Supremo Tribunal Federal decide: Área de preservação merece valorização igual à área economicamente utilizável na desapropriação.
Por Antonio Fernando Pinheiro Pedro
Enfim, uma decisão que restaura a harmonia entre direitos constitucionais.
Ao decidir recurso extraordinário originado em São Paulo, o STF resgatou o respeito à função social da propriedade e garantiu justa indenização econômica pela desapropriação de áreas de preservação ambiental nas propriedades privadas.
A decisão do excelso pretório contém frase lapidar:
“Incumbe ao Poder Público o dever constitucional de proteger a flora e de adotar as necessárias medidas que visem a coibir práticas lesivas ao equilíbrio ambiental. Esse encargo, contudo, não exonera o Estado da obrigação de indenizar os proprietários cujos imóveis venham a ser afetados, em sua potencialidade econômica, pelas limitações impostas pela Administração Pública.”
É um resgate da Constituição Federal, que vinha sendo “fatiada” por decisões segmentadas, visando atender demandas pontuais de ordem ambiental sob uma ótica biocentrista aliada a interesses patrimonialistas da Administração Pública.
Tudo por dinheiro, nada pela função social…
O artigo 186 da Carta, determina que a função social da propriedade rural é cumprida quando ela atende, simultaneamente, segundo critérios e graus de exigência estabelecidos em lei, aos seguintes requisitos:
I – aproveitamento racional e adequado;
II – utilização adequada dos recursos naturais disponíveis e preservação do meio ambiente;
III – observância das disposições que regulam as relações de trabalho;
IV – exploração que favoreça o bem-estar dos proprietários e dos trabalhadores.
O potencial econômico de uma propriedade rural, portanto, pressupõe a manutenção de áreas de preservação, sem a qual, em tese, a valoração inexiste. Dessa forma, a funcionalidade social da propriedade EXIGE que esta seja sempre observada de maneira indissociável.
Consequentemente, há de se considerar o potencial econômico TAMBÉM na área preservada, submetida às limitações administrativas, ao se proceder à justa indenização.
Isso é o que reza a a Constituição. No entanto, não era o que rezava o ativismo judicial biocentrista.
O crescente oficialismo, agravado pelo discurso biocentrista, abandonou o preceito constitucional. Substituiu a norma pela retórica de negação de valor econômico à área preservada.
Por trás da verborragia, a pretensão de expropriar nacos das propriedades privadas pagando a menor quantia possível.
O alvo de toda a hipocrisia jurisprudencialmente construída não era a defesa ambiental – sempre foi a busca por uma solução financeira vantajosa ao Estado. Era preciso resolver os problemas com desapropriação por utilidade pública e indenização, decorrentes da mal planejada, mal preparada e mal executada regularização fundiária de unidades de conservação… Brasil afora, nos últimos trinta anos.
Assim, o Poder Público negava valor econômico às áreas de preservação permanente e reservas legais, como se estas não compusessem a propriedade desapropriada – tudo para obter injusta vantagem financeira nos processos expropriatórios.
Corolário imoral: proprietário desapropriado punido pelo poder público, com a desvalorização econômica da área que preservara, justamente por atender à limitação imposta pelo próprio poder público. Ou seja, prejuízo por cumprimento da função social da propriedade.
Isso resultou em um ciclo vicioso de restrição-desvalorização-fraude-corrupção e, então, maior restrição… favorecendo um comportamento perverso da ecoburocracia.
Doutrina inventada, jurisprudência forçada…
A cruzada contra a propriedade privada, é fato, move o ativismo judicial biocentrista e contamina debates nos tribunais. Nessa guerra, até doutrina e jurisprudência internacional tem sido (mal) utilizada, como fundamento para decisões expropriatórias.
