Por Antonio Fernando Pinheiro Pedro
Há um mito em torno do licenciamento ambiental. Acusam-no de ser um entrave ao desenvolvimento do país, espada da fúria ambientalista contra o capitalismo brasileiro e motivo das dores de cabeça do governo com o setor de infraestrutura nacional. Porém, o entrave não se encontra no instituto mas, sim, na forma torta como ele é compreendido e operado no Brasil. O licenciamento ambiental é, na verdade, procedimento dinâmico e extremamente importante.
A ideia deste artigo é mostrar, de forma objetiva, o que é, como se compõe e como se processa o licenciamento ambiental.
O que significa o Licenciamento?
O licenciamento ambiental é expressão do controle territorial do Estado e forma de autorização do uso social da propriedade. Visa conferir segurança jurídica e sustentabilidade às atividades econômicas socialmente autorizadas.
Como ferramenta essencial à economia moderna, o licenciamento ambiental orienta os investimentos nas atividades estruturantes e empreendimentos potencialmente poluidores. Como atividade de planejamento e gestão territorial, o licenciamento ambiental permite a correta distribuição geográfica das atividades econômicas e das estruturas de suporte estratégico. Como instituto jurídico e ferramenta gerencial, o licenciamento ambiental é forma de controle da poluição e manutenção da qualidade ambiental, prevendo e previnindo impactos ambientais, mitigando, compensando e conformando danos.
O licenciamento ambiental oxigena o direito público e administrativo ao ancorar sua efetividade no binômio “preveja e previna”, de forma integrada e interdisciplinar, reduzindo sensivelmente o uso do modelo “reaja e corrija”, milenarmente adotado no direito administrativo.
O licenciamento ambiental renova-se constantemente e constitui vértice da pirâmide principiológica que dá forma ao direito ambiental – um tetraedro formado pelos princípios gerais da prevenção, da participação e do poluidor-pagador, tendo por base o princípio do Desenvolvimento Sustentável.
Como expressão da soberania nacional e do controle territorial do Estado, o licenciamento ambiental pressupõe o exercício, pelo PODER PÚBLICO, de três importantes tarefas afirmativas, sucessivas e cronologicamente interdependentes:
2- O planejamento integrado do desenvolvimento econômico e social; e
3- O ordenamento territorial.
Sabemos para onde vamos?
Sabemos por onde vamos?.
Obter respostas efetivas a essas questões, pressupõe governança eficaz, dotada de espírito planejador e autoridade no controle dos recursos ambientais.
Não é por outro motivo que no Brasil, a quase totalidade dos conflitos sociais e judiciais observados no licenciamento de atividades de significativo impacto ambiental, ocorre por não cumprir o Poder Público com aquelas três tarefas de caráter indelegável.
Mesmo ciente da indelegabilidade das três tarefas, não é raro observarmos a autoridade ambiental brasileira procurar transferi-las ao incauto empreendedor submetido ao licenciamento. Isso ocorre numa relação inversamente proporcional, entre o tamanho do empreendimento proposto e as condições socioeconômicas da área impactada. Ocorre também, numa razão direta entre a complexidade da atividade pretendida e o despreparo estrutural, profissional ou ideológico do órgão licenciador.
Quando uma dessas “transferências” ocorre, o parâmetro técnico sucumbe e o licenciamento ambiental torna-se um fato político, intrinsecamente conflituoso e potencial objeto de contenda judicial.
O licenciamento ambiental, portanto, é vítima, não causa dos conflitos.
Como meio de controle, o instituto autoriza a disposição territorial das atividades humanas efetiva ou potencialmente poluidoras. É um “casamento” do Estado Regulador com a atividade licenciada.
A autoridade ambiental licenciadora negará ou autorizará a atividade, apondo, nesse caso, no anverso da licença expedida, o que foi licenciado, onde, como, e prazo de validade da autorização. No verso da mesma licença, constará o rol de condicionantes e exigências a serem assumidas pelo empreendedor.
O empreendedor diz “o que”, o Estado responde “onde”, “como” e “até quando”.
Esse casamento permite ao Estado, por outro lado, “transferir” ao empreendedor uma série de instrumentos de planejamento e gestão ambiental, no âmbito da atividade, desafogando atribuições e custos de monitoramento, para reforçar a atividade fiscalizatória e regulatória, imanente à atividade de um órgão de implementação de política ambiental.
O licenciamento ambiental, portanto, da mesma forma que outros mecanismos constitutivos de direitos ou autorizativos de atividades inseridos no âmbito da gestão de interesses difusos, expressa atividade típica de um ambiente de regulação. Como tal, atua de forma dinâmica, não raro modificando o próprio empreendimento a ele submetido, como alterando exigências e condicionantes a serem aplicadas à atividade – morfologia de difícil compreensão para burocratas pouco afetos á atividade de regulação da economia e completamente estranha a empreendedores pouco acostumados a submeter sua atividade e um mecanismo transparente e permeável ao controle social do uso da propriedade.
O procedimento da licença ambiental, no Brasil, ocorre de forma trifásica , resultando num sistema único no mundo, emissor de três licenças sucessivas: Licença Prévia, Licença de Instalação e Licença de Operação.
