam ser aplicadas, geram uma expectativa e uma vontade de tais palavras concretizarem pelos destinatários do poder político.
Todavia a concentração da riqueza acumulada até global na mão de muito poucos tem sido muito maior do que o crescimento econômico.
Desta forma a riqueza herdada cresce mais que o patrimônio novo, reduzindo a mobilidade social, inclusive em razão da estagnação populacional no mundo.
A manutenção da participação democrática no poder depende de uma distribuição de renda que gere uma nova classe média a exemplo do que ocorreu após a segunda guerra mundial e a promoção de um bem comum por meio de uma integração social.
Assim a Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico propõe uma tributação maior sobre as atividades das empresas que atuam na nova economia da internet e acabaram por mudar as relações do trabalho, tornando obsoletos conhecimentos técnicos e acarretando exclusão social.
Ocorre que a tributação do patrimônio e do investimento implica também a possibilidade de haver capacidade financeira econômica do contribuinte para cumprir a obrigação tributária, bem como a política econômica necessária para garantir a integração social contribua para isso.
Assim torna-se indispensável que tal contribuinte, além de pagar, participe da comunidade. Um ativo contribuinte, ao invés de um passivo pagante de tributos.
Assim deve ser superada uma visão que vê a tributação como um jogo de soma zero, passando a discutir possibilidades para reativar a economia brasileira com a reforma tributária da PEC n. 110/19, em curso no Senado Federal para estabelecer no mínimo mais racionalidade na tributação ao eliminar o ICMS, IPI, ISS, PASEP, CIDE e o salário-educação sem prejudicar a unificação do PIS/COFINS na Câmara dos Deputados, sempre a respeitar os direitos dos contribuintes. Sem nos deter no Imposto sobre Bens e Serviços e seu cálculo sobre o preço a superar o cálculo superposto de tributos, que vem a negam a transparência para o contribuinte ativo saiba quanto está a pagar.
Assim é possível viabilizar o investimento produtivo, uma vez que este se torna impossível sem regimes especiais que reduzem a segurança jurídica, afastam o investidor e acabam por gerar regimes diferentes de tributação.
Não adianta, assim, corrigir a tabela progressiva do imposto de renda das pessoas físicas sem medidas para reativar o investimento produtivo para a sociedade em um contexto em que os setores exportadores acabam por causar concentração de renda ao dispensar trabalhadores na produção.
Originalmente publicadi em https://conversandocomoprofessor.com.br/2021/07/04/de-passivos-pagadores-de-tributos-a-ativos-contribuintes/. Acesso em 05-07-21
*Fábio Pugliesi é advogado em São Paulo e Santa Catarina. Membro do Instituto dos Advogados do Estado de Santa Catarina (IASC). Doutor em Direito, Estado e Sociedade (UFSC), Mestre em Direito Financeiro e Econômico (USP), Especializado em Administração (FGV-SP), autor do livro “Contribuinte e Administração Tributária na Globalização” (Juruá) e professor em cursos de graduação e pós-graduação. Colaborador dos portais Ambiente Legal e Dazibao. Blog Direito Financeiro e Tributário. Twitter: @FabioPugliesi.
Fonte: Direito Financeiro e Tributário
Publicação Ambiente Legal, 31/08/2021
Edição: Ana A. Alencar
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