“O homem não pode estar em paz consigo mesmo enquanto estiver em guerra com a natureza.” Édis Milaré.
Por Talden Farias e Terence Trennepohl*
Se é verdade que o Direito Ambiental, assim como qualquer ramo da Ciência Jurídica, é o resultado de uma construção coletiva, não se pode esquecer que alguns indivíduos desempenharam um papel de maior destaque nessa empreitada. É o caso do professor Édis Milaré que, além de ser um dos pioneiros, deu e continua dando uma importantíssima e diversificada contribuição para o desenvolvimento e a consolidação da área.
O seu currículo é bastante extenso e diversificado. É doutor em Direito pela PUC-SP, tendo defendido a tese “Reação jurídica à danosidade ambiental: contribuição para o delineamento de um microssistema de responsabilidade” sob a orientação da professora Consuelo Yatsuda Moromizato Yoshida e coorientação do professor Nelson Nery Jr. Fez mestrado na mesma instituição, defendendo a dissertação “Responsabilidade administrativa ambiental” sob a orientação do professor Nelson Nery Jr. Já a graduação em Ciências Jurídicas e Sociais foi pela Universidade Presbiteriana Mackenzie.
Seguiu carreira no Ministério Público do Estado de São Paulo, tendo sido promotor e procurador de Justiça, tendo se destacado pela sua atuação na área. Foi curador do Meio Ambiente e criador da Coordenadoria das Promotoria de Justiça do Meio Ambiente do Estado de São Paulo, sendo também o seu primeiro coordenador. Esse conceito, que visava integrar e dar apoio à atuação ministerial, foi replicado nos demais estados e no Ministério Público da União não apenas na seara ambiental, mas nos direitos difusos e coletivos de maneira geral. Isso implica dizer que ele ajudou a formatar o papel que a instituição desempenharia na seara ambiental, bem como na área de interesses difusos e coletivos como um todo. Prova disso é que, no início da década de 1980, ele foi um dos que tomaram a iniciativa de discutir e de criar uma class action brasileira, nitidamente inspirado no direito estadunidense.
Também deu a sua colaboração no âmbito do Poder Executivo. Foi secretário do Meio Ambiente e Presidente da Fundação para a Conservação e a Produção Florestal do Estado de São Paulo, quando teve a oportunidade de colocar em prática as ideias que defendia nos seus escritos. Foram destaque a criação e consolidação de espaços territoriais especialmente protegidos, e a celeridade e efetividade do licenciamento ambiental, que ganhou mais amparo normativo e estrutura e, também, maior participação e controle social.
Não menos significativa é a sua trajetória como doutrinador. Ele foi fundador e coordenador da Revista de Direito Ambiental da Editora Revista dos Tribunais, que é considerada a publicação mais tradicional da área em toda a América Latina. É autor de inúmeros artigos publicados em periódicos especializadas no Brasil e no exterior, sendo autor, coautor e organizador de diversas obras nas áreas de Direito Ambiental e de processo coletivo. Contudo, a sua grande obra é realmente “Direito do Ambiente” (RT), um super manual de quase 2.000 páginas que se encontra na 12ª edição e que é referência para todos os que trabalham na área ambiental. Demais, ele é autor de “Estudo Prévio de Impacto Ambiental”, “A Ação Civil Pública e a Tutela Jurisdicional dos Interesses Difusos” (RT), “A Ação Civil Pública na Nova Ordem Constitucional” (RT), “Direito Penal Ambiental: Comentários à Lei 9.605/98” (RT), “Doutrinas Essenciais: Direito Ambiental” (RT), “Novo Código Florestal” (RT), “Dicionário de Direito Ambiental” (RT), “Ação Civil Pública após 30 anos” (RT) e “40 anos da Política Nacional do Meio Ambiente” (D’Plácido).
Ao lado de Antônio Augusto de Camargo Ferraz e de Nelson Nery Jr., foi redator do anteprojeto da Lei de Ação Civil Pública (Lei 7.347/1985), que é o grande marco processual brasileiro em se tratando de direitos difusos e coletivos. Diga-se de passagem, Milaré assinou uma das primeiras e mais importantes ações civis públicas da história, em 1986 (para muitos a primeira e a mais importante de todas), quando pleiteou, por meio desse novel instituto, a recuperação ambiental de Cubatão, em São Paulo, naquela época considerada a cidade mais poluída do mundo, logrando êxito em sua pretensão, pois hoje a cidade é exemplo de preservação em nível global.
Milaré também presidiu a Comissão de Juristas responsável pela elaboração do anteprojeto do Código Nacional de Meio Ambiente, que embora não tenha sido aprovado pelo Congresso, influenciou a redação de várias normas ambientais relevantes. Colaborou para a redação da Constituição de 1988, dando o apoio técnico necessário nas áreas de meio ambiente e de processo coletivo.