Um exemplo recente da má utilização é a chamada “vinculação situacional do solo” (Situationsgebundenheit), restrição legal adotada pelo direito alemão que, segundo os biocentristas tupiniquins, “retiraria características econômicas” das áreas legalmente preservadas. Assim, não se falaria mais de “limitação do direito de propriedade”, mas de “definição do conteúdo como fator determinante”.
A Constituição alemã (Grundgesetz) garante a herança e a propriedade privada, mas condiciona seu conteúdo e limites ao que for determinado pela lei (Artikel 14 – Das Eigentum und das Erbrecht werden gewährleistet. Inhalt und Schranken werden durch die Gesetze bestimmt).
Germanófilos de plantão no Superior Tribunal de Justiça, “emprestaram” o raciocínio para elaborar recente acórdão no Recurso Especial 1.090.607-SC, proveniente de Santa Catarina, definindo “não ser indenizável” uma APP expropriada. O fundamento: “reserva legal não pode ser explorada para fins econômicos”. Um absurdo silogístico sem qualquer cuidado com as premissas.
Deslumbrado pelo próprio protagonismo o ativismo judicial biocentrista ignorou dois fatos:
1- APP e Reserva Legal, são institutos autóctones – sem qualquer paralelo legal em outra parte do mundo. A exceção restringe-se a dois desavisados governos de economia incipiente – um africano e outro (até então bolivariano) da américa do sul – que buscaram apoio de juristas biocentristas do Brasil, para auxiliar na elaboração de sua legislação. Portanto, não há direito comparado possível quanto aos institutos, como também não há relação legal entre a excepcional “vinculação situacional” do solo alemão e genérica limitação administrativa estabelecida nas normas florestais brasileiras brasileiras. Logo, se inexiste vínculo de correspondência legal possível, mais inútil ainda é o esforço mental de adaptar conceitos não previstos em nosso ordenamento, a institutos não previstos no ordenamento de origem daqueles conceitos…
2- Esforço mental não constitui motivação de sentença ou acórdão – ainda que bem intencionado, e construção silogística sem premissa válida é nula. Vale a lição de Carnelutti: “O juízo é um prius, o silogismo um posterius: aquele tem caráter inventivo, este tem caráter demonstrativo; o silogismo supõe o juízo, não se silogiza para julgar, mas para demonstrar como se julgou”.
O Supremo Tribunal, pelo visto, resolveu frear esse delírio oficialista danoso às garantias fundamentais tuteladas pela Constituição.
O STF pôs os pingos nos is…
Atento a essa questão, o Supremo Tribunal Federal, finalmente, parece estar corrigindo o rumo, restaurando a normalidade constitucional com a recentíssima decisão, em sede de Recurso Extraordinário relatado pelo Ministro Teori Zavascki, cujo teor, auto-explicativo, encontra-se adiante reproduzido na íntegra, para melhor compreensão.
Segue a decisão:
“RECURSO EXTRAORDINÁRIO COM AGRAVO 738.150 (772) ORIGEM :AC – 994050371393 – TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO PROCED. :SÃO PAULO RELATOR :MIN. TEORI ZAVASCKI RECTE.(S)
1. Trata-se de agravo contra decisão que inadmitiu recurso extraordinário interposto com base no art. 102, III, da Constituição Federal, em que a parte recorrente sustenta a existência de repercussão geral da matéria e aponta ofensa, pelo juízo recorrido, a dispositivos constitucionais. Em contrarrazões, o recorrido postula, preliminarmente, o não conhecimento do recurso, em virtude da (a) ausência de ofensa à Carta Magna; e (b) necessidade de reexame de fatos, o que faz incidir a Súmula 279 do STF. No mérito, pede o desprovimento do recurso. O Procurador-Geral da República opinou pelo conhecimento parcial do agravo e provimento do extraordinário. (vol. 9)
2. Não procedem as alegações do recorrido relativamente às preliminares de não conhecimento do recurso extraordinário, o qual preenche os requisitos constitucionais e legais exigidos para a sua admissão. Sobre os óbices suscitados, cumpre asseverar que (a) a matéria debatida no apelo extremo é exclusivamente constitucional; e (b) a controvérsia trata de questão de direito.