Essa forma trifásica foi fruto de uma adaptação equivocada do modelo sueco de licenciamento ambiental, quando da elaboração do processo de licença brasileiro. O modelo da Suécia é bifásico, compreendendo a emissão de uma licença de instalação (com declaração de impacto ambiental) e outra, para operação do empreendimento – renovável. No entanto, ao analisarem o fluxograma, os técnicos brasileiros entenderam que para cada bloco ali disposto, havia um processo de licenciamento correspondente. Daí o equívoco, que, no entanto, por aqui segue sendo “festejado” pelos seus entusiastas…
Com isso, o licenciamento se processa com a obtenção de uma declaração de impacto (ou viabilidade ambiental do projeto), travestida de licença; uma licença de instalação (de implantação ou construção do projeto) e uma autorização vinculada à satisfação das exigências, renovável, para operação do empreendimento construído ou implantado.
A fase mais conflituosa é a primeira, onde se descarta a proposta ou se emite uma declaração de viabilidade ambiental do empreendimento – a Licença Prévia. Momento de se analisar informações, fazer consultas aos interessados, definir mitigações, compensações ambientais e condicionantes.
Nessa fase, deverá o empreendedor avaliar o impacto ambiental do empreendimento proposto, para análise da autoridade.
Prevista na Lei de Política Nacional de Meio Ambiente (Lei Federal 6.938/81), a Avaliação de Impacto Ambiental – AIA, é gerida pelo ambiente de regulação existente no Sistema Nacional de Meio Ambiente. Segue critérios, termos e procedimentos, diretamente relacionados à complexidade da atividade proposta e à complexidade do ambiente atingido – mensurando a significância ou não dos impactos.
Audiências Públicas e reuniões técnicas conferem transparência à fase de avaliação e análise dos estudos. Têm por objetivo garantir o direito à participação e definir os conflitos a serem enfrentados pela autoridade que vai decidir a viabilidade ambiental, ou não, da atividade proposta. Quanto mais transparente o procedimento, maior a possibilidade de resolução dos conflitos decorrentes dos impactos identificados, do empreendimento proposto.
A engenharia informará o direito no curso do licenciamento ambiental.
Essa simbiose fornecerá os elementos a serem considerados na resolução dos conflitos e no estabelecimento dos parâmetros normativos e técnicos que conduzirão o processo .
Determinante, portanto, a capacidade técnica e profissional dos atores envolvidos em toda a primeira fase relacionada à Licença Prévia.
A segunda fase é de obtenção do direito de construir – a Licença de Instalação. Apresenta-se o Plano Básico Ambiental do empreendimento, medidas de controle e mitigação das atividades de implantação e atividades relacionadas, bem como cumprimento de condicionantes.
Nessa fase, a atenção para a resolução dos conflitos remanescentes, em especial compensações e indenizações, reassentamentos, regularização fundiária, etc,, deve ser redobrada.
Obtida a licença de instalação, fundamental a existência de um Sistema de Gestão Ambiental instalado, para monitorar a construção e seus efeitos na área diretamente afetada, na área de impacto direto e, também, na área de impacto indireto. Especialmente no controle de inconformidades que venham a ocorrer nas obras e na administração dos impactos vinculados á atividade construtiva.
Instalado o projeto, ocorrerá a fase de obtenção da licença de operação. Esta pode vir a ser obtida, não raro, automaticamente, consecutivamente, ou… caso haja uma ou outra pendência – após o cumprimento da exigência.
A operação da atividade licenciada, naturalmente se dará num ambiente em contínua transição.
É próprio da economia que ocorram evoluções na tecnologia disponível, mudanças no uso do solo e incremento nas restrições e padrões de qualidade ambiental.
Por isso, a licença deverá guardar relação temporal de validade, proporcional á magnitude do empreendimento e sua complexidade.
Posto isso, é de se concluir que não há mistério no licenciamento ambiental, embora exija forte conhecimento teórico e contínuo aprendizado prático para operá-lo.
Basta, portanto, que, de início, o Estado cumpra o seu papel.
Publicado originalmente no Portal Última Instância em 23/04/2012
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Excelente abordagem sobre o licenciamento ambiental.
Esse tema deve ser mais disseminado.
Anotado, Edgard!
Abraço.
Excelente!…Esclarecedora a abordagem sobre Licenciamento Ambiental.
Esse tema precisa ser motivo de maiores esclarecimentos.
Marlene Casagrande Ribeiro
Rio Casca,08/10/2014
Obrigada.
Boa tarde!
Existe um rol taxativo de exigências a serem cumpridas e documentos a serem apresentados?
Att.
Recomendável que a agência ambiental competente estabeleça um rol de documentos necessários para protocolar o pedido.
Texto bastante esclarecedor! Prezado Antonio por favor, poderia enviar o link para a fonte “J. Roberts – What is EIR? – 1991”? Foi nessa fonte que o Sr. achou a informação do modelo bifásico da Suécia? Caso não, poderia, por gentileza, enviar a(s) fonte(s) sobre o modelo sueco. Desde já, muito obrigado pela atenção!
Caro Mateus, infelizmente o livro não foi digitalizado. E a única referência ao fluxograma sueco que tive oportunidade de ver foi esse. Eu extraí o fluxograma fotografando a gravura do livro. Obrigado pelo interesse.