Por Edna Uip*
Estaria nosso país em estado de conflagração? Acredito que sim. Multi conflagração. Não é situação exclusiva do Brasil, é fenômeno mundial que tem alvejado vigorosamente o nosso país.
Qual seria a responsabilidade da globalização e do globalismo? Da facilidade de acesso à informação, tanto a verdadeira, correta, quanto a mentirosa e enganosa? De que forma neutralizar a revolta dos nichos amotinados?
Podemos ver a conflagração em múltiplas camadas e setores. A mais básica para os que estão próximos do jogo político é a da esquerda x direita. Já para a população mais pobre a polarização ricos x pobres, Nordeste x restante do país. Muitas outras, feministas x machistas, negros x brancos, universitários x Estado, gays x homofóbicos, convertidos x imprensa, partido político A x partido político B. E mais, indígenas x agro ruralistas, ambientalistas x desenvolvimentistas, liberais conservadores x liberais progressistas.
A situação se afigura pior. Dentro de cada grupo existem variações tonais, também conflagradas. Na direita, os que estão bem à direita e os nem tanto, os que defendem hipnotizados políticas evidentemente desastrosas contra os críticos exacerbados, os que nem sabem por que defendem contra os que nem sabem por que acusam. No feminismo a luta entre mulheres e homens, sejam eles machistas ou não. No movimento gay, a disputa entre os que se veem progressistas contra os auto declarados conservadores.
Os novos movimentos – vou chamá-los aqui de movimentos factuais -são categorias muito particulares, cujo conjunto de reivindicações é definido pela vontade de conquistar direitos, muitos deles inalienáveis, rejeitando ações sociais e políticas que limitem a liberdade.
A discriminação de tais grupos permite a formação de redutos cooptáveis por qualquer ideologia ou credo, independentemente de adesão. O isolamento do indivíduo que se entende diverso dos que se instituiu serem “normais” cria a necessidade de procura de outros com as mesmas características em qualquer lugar do planeta. Acaba por encontrá-los em grupos com os quais se une em torno de autoproteção e fuga da solidão.
Os direitos factuais, assim como antes deles os direitos sociais e os culturais, podem transformar coletivos de pessoas em instrumentos antidemocráticos, caso não encontrem seu lugar no interior da organização social. Estes grupos, quando segregados, tendem a se manter em constante estado de conflagração, seja com os poderes instituídos, seja com qualquer outro grupo ou membro da sociedade que os rejeite ou se oponha a garantia dos seus direitos.
Quanto mais segregados, mais facilmente se tornam presas para a dominação com vistas à hegemonia. Falaremos sobre este mecanismo, elaborado por Lenin e aperfeiçoado por Gramsci, em outro artigo.
O processo de desintegração da identidade nacional com novas identidades híbridas tomando seu lugar acelera e intensifica tais conflitos. As sociedades modernas estão deslocando o seu centro para uma pluralidade de outros centros de poder à medida que áreas diferentes do globo são postas em interconexão, ondas de transformação atingem virtualmente toda a superfície do planeta. O indivíduo acaba formado pelo diálogo continuo com os mundos culturais exteriores e as identidades que estes mundos oferecem.
Desfaz-se o sentimento de pertencer a um grupo nacional por vínculos raciais, culturais, linguísticos e históricos.
Apenas a incorporação da cultura e da cidadania pode forjar a unidade da população constitutiva da nação, e torná-la capaz de sobreviver aos conflitos e às contradições ligados ao desenvolvimento da sociedade. Mesmo que o país seja dominado economicamente por outros, não será colonizado, mesmo que o indivíduo nacional se intercambie em qualquer nível com não nacionais, não será capturado.
Cidadania refreia as pretensões expansionistas da esquerda, da direita, do globalismo, do capital especulativo. A cultura, por ser instrumento de coesão, de unidade social e de integração nacional, pode ser construída de forma sistemática pela escola se esta exercer a função de formadora de cidadãos.
A educação, portanto, deve pressupor o confronto com o imprevisto, mantendo firme o indivíduo perante os desafios. E o desafio que se apresenta é manter o conjunto da cultura de raiz da nação em conexão saudável com o milagre tecnológico, as influências externas, a massificação cultural.
O entendimento da complexidade humana solidifica as próprias certezas e individualiza o indivíduo em relação a grupos, evitando a apreensão ideológica. Conhecimento e exercício da crítica constante impedem as ideologias e grupos estrangeiros de dominarem as classes mais baixas, os jovens e os grupos identitários.
Para cada grande desafio estratégico nacional, internacional, setorial, regional, institucional e empresarial deverá ocorrer uma modelagem estratégica consistente. Assim a habilidade, a competência, a criatividade e a produtividade estarão a serviço da nação.
Deve-se fomentar o pensamento reflexivo e crítico sobre problemas complexos e equipar crianças e jovens com ferramentas analíticas e de compreensão intercultural, necessárias para gerenciar a segurança e o desenvolvimento nacional, mesmo que em ambiente impregnado pelos mecanismos de globalização e globalistas.
O esforço permanente destinado a permitir à totalidade dos habitantes da nação de construir sua vida no interior do seu ambiente, impregnados pela consciência cidadã, faz-se imperioso. Esta é a única forma de refrear os efeitos nefastos dos tantos grupos mal intencionados que têm degradado as relações no nosso país.
*Edna Regina Uip, advogada formada pela USP, consultora e empresária, está “habituada a ver o mundo pelos olhos da razão, sem no entanto, deixar de cultivar atenta observação do comportamento humano e suas emoções”. Autora do romance Espelhos Quebrados (Sá Editora, 2010), é escritora, ensaísta e poeta. É colaboradora do Portal Ambiente Legal.
Publicação Ambiente Legal, 08/03/2021; 2019
Edição: Ana A. Alencar
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Perfeita análise e conceituação do momento que vivemos . Uma educação para a cidadania saudável implica no conceito do pertencimento, e o pertencimento começa pela identidade nacional, identificação com a história de seus antepassados, de seu país, com os valores transmitidos desde o berço.
Civilização nenhuma sobreviverá se não for alicerçada na família.
Na família, e na memória coletiva.
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