Buscando o desenvolvimento econômico-social e a proteção dos recursos naturais
Por Elias Kleberson*
I – INTRODUÇÃO
Como base inicial do Curso de Direito, tomamos conhecimento de que o Direito é uno, indivisível, ou seja, é um sistema estruturado de normas em que todas se harmonizam de forma simétrica com o objetivo de regular a existência em sociedade. Também aprendemos a dicotomia dos ramos do Direito em: direito público (um dos lados é legitimado pelo Estado com o seu poder de Império, por exemplo, Direito Penal, Direito Administrativo etc) e direito privado (é a relação advinda entre particulares, muito embora o Estado edite as normas, por exemplo, Código Civil e Direito Empresarial).
O Direito Ambiental e o Direito Agrário estão inseridos dentro do ramo do direito público, pois, referidas disciplinas são, não só definidas pelo Estado, como também, ele, por meio da sua Supremacia do Interesse Público sobre o Particular, atua para fazer valer sua “vontade” sobre o particular em detrimento da coletividade.
Trazemos a lição de Di Pietro (2018, p, 84) para embasar nossos argumentos em relação a tal conduta estatal:
O princípio da supremacia do interesse público está na base de praticamente todas as funções do Estado e de todos os ramos do direito público. Está presente nos quatro tipos de funções administrativas: serviço público, fomento, polícia administrativa e intervenção.
Nessa toada, convém destacar o conceito das disciplinas de Direito Ambiental e Direito Agrário. Pois bem, Direito Agrário, na lição de Fábio Maria De-Mattia, citando Fernando Pereira Sodero, é: “conjunto de princípios e de normas, de Direito Público e de Direito Privado, que visa a disciplinar as relações emergentes da atividade rural, com base na função social da propriedade da terra” (Direito Agrário e Reforma Agrária, São Paulo, Livraria Legislação Brasileira, 1968, p. 32).
Podemos notar que na lição de renomado autor, o Direito Agrário coexiste o viés público e privado na condução da referida seara.
Por sua vez, Direito Ambiental, na concepção de Frederico Amado (2017, p. 23), consiste no:
“…ramo do direito público composto por princípios e regras que regulam as condutas humana que afetem, potencialmente ou efetivamente, direita ou indiretamente, o meio ambiental em todas as suas modalidades.”
Como dito anteriormente, ambos os institutos, sem querer polemizar, possuem o caráter público em razão da grande importância que se tem para a sociedade.
II – O DIREITO AGRÁRIO – NO ESTATUTO DA TERRA, LEI 4.504/64, NA CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988, E NAS LEIS 8.629/93 (REFORMA AGRÁRIA) E 8.171/91 (POLÍTICA AGRÍCOLA)
Partindo do pressuposto de que o Direito Agrário trata da relação do homem com a terra (Antonino Moura Borges), no século passado, na década de 60, foi instituído o Estatuto da Terra, Lei 4.504/64 – ET, para disciplinar a forma como seria explorada a propriedade rural, com o objetivo de trazer o desenvolvimento econômico e nacional, reduzindo as desigualdades sociais e buscando fazer com que o homem do campo pudesse permanecer na terra produzindo a extraído a sua subsistência e de sua família.
Não foi por acaso, que no artigo 4º do referido diploma normativo, o legislador trouxe, nos incisos integrantes do artigo, a definição dos institutos aplicados até hoje no direito agrário, tais como: imóvel rural, propriedade familiar, módulo rural, latifúndio etc. Trouxe também, conceitos de política agrícola (§ 2º do Art. 1º – ET) e reforma agrária (§1º do art. 1º – ET), contratos agrários de parceria e arrendamento (do art. 92 ao 96 do ET).
Já na Constituição de 1988, Lei Maior de nosso País, no Capítulo III do Título VII, trouxe do art. 184 ao art. 191, disciplinamentos centrais sobre a política agrícola fundiária e da reforma agrária, como forma de mandamentos constitucionais, para que o Poder Público, desenvolva políticas públicas de Estado voltados para o desenvolvimento econômico e social do homem do campo.
