Por Fábio Pugliesi*
No final da vigência da Constituição de 67/69 se sucederam pacotes econômicos que alteravam a tributação, utilizava-se o decreto-lei e muitos litígios eram gerados no Poder Judiciário.
Nos primeiros vinte anos da Constituição de 1988 a medida provisória alterava a legislação dos tributos federais e as Assembleias Legislativas votavam as leis nos últimos dias do ano, os Governadores sancionavam e o aumento do ICMS era publicado até em edições extra do Diário Oficial em 31 de dezembro. Por isso eu nem chegava a ter recesso de fim de ano para acompanhar e orientar sobre tais mudanças. Afinal se aprende muito assim.
Assim se verificaram muitas decisões paradigmáticas do Supremo Tribunal Federal em que foi relator o Ministro Moreira Alves. Eu cheguei a assisti-lo dizer, algo assim que o tributarista era um enxadrista e partida podia durar eternamente. Disse, também, como o fazia sempre ter cabido a ele, um civilista, cortar o nó górdio nos litígios tributários. Interessante me lembrar isso ao me distrair com aplicativos de táticas de xadrez, todavia os algoritmos sempre propõem uma resposta.
As Emendas à Constituição ns. 32/01 e 42/0 deram um alívio ao final de ano dos tributaristas, mas a legislação tributária foi se tornando mais complexa até asfixiar as empresas, revelando-se com o tempo insuficiente a até iniciativa do Simples Nacional. Daí os sucessivos parcelamentos, chamados Refis.
Todavia a transformação do Brasil em uma democracia de massas pulverizou a participação política na sociedade, as lideranças políticas, reconhecidas na sociedade aumentaram e se pulverizaram nos setores sociais e regiões. O melhor líder político, ao invés da habilidade reconhecida perante os formadores de opinião, passou a ser o mais hábil na formação de maiorias nas casas legislativas, além de saber considerar o Supremo Tribunal Federal como árbitro da política neste contexto. Enfim um subproduto indesejado da transição negociada que levou à Constituição de 1988.
Depois disso pouco se falou em reforma tributária, pois se projetava uma vocação petrolífera do Brasil que, associada ao “boom” das exportações de soja para a China, iria colocar no segundo plano os problemas do Sistema Tributário. Entretanto o preço do petróleo despencou, veio a a crise mundial de 2008 e agravou-se a crise fiscal.
Recobrada a importância da renovação do sistema tributário em 2018, já no final do ano legislativo, a Comissão Especial da Reforma Tributária da Câmara para a PEC n. 293/04 aprovou o relatório do deputado Luiz Carlos Hauly que extingue nove tributos e institui de fato um Imposto sobre Valor Agregado, denominado Imposto sobre Bens e Serviços (IBS), em cumprimento ao acordo do Brasil com a Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico.
Em vista da apresentação da PEC n. 45/19 na Câmara dos Deputados que propõe da unificação em um imposto sobre valor agregado nacional o IPI, ICMS e ISS, bem como as contribuições sociais do COFINS e PIS, o Senado retoma o trabalho, constante na PEC n. 293/04, e o reproduz na PEC N. 110/19 em que se propõe um imposto sobre valor agregado federal e outro estadual, bem como extingue o ISS e o ICMS.
Formado um foro no Congresso, denominado Comissão Mista da Reforma Tributária, para compatibilizar ambas as Emendas concluiu-se pelo modelo da PEC n. 110/19 e a Câmara arquivou a PEC n. 45/19. Todavia pode se dizer que o relatório condensa proposições de ambas, de forma que, na prática tem-se a “PEC n. 155/19”.
O relatório da comissão mista estabelece uma ponte para o Imposto sobre Bens e Serviços por meio do Projeto de Lei n. 3887/20 que extingue o PIS/COFINS e institui a Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS), apresentado pelo Poder Executivo e em andamento na Câmara dos Deputados.
Embora se chame de “segunda fase da reforma tributária do Poder Executivo” mudar a legislação do imposto de renda, conforme o projeto de lei n. 2337/21, trata, basicamente, da redução do imposto de renda das pessoas jurídicas, extingue a isenção irrestrita na distribuição de lucros e dividendos, bem como acaba com os juros sobre o capital próprio.
A instituição dos juros sobre o capital próprio, aliás, constituiu a contrapartida para as empresas capitalizadas, à época da extinção da correção monetária do balanço, na transição do cruzeiro para o real. Ademais, por poder ser considerado o juro sobre o capital próprio nos dividendos obrigatórios da sociedade anônima, possivelmente foi mais fácil isentar os dividendos para evitar muitos regimes de tributação na distribuição do lucro.
Aprovada, na Comissão de Constituição e Justiça pode ir ao plenário do Senado, uma vez que interessa aos Estados sua aprovação, segundo os conselhos de secretários da Fazenda que têm se manifestado favoravelmente à PEC N. 110/19.
Embora a redução do imposto de renda das pessoas jurídicas impacte os fundos de participação dos Estados e Municípios, que constitui um fator importante da distribuição de recursos entre regiões, o fundo de recursos para compensar eventuais perdas dos Estados e Municípios em razão do IBS pode advir da extinção de fundos que têm recursos parados e de um Refia, a que se denomina “passaporte tributário”. Todavia a transição deve ser de quinze para a nova estrutura com o IBS.
Desta forma se verifica que o sistema político poderia ser mais ágil, mas a necessidade de gerar consensos visa garantir maior segurança na transição para o sistema tributário renovado pela PEC n. 110/19.
*Fábio Pugliesi é advogado em São Paulo e Santa Catarina. Membro do Instituto dos Advogados do Estado de Santa Catarina (IASC). Doutor em Direito, Estado e Sociedade (UFSC), Mestre em Direito Financeiro e Econômico (USP), Especializado em Administração (FGV-SP), autor do livro “Contribuinte e Administração Tributária na Globalização” (Juruá) e professor em cursos de graduação e pós-graduação. Colaborador dos portais Ambiente Legal e Dazibao. Blog Direito Financeiro e Tributário. Twitter: @FabioPugliesi.