Hora usar a experiência do passado para analisar o caso presente
Por Antonio Fernando Pinheiro Pedro*
O desastre de Brumadinho deve ser dissecado, á medida em que os desdobramentos ocorrem.
Falar em “punição exemplar”, é tecer loas ao óbvio e estimular o ceticismo face ao ocorrido no passado.
Vamos, portanto, por alguns pingos nos is, usando a experiência do passado no caso presente:
Atuei como advogado no grande desastre ocorrido em 2003, com o rompimento da barragem do reservatório de lixiviados da antiga indústria de Papel e Celulose, em Cataguases, cujo impacto varreu o Rio Pomba e formou uma mancha anaeróbica, escura, que contaminou o Rio Paraíba e desembocou no Oceano Atlântico, em Campos dos Goytacazes. Era o maior desastre em uma bacia hidrográfica no Brasil, até ser superado pelo rompimento da barragem da Samarco, em Mariana, mais de uma década depois.
Quando assumi o conflito, com outros valorosos colegas, a empresa estava com as atividades paralisadas, um diretor preso e os governos de Minas e Rio de Janeiro trocando farpas políticas na mídia. Para piorar, havia uma “disputa de protagonismo” entre promotores, procuradores e judiciário, IBAMA e FEAM.
Foi um grande aprendizado, para todos os envolvidos. Na ocasião, em acordo obtido com o ministério público, reduzimos os danos dividindo a interação interinstitucional em dois momentos:
a- ações conjuntas de atendimento às emergências;
b- feitura de um TAC emergencial com estado e união – que permitiu à própria empresa assumir as ações de reparação da barragem e tratamento dos resíduos remanescentes;
c- apoio às propriedades atingidas pela enxurrada, na Bacia do Rio Pombo e envio de caminhões-pipa às cidades atingidas pela interrupção do abastecimento, ao longo do Rio Paraíba do Sul;
Não houve vítimas fatais. As ações civis, porém, arrastam-se até hoje, embora, pela natureza do material vazado – 500 milhões de litros de lixiviado orgânico, a regeneração natural foi favorecida.
Em 2015 ocorre gigantesco desastre em Mariana-MG, com o rompimento da barragem da Mineradora Samarco, pertencente à Vale e à BHP Bilinton. Porém, a lição aprendida em Cataguases parece ter sido esquecida por todos os envolvidos nessa tragédia que comprometeu a bacia do Rio Doce, a mais importante bacia hidrográfica da Região Sudeste do Brasil.
A guerra de protagonismos entre os Ministérios Públicos se acentuou. A Companhia Samarco, ao contrário da Indústria Cataguazes, em 2003, optou pela atuação “reativa”, sua comunicação tornou-se proselitista e pouco transparente, resultando na protelação de ações, momentos de pura insensibilidade para com a tragédia humana e sucessão de fatos midiáticos e inócuos. O poderio econômico se fez presente – lideranças políticas simplesmente desapareceram, a grande mídia evitou investigar ações e razões da empresa poluidora e autoridades. Comunidades foram reduzidas ao silêncio. Enquanto isso, os danos se alastraram. O mar de lama seguiu rio abaixo, por dezoito dias, até o oceano atlântico, destruindo quase toda a bacia, sem que uma obra de contenção ou derivação emergencial fosse efetuada, visando retardar o avanço da pluma poluente ou reduzir sua letalidade para o rio, a fauna e a flora. Um desastre de governança;
Da confusão, resultou a constituição de uma fundação capitalizada por fundos oriundos das empresas imputadas, cujas ações de reparação e mitigação, infelizmente, até hoje soam cosméticas.
O quadro geral, é fato, frustra qualquer implementador da lei ambiental, pois inocorreu qualquer sanção efetiva, civil, administrativa e criminal. Um monumento à impunidade dos grandes poluidores.
Mas o destino parece ter sido irônico. O preço da arrogância, da insensibilidade, agora, foi pago com a vida de inúmeros seres humanos, cuja contagem promete ser macabra.
A tragédia ainda se desenrola. A solidariedade é o foco principal de todos os esforços. Mas a ocorrência do rompimento da barragem de Brumadinho, na Cia. Vale, já permite entrever aspectos importantes.
Desmoralizados, os ministérios públicos ainda não surgiram no cenário midiático. A discrição diretamente proporcional á eficácia das ações, desta vez, seria mais que recomendável.