Com o Constituinte de 1988, traçando institutos do direito agrário, em 1993, veio a Lei 8.629, disciplinando os meios de implementação da Reforma Agrária, associado a isso, dois anos antes, em 1991, veio a Lei 8.171, que trata da Política Agrícola, na qual dita quais são as ações de Estado que auxiliam o homem do campo a desenvolver sua atividade na propriedade rural.
Podemos notar que o Direito Agrário é o ramo do direito que, por meio de regras e princípios, disciplina e estimula a relação do homem com a propriedade privada rural, para que esta possa cumprir sua função social perante a sociedade, trazendo com isso, o crescimento e desenvolvimento da nação.
III – O DIREITO AMBIENTAL – NA LEI 6.938/81 – (POLÍTICA NACIONAL DO MEIO AMBIENTE), NA CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988, E NAS LEIS: 9.605/98 (CRIMES AMBIENTAIS) 9.985/00 (SISTEMA NACIONAL DE UNIDADES DE CONSERVAÇÃO DA NATUREZA – SNUC) 12.651/12 (CÓDIGO FLORESTAL)
Em relação ao Direito Ambiental, antes de definir tal ramo do direito, convém fazer a introdução principal do que é meio ambiente, o qual seja, “meio ambiente, o conjunto de condições, leis, influências e interações de ordem física, química e biológica, que permite, abriga e rege a vida em todas as suas formas;” (Inciso I, art. 3º Lei 6.938/81). A definição que podemos citar é a definição legal, isto é, aquela traçada pela referida legislação em comento, muito embora, a doutrina entenda que tal definição está aquém das necessidades e anseios da sociedade (Romeu Thomé, 2019, p, 197).
Ainda citando referido autor, podemos entender que o conceito de meio ambiente se espraia pelos aspectos sociais, culturais e econômico, além dos aspectos de ordem física, química e biológica, conjugando os aspectos bióticos e abióticos (Romeu Thomé, 2019, p, 197). Sendo reconhecido pelo Supremo Tribunal Federal (STF) como sendo direito fundamental de terceira geração (MS 22.164 e ADI 3540/DF).
Partindo-se desse pressuposto, podemos entender o direito ambiental como sendo o conjunto regras e princípios que regem a relação do homem com o meio ambiente, buscando a coexistência do desenvolvimento econômico e social com a preservação dos recursos naturais, também conhecido como o desenvolvimento sustentável.
Com a Constituição de 1988, em seu artigo 225, incisos e parágrafos, o constituinte originário, com base no tratado que o Brasil fora signatário na Conferência de Estocolmo em 1972, foi inserido na norma Constitucional disciplinamento da seara ambiental, não foi por acaso que alguns autores chamaram a Constituição de 88 como “verde”, tamanha a importância dada para tais dispositivos.
E muito embora a Lei 6.938 de 1981, tenha sido anterior ao Texto Constitucional, aquela norma, foi recepcionada pelo atual ordenamento jurídico como sendo norma de caráter geral de proteção ambiental (Romeu Thomé, 2019, p.193). Inclusive, instituindo o SISNAMA (Art. 6º, Lei 6.938/81). Pós a Constituição Verde, vieram outras legislações para fazer valer os mandamentos dispostos no Capítulo VI do Título VIII.
Podemos citar a Lei 9.605 de 1998, que trata da Responsabilização Ambiental (Cível, Administrativa e Ambiental), traçada no §3º do art. 225 da CF/88. No ano de 2000, foi sancionada a Lei 9.985 (Sistema Nacional de Unidades de Conservação – SNUC), como meio de disciplinar o inciso III, do §1º do art. 225 da CF/88, onde traçou os espaços territoriais especialmente protegidos, por meios das unidades de conservação (Art. 7, I e II e Arts. 8º e 14 – Snuc); bem como, em 2012, houve a edição do Novo Código Florestal, Lei 12.651, que também trouxe outros espaços territoriais especialmente protegidos, como as Áreas de Preservação Permanente (APP’s) e as Áreas de Reserva Legal (ARL).
Não esquecendo dos disciplinamentos em relação ao licenciamento ambiental (procedimento administrativo que visa licenciar atividades que de alguma forma causem ou possam causar significativo impacto no meio ambiente (Resolução 237/97 Conama e Lei Complementar 140/2011 – Lei que trata da Cooperação dos Entes da federação no que toca a proteção e preservação do Meio Ambiente).
