Por Marcia Hirota e Mario Mantovani*
Foram destruídos 29.075 hectares – 291 Km2 – de florestas de Mata Atlântica entre 2015 e 2016, um crescimento de 57,7% em relação ao período anterior. Há 10 anos o Atlas da Mata Atlântica, estudo da SOS Mata Atlântica e Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE), não registrava desmatamentos nessas proporções. O total da área devastada equivale quase ao território de Belo Horizonte.
Municípios históricos do Sul da Bahia, conhecidos como ponto de chegada dos portugueses e início da colonização do Brasil, concentram cerca de 30% do total desmatado. É a história se repetindo ou seriamos nós que estamos voltando ao passado?
Em Santa Cruz de Cabrália, munícipio onde foi realizada a primeira missa no país, o levantamento identificou o desmatamento de 3.058 hectares de florestas, ou seja, mais de 10% do total do que foi desmatado no bioma entre 2015 e 2016. Se somados aos 68 hectares da vegetação de mangue que também foram destruídos no período, a área sobe para 3.126 hectares.
Para investigar os motivos que levaram a essa situação, foi feito um trabalho de campo por terra e sobrevoo na região. O que vimos foi desolador. Florestas queimadas, destruídas, sem vida, em processo de retirada de madeira e limpeza de áreas onde o entorno apresenta forte atividade de silvicultura e pecuária. O mesmo padrão, no município vizinho, Belmonte, que perdeu 2.122 hectares de floresta no periodo.
A Bahia foi o estado que liderou o ranking do desmatamento no bioma, com decréscimo de 12.288 hectares – alta de 207% em relação ao ano anterior. A vice-liderança ficou com Minas Gerais (7.410 hectares desmatados), seguido por Paraná (3.453 hectares) e Piauí (3.125 hectares).
Em Minas Gerais, os principais pontos de desmatamento ocorreram no norte do estado, reconhecido pelos processos de destruição da Mata Atlântica para produção de carvão e substituição por eucalipto. No Paraná, a maior concentração de desmatamento ocorreu na região das araucárias, espécie ameaçada de extinção com apenas 3% de florestas remanescentes.
No Piauí, os maiores desmatamentos foram em Manoel Emídio (1.281 ha), Canto do Buriti (641 ha) e Alvorada do Gurguéia (625 ha), municípios limítrofes entre si, localizados numa importante região de fronteira agrícola, que concentra a produção de grãos e é também uma área de transição entre a Mata Atlântica, o Cerrado e a Caatinga.
A situação é gravíssima e indica uma reversão na tendência de queda do desmatamento registrada nos últimos anos. E não é por acaso que os quatro estados campeões de desmatamento são conhecidos por sua produção agropecuária.
O fato é que o setor produtivo voltou a avançar sobre nossas florestas nativas, não só na Mata Atlântica, mas em todos os biomas, após as alterações realizadas no Código Florestal e o subsequente desmonte da legislação ambiental brasileira.
E a ofensiva continua com a tentativa de flexibilização do licenciamento ambiental e diversos ataques aos Sistema Nacional de Unidades de Conservação.
Na semana anterior, a bancada ruralista no Congresso Nacional aprovou duas MPs (756 e 758) que colocam em risco mais de um 1,1 milhão de hectares de florestas ao fragilizar o regime de proteção de várias Unidades de Conservação do oeste do Pará. Incluiram ainda, de maneira descabida, uma Emenda Parlamentar na MP 756 para reduzir cerca de 20% da área do Parque Nacional de São Joaquim (PNSJ), em Santa Catarina, excluindo 10 mil hectares do seu território. Agora, avançam sobre o licenciamento ambiental, na tentativa de aprovar uma lei que fragiliza esse instrumento e libera vários empreendimentos e atividades de sua obrigatoriedade.
No momento em que o caos está instalado em Brasília, numa crise política que tem no seu centro a maior empresa de carnes do mundo, a bancada do agronegócio e o núcleo central do governo federal avançam, de forma orquestrada e em tempo recorde, sobre o nosso sistema de proteção ambiental. Entretanto, a sociedade não pode ficar alheia às decisões tomadas por nossos governantes e legisladores.
A retomada do desmatamento coloca em risco todo o esforço da sociedade por um modelo de desenvolvimento sustentável e afasta o país do cumprimento de compromissos assumidos em convenções e acordos internacionais.
Nossas florestas naturais são fundamentais para a produção e abastecimento de água, a proteção do solo e a oferta de polinizadores, sem os quais o crescimento do próprio agronegócio fica comprometido. Além disso, contribuem para a proteção de encostas e para a regulação climática, o que confere a qualidade de vida e segurança, mesmo para quem vive nas cidades.
Precisamos nos mobilizar para frear o desmonte e proteger a nossa legislação ambiental, que já foi uma das mais avançadas do mundo. Devemos aprender com os erros da história – e não repeti-los.
Artigo originalmente publicado no Blog do Planeta.
*Marcia Hirota e Mario Mantovani são, respectivamente, diretora-executiva e diretor de Políticas Públicas da Fundação SOS Mata Atlântica, ONG brasileira que atua há 30 anos na defesa da floresta mais ameaçada do Brasil. Saiba como apoiar as ações da Fundação em www.sosma.org.br/apoie.
Fonte: SOSMA