O governo federal, contrariamente às vezes anteriores, agiu prontamente no cenário do desastre, oferecendo meios e recursos humanos para atendimento às emergências. O presidente da república foi até o local, com sua equipe, bem como o governador do Estado. Atos louváveis.
A Vale, desta vez, parece ter adotado a estratégia saudável da TRANSPARÊNCIA, apresentando um pronunciamento de primeira hora do presidente da Companhia e prometendo divulgar as informações on time. mesmo porque foi atingida na própria carne.
Mas a sombra da impunidade decorrente de Mariana, ainda desmoraliza qualquer boa intenção da empresa. E o resultado das ações corporativas na presente tragédia deverá ser marcadamente proativo, o que é ainda algo a ser conferido.
Por sua vez, desmoralizadas pela omissão protagonizada no episódio de Mariana, as ditas entidades ambientalistas, sem espaço no atual governo, limitam-se agora a vociferar contra “a flexibilização do licenciamento ambiental”, atacar a “falta de fiscalização” ou bradar contra os governos Zema-Bolsonaro… cuja gestão soma apenas vinte dias. A ONGs, fazem, enfim, uma triste figura perante uma mídia perdida entre transmitir os fatos e divulgar palpites de “especialistas”…
O fato é que a ocorrência de agora precisa ser analisada a fundo.
Ainda é ignorada a razão do rompimento da barragem. E os esforços de investigação deverão se concentrar nesse ponto, essencial para o deslinde dos fatos.
Há, no entanto, uma nota de arrogância que se refletiu na própria disposição das edificações da empresa, no leito potencialmente impactável por um eventual acidente – que veio enfim ocorrer.
O lema da gestão atual da companhia, “Mariana Nunca Mais”, externa a soberba que imperou e impera na governança, marcou e marcará os gestores envolvidos nos dois desastres.
Com efeito, é preciso dar um basta nessas vitrines de ostentação corporativa e maquiagem verde que, pelo visto, se tornaram as “gestões ambientais” corporativas e públicas, todos esses anos.
De todo modo, não há outra saída. A engenharia, agora, deve estar empenhada em derivar e obstruir o fluxo da lama de Brumadinho, evitando que atinja reservatórios de água potável à jusante.
As buscas pelos corpos deverá se intensificar. Deveriam ter o apoio de drones, com equipamentos de detecção de anormalidades que indiquem presença de vítimas sob os escombros – tarefa dificílima, face à natureza da lama de rejeitos que tomou conta de toda a área.
A perícia médica deverá identificar corpos e a polícia civil apurar os desaparecidos.
Assistência social e postos de atendimento médico necessitarão se multiplicar. A demanda será grande, principalmente aos familiares dos desaparecidos.
Uma equipe de elite, incluso polícia técnica, já deveria estar em campo, vistoriando cuidadosamente o local do rompimento da barragem, à procura de todos os indícios que revelem causas da ruptura.
Tudo isso com toda transparência, exceção feita à perícia estrutural, que deverá seguir com toda a discrição, visto às características intrigantes do acidente.
O resto… fica para depois.
LEIA TAMBÉM:
PEDRO, Antonio Fernando Pinheiro, “TRAGÉDIA EM BRUMADINHO – O QUE FAZER
Hora de vencer a sensação de impotência e arregaçar as mangas!”, in https://www.theeagleview.com.br/2019/01/tragedia-em-brumadinho-o-que-fazer.html
“TV CULTURA DEBATE DESASTRE AMBIENTAL DE MARIANA – O Impacto Ambiental do rompimento da barragem da mineradora Samarco em Mariana – MG, debatido em todos os seus aspectos”, in https://www.theeagleview.com.br/2015/12/tv-cultura-debate-desastre-ambiental-de.html
PEDRO, Antonio Fernando Pinheiro, “CRIME AMBIENTAL – RESPONSABILIDADE PENAL DA PESSOA JURÍDICA – Natureza econômica do delito e sua investigação”, in https://www.theeagleview.com.br/2013/06/crimes-ambientais-afericao-da.html
*Antonio Fernando Pinheiro Pedro é advogado (USP), jornalista e consultor ambiental. Sócio diretor do escritório Pinheiro Pedro Advogados. Integrante do Green Economy Task Force da Câmara de Comércio Internacional, membro do Instituto dos Advogados Brasileiros – IAB. É Editor- Chefe do Portal Ambiente Legal e responsável pelo blog The Eagle View.
Fonte: The Eagle Views