IV – DA COEXISTÊNCIA/INTERDICIPLINARIDADE SIMULTÂNEA DOS INSTITUTOS DO DIREITO AGRÁRIO E DO DIREITO AMBIENTAL
Não precisa ser um especialista para ver que em ambas as disciplinas, o qual seja, a agrária e a ambiental, há, de maneira insofismável, a atuação do Poder Estatal, buscando impor o uso da propriedade privada ao interesse coletivo.
Há obrigações condicionando o uso da propriedade, bem como, estímulo à boa utilização, em especial, a propriedade rural, no que toca a sua utilização pelo particular, na forma do art. 184 da CF/88; arts. 12, 16, 47, Lei 4.504/64; arts. 2º, 9º Lei 8.629/93; e arts. 94, 99, 103 e 104, da Lei 8.171/91.
Se notarmos nos diplomas normativos citados, há a inter-relação do uso da propriedade com o viés produtivos com o uso racional e adequado dos recursos naturais, sob pena do poder público, atuar e responsabilizar o particular que descumprir as disposições normativas.
Antonino Moura Borges, em seu livro Curso Completo de Direito Agrário (2016, p.74), pontifica de maneira cirúrgica, a relação/inter-relação do Direito Agrário com o Direito Ambiental, na qual dita o seguinte:
O Direito Agrário relaciona-se com o Direito Ambiental, porque são irmão gêmeos. Neste caso podemos observar que a própria Constituição Federal assim o determinou quando estabeleceu em seu artigo 186, e seus incisos, que para a terra cumprir sua função deverá a propriedade imobiliária rural ser explorada de modo racional e adequado, inclusive, com a obrigação de utilização adequada dos recursos naturais disponíveis e preservação do meio ambiente ex vi da norma do art. 225, da CF/88.
O Direito Agrário e o Direito ambiental convergem para o mesmo fim, ou seja, preservação da vida com igual grandeza. Ambos visam o uso, gozo e conservação da terra como fonte de vida, bem como, a preservação de seus recursos naturais como parte do conjunto. O Direito Ambiental se entrelaça com o Direito Agrário, porque ambos tendem ao mesmo fim, comungar a exploração da terra sem degradação, sem degradação, ensinando a respeitar a obra da Criação. A ação humana na exploração da terra encontra limitas no Direito Agrário, como também no Direito ambos respeitas a natureza.
Sem sombra de dúvida, as palavras definidas por BORGES, são perfeitas, quando se conjugam com os seus argumentos, no que toca ao Direito Agrário e sua relação com o Direito Ambiental.
V – CONCLUSÃO
Pelo que fora trazido em nossas palavras no que toca ao importância da harmonização da disciplina do Direito Agrário com o Direito Ambiental, que apesar de serem disciplinas distintas do Direito, elas estão intimamente entrelaçadas pelas suas especificidades de implementação/realização, pois, para que uma possa ser aplicada, exige-se, invariavelmente a utilização da outra de maneira inseparável, demonstrando com isso, a indivisibilidade das referida matérias.
REFERÊNCIAS
AMADO, Frederico. Sinopses para concursos: Direito Ambiental – 5. ed. rev. ampl. e atual. -Salvador: JusPODIVM, 2017.
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BRASIL. Lei nº 4.504, de 30 de novembro de 1964. Dispõe sobre o Estatuto da Terra, e dá outras providências. Brasília, DF: Presidência da República, [2019]. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L4504compilada.htm.
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BRASIL. Lei nº 6.938, de 31 de agosto de 1981. Dispõe sobre a Política Nacional do Meio Ambiente, […]. Brasília, DF: Presidência da República, [2019]. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L6938.htm.
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SODERO, Fernando Pereira. Direito Agrário e Reforma Agrária, São Paulo, Livraria Legislação Brasileira, 1968, p. 32.
*Elias Kleberson – Advogado; Professor Universitário; Bacharel em Direito pela Unifor; Especialista em Direito Tributário pela Estácio/Cers; Pós-graduando em Direito Urbanístico e Ambiental pela PUC-MG.
Fonte: Direito Agrário
Publicação Ambiente Legal, 30/01/2020