A questão climática é energética
Por Danielle Denny
“Jura”, música de Noel Rosa, popularizada por Zeca Pagodinho, calharia como trilha sonora da conferência de Paris. Representantes inclusive dos países mais poluidores declararam que serão os mais comprometidos com as temáticas ambientais. Porém, além da retórica, poucas foram as metas efetivamente vinculantes e o sucesso do que foi decidido vai depender de políticas a serem implementadas por governos locais ou regionais e em parceria com a iniciativa privada e sociedade civil.
A 21a. Conferência das Partes do Acordo Quadro das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente e o Desenvolvimento teve o objetivo, bem sucedido, de negociar os termos de substituição do Protocolo de Quioto. Ficou decidido que a partir de 2020 os países irão rever voluntariamente suas metas de emissão a cada 5 anos, a partir de 2020, e irão envidar os melhores esforços para limitar o aumento da temperatura global a 1,5 graus Celsius dos níveis pré-industriais.
Mas o avanço anunciado e comemorado foi superdimensionado. Para citar um exemplo, os EUA, apesar de ter se mantido fora das metas previstas no Protocolo de Quioto, se posicionou como se tivesse sido o líder global da luta contra as mudanças climáticas nos últimos 7 anos. O Presidente Obama discursou que seu país tem liderado pelo exemplo, promovendo históricos investimentos em energia eólica e solar.
Porém, se avanços foram tidos com padrões técnicos e níveis de emissões para frota rodoviária americana e para as termelétricas, o país está longe de suas possibilidades de realmente liderar uma transformação econômica de desincentivo ao uso dos combustíveis fósseis. Mais de 80% das emissões americanas são relacionadas à energia. Carvão, petróleo e gás natural são as principais fontes de energia nos EUA, sendo 38% para produzir energia elétrica, 33% para o transporte de pessoas ou mercadorias, 18% para processos industriais e 10% como combustíveis de equipamentos residenciais ou comerciais, conforme dados da Agência de Energia Americana.
À parte das muitas `juras’, o acordo conseguiu avanços significativos no regime das mudanças climáticas para facilitar estruturas de governança que favoreçam a cooperação de múltiplos atores internacionais em busca de objetivos comuns. A principal alteração foi a abordagem de baixo para cima, mais abrangente. O Protocolo de Quioto era ao contrário, de cima para baixo, estabelecia e obrigava metas, mas apenas para as 37 nações desenvolvidas que foram suas signatárias. O Acordo de Paris deixa em aberto para todos os países fixarem suas próprias metas, que uma vez estabelecidas passam a ser obrigatórias.
Outro avanço importante foi com relação às responsabilidades comuns porém diferenciadas, que há muito têm sido o principal motivo de discórdia entre países desenvolvidos e em desenvolvimento. Os primeiros alegando que os principais emissores não são mais os industrializados e os últimos buscando a responsabilidade histórica e o seu direito a desenvolver. O acordo deixou expresso que países têm diferentes responsabilidades e capacidades para agir e, em quase todos os seus artigos, refletiu a necessidade de as responsabilidades envolverem a todos mas com metas voluntárias, exigíveis, públicas, verificáveis e com prazos. O texto também reconhece a necessidade de financiamento, transferência de tecnologia e capacitação.
A estrutura de comércio de carbono também foi incorporada ao novo instrumento, com a novidade de poder ser supervisionada por qualquer órgão público ou privado autorizado pelas partes e possivelmente incluir também uso da terra e manutenção de florestas em pé. A primeira Conferência das Partes do Acordo de Paris irá estabelecer as regras, modalidades e procedimentos para esse mecanismo.
Assim, o resultado da COP 21 pode ser considerado uma excelente base para construir um conjunto de políticas que estimulem a transição rumo à economia verde, de baixo carbono e socialmente inclusiva. Mas o desafio não pode ser vencido apenas por uma negociação entre 195 Estados. O setor privado, a sociedade civil e os diversos níveis da administração pública também terão de fazer a sua parte. Porém, se os combustíveis fósseis continuarem a fonte de 81% da energia do mundo, como são hoje, o regime climático será ineficiente.
A solução climática, já é conhecida há tempos, e é, na verdade, em grande parte energética. Se a força motriz da economia global mudar para fontes renováveis estará praticamente resolvido o problema climático. Contudo isso implica uma completa reestruturação de paradigmas. Por isso, se Paris vai conseguir ser eficaz ainda é uma incógnita. Assim como a jura de amor cantada na música de Noel Rosa, para ter valor, vai depender do nível de confiança recíproca e colaboração.
Danielle Denny integra o grupo de pesquisa Energia e meio ambiente na Universidade Católica de Santos onde é doutoranda do programa Direito Ambiental Internacional, com bolsa Capes.
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