Existência de vida em lagos subglaciais da Antártida é confirmada
Por Antonio Fernando Pinheiro Pedro
Escreveu certa vez o escritor carioca Antonio Carlos Gaio, sobre o que se descobria pela tecnologia no fundo dos oceanos:
“Fontes hidrotermais, de origem vulcânica e que liberam água fervente, num ambiente na mais profunda escuridão, onde uma fauna desconhecida de numerosas espécies de moluscos e crustáceos, vermes coloridos de 3 metros de comprimento e bactérias fluorescentes coabitam. Onde o céu do fundo do mar não se diferencia do céu do espaço sideral. Onde Deus, em corpo vigoroso, retorcido e retesado no ato da criação do Universo, estende a Adão o toque vivificador de Sua mão, tocando os dedos ainda inertes do primeiro homem na face da Terra – assim concebido e pintado por Michelangelo na cúpula da Capela Sistina do Vaticano.”
Pois a tecnologia, que descobriu vida nas condições extremas da pressão, escuridão e calor, agora permite ao homem descobrir a vida em condições igualmente extremas, porém geladas, e com a descoberta revelar parte de uma geografia que já foi um exuberante cenário e, hoje, se encontra recoberta por centenas e milhares de metros de gelo compacto.
Uma descoberta que nos remete a eras geológicas passadas, e que nos permite imaginar a vida em condições similares em outros corpos do sistema solar.
Encontradas primeiras evidências de vida em lago isolado há 20 milhões de anos
De acordo com estudo da Universidade Estadual de Montana (EUA), vida microbiana crescendo em placas de Petri é a confirmação de uma comunidade bacteriana que vive no lago Whillans, enterrado sob o gelo da Antártida.
O lago subglacial permanece por milhões de anos reduzido a um pequeno corpo de água líquida, escondido cerca de 800 metros abaixo da geleira Ross, selado do mundo exterior e dos cientistas que queriam explorar suas profundezas.
Agora, a exemplo do que já ocorreu no lago Vostok (cujas descobertas se encontram em análise e parecem surpreendentes), a equipe de pesquisadores liderada pelo glaciologista John Priscu perfura a superfície e extraí amostras do lago Whillans, tornando-se a primeira na história a descobrir organismos vivos nesses lagos profundos do mundo.
A experiência com o Lago Vostok
Antes de perfurar até o Lago Whillans, Priscu e sua equipe já haviam recolhido, com cientistas russos, nos anos 90, amostras congeladas de vida no lago Vostok. Porém, ainda não conseguiram reanimar os espécimes microscópicos ali encontrados.
O Lago Vostok, é um grande volume de água doce descoberto em 1995, mil quilômetros a oeste do Pólo Sul, sob 3.720 metros de gelo.
Foi o físico inglês Jeff Riddley, da Universidade College, de Londres, que detectou o lago, analisando imagens de radar fotografadas do espaço pelo satélite inglês ERS-1. Depois de sua descoberta, cientistas do mundo inteiro voltaram a atenção para o Vostok.
Experiência climática esbarra com a pesquisa biológica
As bactérias foram achadas no fundo de um poço que, desde os anos 80, cientistas russos abriam para estudar registros climáticos do passado – bem em cima do lago, mas sem saber de sua existência.
Vostok é o lugar com mais baixas temperaturas do hemisfério sul e de toda a terra, superado apenas uma vez, em agosto de 2010, pelo Fuji Dome – base japonesa Valkyre, na Antártica, com a temperatura de -92°C.
A Sua média anual é de -50°C (-58°F), tendo máximas de -30°C (-22°F) no verão e mínimas de -70°C (-94°F) no inverno. A mais alta temperatura registada foi de -22°C (-8°F) em janeiro e a mais baixa de -89°C (-117°F) nos meses de agosto. Ocorrem ventos fortíssimos constantemente e a precipitação é praticamente nula (quando ocorre, cai sempre sob a forma de neve). Pouquíssimos cientistas visitam Vostok no inverno, porque qualquer tipo de equipamento tem grandes chances de congelar devido ao frio extremo.
Os trabalhos realizados pelos Russos e americanos em Vostok, visam o estudo de hidrocarbonetos, recursos minerais e reservas de água potável, além de observações geofísicas e glaciológicas, bem como o estudo sobre as alterações climáticas, o buraco na camada de ozônio, a elevação do nível de água nos oceanos. Ali se fez a mais importante descoberta quanto aos ciclos cimáticos na terra, em episódios de centenas de milhões e centenas de milhares de anos.
Faltavam apenas 120 metros para que as perfurações sobre o clima atingissem a superfície líquida do lago, quando o satélite do programa Bedmap (iniciativa da NASA e Grã Bretanha) o descobriu. Imediatamente, a perfuração foi interrompida para não contaminar o ecossistema virgem, que se supõe isolado do resto do mundo há 30 milhões de anos.
E foi a 3,6 quilômetros de profundidade, no gelo pouco acima da superfície líquida, que as bactérias de Vostok foram coletadas. Estavam endurecidas e sem atividade vital – o que não quer dizer que estivessem mortas.
Segundo Priscu, há esperança de que elas possam voltar a se agitar a qualquer momento.