3. O recurso extraordinário merece prosperar.
O Supremo Tribunal Federal entende que a cobertura vegetal e a área de preservação permanente devem ser indenizadas na desapropriação. Confira-se: EMENTA Agravo regimental no recurso extraordinário. Administrativo. Desapropriação. Área de preservação permanente. Cobertura vegetal. Plena indenizabilidade das matas e revestimentos florestais que recobrem áreas dominiais privadas, objeto de apossamento estatal ou sujeitas às restrições administrativas ao direito de propriedade. Mantida a decisão com que se reconheceu que o acórdão atacado pelo recurso extraordinário violou precedentes da Corte. Precedentes. Agravo regimental não provido. (RE nº 290.950/SP, Primeira Turma, Rel.: Min. DIAS TOFFOLI , DJ de 2/2/2015) Ação de desapropriação indireta. Reserva Florestal Serra do Mar. Assente a jurisprudência do Supremo Tribunal de que é devida indenização pela desapropriação de área pertencente à reserva florestal Serra do Mar, independentemente das limitações administrativas impostas para proteção ambiental dessa propriedade. Precedentes (AI nº 529.698/SP-AgR, Primeira Turma, Rel. Min. SEPÚLVEDA PERTENCE, DJ de 12/5/2006). RECURSO EXTRAORDINÁRIO – ESTAÇÃO ECOLÓGICA – RESERVA FLORESTAL NA SERRA DO MAR – PATRIMÔNIO NACIONAL (CF, ART. 225, PAR.4.) – LIMITAÇÃO ADMINISTRATIVA QUE AFETA O CONTEÚDO ECONÔMICO DO DIREITO DE PROPRIEDADE – DIREITO DO PROPRIETÁRIO À INDENIZAÇÃO – DEVER ESTATAL DE RESSARCIR OS PREJUÍZOS DE ORDEM PATRIMONIAL SOFRIDOS PELO PARTICULAR – RE NÃO CONHECIDO. – Incumbe ao Poder Público o dever constitucional de proteger a flora e de adotar as necessárias medidas que visem a coibir práticas lesivas ao equilíbrio ambiental. Esse encargo, contudo, não exonera o Estado da obrigação de indenizar os proprietários cujos imóveis venham a ser afetados, em sua potencialidade econômica, pelas limitações impostas pela Administração Pública. – A proteção jurídica dispensada as coberturas vegetais que revestem as propriedades imobiliárias não impede que o dominus venha a promover, dentro dos limites autorizados pelo Código Florestal, o adequado e racional aproveitamento econômico das árvores nelas existentes. A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal e dos Tribunais em geral, tendo presente a garantia constitucional que protege o direito de propriedade, firmou-se no sentido de proclamar a plena indenizabilidade das matas e revestimentos florestais que recobrem áreas dominiais privadas objeto de apossamento estatal ou sujeitas a restrições administrativas impostas pelo Poder Público. Precedentes. – A circunstância de o Estado dispor de competência para criar reservas florestais não lhe confere, só por si – considerando-se os princípios que tutelam, em nosso sistema normativo, o direito de propriedade -, a prerrogativa de subtrair-se ao pagamento de indenização compensatória ao particular, quando a atividade pública, decorrente do exercício de atribuições em tema de direito florestal, impedir ou afetar a válida exploração econômica do imóvel por seu proprietário. – A norma inscrita no ART.225, PAR.4., da Constituição deve ser interpretada de modo harmonioso com o sistema jurídico consagrado pelo ordenamento fundamental, notadamente com a cláusula que, proclamada pelo art. 5., XXII, da Carta Politica, garante e assegura o direito de propriedade em todas as suas projeções, inclusive aquela concernente a compensação financeira devida pelo Poder Público ao proprietário atingido por atos imputáveis a atividade estatal. O preceito consubstanciado no ART.225, PAR. 4., da Carta da Republica, além de não haver convertido em bens públicos os imóveis particulares