Participou de conferências da ONU, como a ECO-92, a Rio+10 e a Rio+20, e de vários eventos internacionais oficiais, a exemplo das COPs, que são os encontros da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima. É membro do Instituto dos Advogados Brasileiros (IAB), sócio fundador da Associação dos professores de Direito Ambiental do Brasil (Aprodab) e sócio fundador da União Brasileira da Advocacia Ambiental (Ubaa), além de ter fundado o Instituto o Direito por um Planeta Verde (IDPV).
Após de aposentar do Parquet, abriu o Milaré Advogados, que se tornou o maior escritório de advocacia na área ambiental do Brasil. Além de ter sido o primeiro escritório dedicado exclusivamente à temática no país, sua estrutura organizacional virou referência para todos os que fazem ou pretendem fazer advocacia especializada. Isso tanto contribuiu para melhorar o nível da advocacia ambiental quanto para se atingir um grau de reconhecimento maior por parte do empresariado e da sociedade de forma geral.
Há também o seu lado professor, que por tantos anos ministrou aula em cursos de aperfeiçoamento e em especializações de todo o país, sem falar nas inúmeras palestras e apresentações que continuam sendo proferidas em eventos regionais, nacionais e internacionais. Também é notória a forma gentil e atenciosa como ele trata a todos que o procuram, incluindo estudantes de graduação em Direito e curiosos em questões ambientais. São diversos os casos de advogados iniciantes na área que receberam palavras de incentivo e tiraram dúvidas com ele.
Nesses quase 41 anos da Política Nacional do Meio Ambiente e quase 34 anos da Constituição de 1988, há mesmo que se render homenagens aos que engrandeceram as lutas ambientais no país, notadamente os que deram contribuições concretas. Milaré construiu um legado importante nesse sentido, ajudando a consolidar o Direito Ambiental brasileiro sob diversas perspectivas, seja como advogado, doutrinador, professor, membro do Ministério Público, redator de projetos de lei, titular de órgãos ambientais etc. Sua preocupação foi além do direito material, haja vista o seu contributo para a edificação do processo coletivo brasileiro, sistematização sem a qual a proteção do meio ambiente e dos demais interesses difusos e coletivos não teria avançado tanto.
O Direito Ambiental permite sermos advogados de um cliente comum: o meio ambiente! Meio ambiente este que precisa ser equilibrado e sustentável para as presentes e futuras gerações. O papel do advogado ambiental, em seu sentido lato, seja público ou privado, consiste em defender os interesses do seu assistido, do seu cliente, de quem precisa de conhecimento técnico. E Édis é e sempre foi advogado do meio ambiente, mesmo quando dando aula, atuando como membro do Ministério Público ou publicando os seus livros.
Do advogado Édis, aprendemos que ao patrono das causas cabe encontrar e sustentar o melhor argumento, com verve, garra e dedicação. Cabe, também, demonstrar ao julgador a melhor interpretação da norma, o argumento mais convincente, o entendimento mais acertado, no sentido de proteger quem o procurou em momento de necessidade. Para tanto, o advogado ambiental busca, nesse novel sistema de normas protetivas da natureza, a melhor ferramenta para defender interesses da coletividade. No final do dia, o advogado ambiental está fadado a defender não somente o seu cliente, seja pessoa física ou jurídica, mas, principalmente, a defender os interesses da sociedade, tendo como “cliente” o meio ambiente.
Ser advogado ambiental há tanto tempo, em um mundo constantemente sujeito a inseguranças jurídicas e desmandos institucionais é uma árdua tarefa, cuja responsabilidade se agiganta atualmente. Fazer 80 primaveras e ter passado por tantas mudanças merece as mais efusivas homenagens. Nós, mais jovens, herdamos um direito ambiental com muitas garantias conquistadas com luta e dedicação, sendo a proteção do meio ambiente nos seus patamares modernos resultado da obra e do incansável trabalho de pioneiros que acreditaram nesse novo ramo, hoje em crescente e irrefreável progresso. Nosso muitíssimo obrigado, professor Édis. Seus amigos, alunos, leitores, familiares e, principalmente, o meio ambiente, agradecem efusivamente a passagem dos seus 80 anos, desejando-lhe ainda mais paz, saúde e prosperidade!
*Talden Farias é advogado e professor da UFPB e da UFPE, doutor e pós-doutorando em Direito da Cidade pela Uerj, autor de publicações nas áreas de Direito Ambiental e Urbanístico e líder do Grupo de Pesquisa em Direito Ambiental e Cidades.
Terence Trennepohl é advogado e consultor jurídico. Pós-doutor (senior fellow) pela Universidade de Harvard e doutor em Direito pela UFPE. Autor de publicações na área de Direito Ambiental.
Fonte: ConJur
Publicação Ambiente Legal, 15/06/22
Edição: Ana Alves Alencar
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