“Até agora, as tentativas de reanimá-las fracassaram porque não sabemos como crescem e proliferam”, diz o cientista. Será preciso aprender mais sobre elas.
Por enquanto, as formas de vida encontradas em Vostok são um enigma. Verificou-se apenas que possuem alguns genes similares aos de dois grupos de micróbios, as proteobactérias, que existem no solo, e os actinomicetes, que moram comumente na água. Só que o parentesco deve ser bem distante.
Houve mesmo especulações quanto à origem extraterrestre dos micróbios, pois que na Antártica já foram descobertas formas similares a fósseis de micróbios, em fragmentos de meteoritos.
Os cuidados adotados em Vostok, foram no entanto redobrados no Lago Whillans. Porém, a diferença é que Priscu obteve autorização para atingir e mergulhar a sonda no líquido do lago, em 2013.
De acordo com Priscu, a água recuperada a partir do lago Whillans contém cerca de 1.000 bactérias por mililitro (cerca de um quinto de uma colher de chá). Nas Placas de Petri com amostras da água já estão crescendo colônias de micróbios em um bom ritmo.
Análise e confirmação
Depois de perfurar o gelo do lago, em 28 de janeiro de 2016, os pesquisadores retornaram aos Estados Unidos com 30 litros de água e oito blocos de sedimentos de 60 centímetros do fundo do Whillans.
As amostras foram testadas positivamente para sinais de vida microbiana e podem lançar luz sobre os tipos de vida extrema capazes de crescer e florescer em ambientes extremos, supostamente havidos como inadequados.
A descoberta reacende teorias quanto à possibilidade de vida em condições extremas em outros corpos do sistema solar. O lago Whillans, como centenas de lagos subglaciais e hidrovias sepultados debaixo do gelo na Antártica, abriga condições aparentemente semelhantes às da lua de Júpiter, Europa, e de Saturno, Encélado.
Entre centenas e milhares de metros abaixo da superfície do continente austral da Terra, as pressões sobem a níveis esmagadores, a disponibilidade de nutrientes é mínima e a luz solar é inexistente.
Ocorre que a Antártica, como têm indicado estudos científicos profundos, já foi um continente ensolarado há centenas de milhões de anos atrás, com florestas, vida abundante, rios e lagos. Hoje, esse sistema encontra-se coberto por uma camada de gelo cuja espessura média é de 2.000 metros, chegando em alguns pontos a superar 3.000 metros.
Os satélites Bedmap e Bedmap 2, ativados para acompanhar os efeitos da mudança climática na calota polar, escanearam a Antartica com precisão, e revelaram um continente com relevo acidentado, escondido pelo gelo.
Os repositórios de água líquida da Antártida, portanto, ficaram isolados do resto do mundo, por muito tempo e sob condições extremas. O que ali existia somente agora começa a ser descoberto, graças à tecnologia que permite ao homem proceder a perfurações em condições impensáveis até pouco mais de dez anos.
A evidência de vida, agora confirmada, nessas condições, indica termos boas chances de descobrir vida não apenas em outros mundos, como também em lugares antes impensáveis na própria terra.
“O lago Whillans definitivamente abriga vida”, disse Priscu. “Parece que lá reside um grande ecossistema úmido sob a folha de gelo da Antártica, com uma microbiologia ativa”.
Tanto a água quanto os sedimentos retirados do lago contêm uma variedade de micróbios que não precisa de luz solar para sobreviver. A quantidade, porém, é reduzida, cerca de um décimo a abundância de micróbios nos oceanos.
A hipótese atual dos cientistas é de que esses organismos são extremófilos, até então não descritos, exclusivamente adaptados ao seu ambiente local. Se a teoria for confirmada, pode abrir linhas muito intrigantes de investigação genética.
Pode revelar linhas de evolução microbiológica que influenciarão os estudos dos ecossistemas e o impacto do clima na transformação da vida na terra.
A notícia parece boa, porém, Priscu e sua equipe ainda terão que confiar em sequenciamento de DNA e outros exames preliminares que demorarão meses para serem concluídos.
Além disso, estudos de acompanhamento para confirmação dos achados certamente se estenderão pelos próximos anos.
De toda forma, o ser humano, hoje, se depara com uma nova fronteira do conhecimento, em seu próprio planeta. Talvez a mensagem divina transmitida por meio da ciência seja exatamente essa. O grande mistério a ser revelado, pode estar exatamente aqui…
Fontes:
hypescience.com
super.abril.com.br
wired.com
OBS: Para conhecer o incrível relevo do continente antártico e sua calota de gelo, vale a pena visitar o site do projeto Bedmap, da NASA, neste link : http://www.nasa.gov/topics/earth/features/antarctic-map.html
Antonio Fernando Pinheiro Pedro é advogado (USP), jornalista e consultor ambiental. Sócio diretor do escritório Pinheiro Pedro Advogados, integra o Green Economy Task Force da Câmara de Comércio Internacional. Membro do Instituto dos Advogados Brasileiros – IAB, membro da Comissão de Infraestrutura e Sustentabilidade e da Comissão de Política Criminal e Penitenciária da Ordem dos Advogados do Brasil – Secção São Paulo (OAB/SP). Editor-Chefe do Portal Ambiente Legal. Responde pelo blog The Eagle View.
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