abrangidos pelas florestas e pelas matas nele referidas (Mata Atlântica, Serra do Mar, Floresta Amazônica brasileira), também não impede a utilização, pelos próprios particulares, dos recursos naturais existentes naquelas áreas que estejam sujeitas ao domínio privado, desde que observadas as prescrições legais e respeitadas as condições necessárias a preservação ambiental. – A ordem constitucional dispensa tutela efetiva ao direito de propriedade (CF/88, art. 5., XXII). Essa proteção outorgada pela Lei Fundamental da República estende-se, na abrangência normativa de sua incidência tutelar, ao reconhecimento, em favor do dominus, da garantia de compensação financeira, sempre que o Estado, mediante atividade que lhe seja juridicamente imputável, atingir o direito de propriedade em seu conteúdo econômico, ainda que o imóvel particular afetado pela ação do Poder Público esteja localizado em qualquer das áreas referidas no art. 225, PAR. 4., da Constituição. – Direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado: a consagração constitucional de um típico direito de terceira geração (CF, art. 225, caput) (RE nº 134.297/SP, Primeira Turma, Rel.: Min. CELSO DE MELLO, DJ de 22/9/95). Por estar em dissonância com esse entendimento, merece reforma o acórdão recorrido. 4. Registre-se que o requisito da repercussão geral está atendido em face do que prescreve o art. 543-A, § 3º, do CPC/1973: Haverá repercussão geral sempre que o recurso impugnar decisão contrária a súmula ou jurisprudência dominante do Tribunal. 5. Diante do exposto, com base no art. 544, § 4º, II, c, do CPC/1973, conheço do agravo para dar provimento ao recurso extraordinário, determinando o retorno dos autos ao Tribunal de origem para que fixe a indenização pela desapropriação do imóvel da parte recorrente levando em conta a área de preservação permanente nele localizada. Ficam mantidos os ônus da sucumbência na forma fixada pela instância de origem.
Publique-se. Intime-se. Brasília, 31 de março de 2016. Ministro TEORI ZAVASCKI Relator.”
A advogada da recorrente – autora do recurso extraordinário, Luciane Helena Vieira Pinheiro Pedro, sócia do escritório Pinheiro Pedro Advogados, em entrevista ao Portal Ambiente Legal, classificou a decisão como um marco, principalmente por “restaurar a harmonia constitucional na tutela dos direitos fundamentais, como o equilíbrio ambiental, a propriedade privada e a valoração da função social da propriedade”.
“Sem dúvida, após um longo período de subjetivismos, principiologismos e ecologismos sem causa, o judiciário começa a promover o restauro das garantias constitucionais no direito ambiental”, informou a jornalista e advogada Karina Fiorini, para a mesma mídia.
Foi, portanto, mais uma batalha vencida pelo direito sobre o biocentrismo oficialista.
Pouco a pouco, o que se espera é que o o Direito Ambiental Brasileiro, como um todo, finalmente se liberte da prisão biocentrista em que hoje parcialmente se encontra.
Que esse resgate se faça com o respaldo do Supremo Tribunal Federal.
Referência:
https://www.ambientelegal.com.br/desapropriacao-area-preservada-deve-ser-economicamente-valorizada/#sthash.7YbFjXAu.dpuf
Antonio Fernando Pinheiro Pedro é advogado (USP), jornalista e consultor ambiental. Sócio diretor do escritório Pinheiro Pedro Advogados. Integrante do Green Economy Task Force da Câmara de Comércio Internacional, membro do Instituto dos Advogados Brasileiros – IAB e da Comissão Nacional de Direito Ambiental do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil – OAB. É Editor-Chefe do Portal Ambiente Legal e responsável pelo blog The Eagle View.
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