Por Alfredo Attié
Escrevo esse texto não para protestar pela ausência do amendoim, das homenagens e saudações da Presidente. Só para esclarecer, o amendoim é originário da América do Sul e pode ter contribuído para a evolução da humanidade, e meu protesto não é maior porque paçoca e pé-de-moleque ainda não estão proibidos na minha dieta.
Para louvar as culturas indígenas, que são múltiplas, a Presidente talvez pudesse ter explorado mais a sua diversidade. Mas… não estamos em Época de acolher diversidade, mas de polarização simplista, escassez de escolhas, de opções.
Escrevo, então, em busca de minha dignidade de cidadão, que não se considera corrupto e que conhece muita gente, a maioria, que não é e não se permite ser corrupta. Gente que não exerce o poder, apenas porque o Brasil se recusa a ser, de fato, uma democracia. Democracia em que deveria vigorar a igualdade – regra segundo a qual ninguém pode, nem deve considerar-se acima das leis, mas igual em relação a elas: capaz de participar de sua composição e de pronto submeter-se a seu comando.
Pois bem. A palavra de ordem da Presidente Dilma para os aliados e aliadas das redes sociais é: “divulgação da delação foi seletiva” ou “vazamento da delação foi seletivo.”
A isso acrescentou alguma coisa que lhe pode ter sido cochichada por um de seus acompanhantes de Governo: “Não reconheço delação não respeito delator e quem colabora com a Justiça para acabar com a corrupção não passa de um Silvério dos Reis”.
Claro que a pessoa que bolou isso apenas é supervalorizada na Era da Mediocridade, inaugurada pela chegada da gerência ao poder.
Eu entendo que o povo – quer dizer, a população, os eleitores e as eleitoras – possa ser desconfiado e anunciar esse ou aquele preconceito. Que possa dizer – segundo um partidarismo já pra lá de irracional, lamentavelmente, que nega as evidências – que por trás das denúncias contra os Partidos no poder haveria outras denúncias contra outros, omitidas ou não esclarecidas devidamente.
Mas isto, é claro, é inadmissível se dito por alguém que exerce o poder.
Por quê? Simples, porque é a expressão de um raciocínio totalitário, que acaba por se tornar pior ainda do que aquelas práticas que busca criticar.
Ora, se alguém que se deseja Presidente vem dizer que outros estariam envolvidos, o que está a revelar se não exatamente o que critica? Denúncias seletivas, por simples rumor, sem nada de concreto, impossibilitando o exercício do direito de defesa.
Isto já foi tentado pelos mesmos poderosos. No ano eleitoral, quando a surdez e cegueira de eleitores e eleitoras estavam no auge. Lembram-se do discurso de que “todo brasileiro é corrupto”?
Vocês estavam incluídos nessa máxima do totalitarismo. “Você é corrupta, minha amiga. Você é corrupto, meu compadre. Portanto, os governantes podem ser corruptos e corruptas.”
E, se o fazem, praticam o bem. São bons corruptos, pois se afirmam representantes do povo pobre – que também seria corrupto, mas… bom, porque pobre.
Agora, diz-se que os outros cometeram crimes, sem provas, sem especificidade. Acusa-se os que não estão no poder de corruptos.
Diz mais: que as instituições públicas são nocivas, à exceção de uma instituição (que se deseja não-instituição, locomotiva de um “governo em prol do povo”): a pessoa da Presidente.
Quem tem poder de governar afirma que quem tem o poder de fiscalizar e punir malfeitos não serve, faz errado.
Quem tem o poder, afirma que a lei não vale para si. Por incrível que pareça, uma lei que foi sancionada por ela mesma: a da colaboração premiada.
Os eleitores e eleitoras já vinham fazendo uma campanha para descolar a Presidência do Parlamento. “O governo é ruim”, dizem, “porque deputados e senadores atrapalham”.
A partir daqui, a chegada a uma ditadura seria apenas um passo – a desvalorização do Congresso Nacional e a sobrevalorização de um Poder Executivo pretensamente isolado.
Agora, porém, é pior. A titular do poder Executivo ataca as instituições democráticas do País, instituições e democracia que jurou defender, ao assumir o cargo.
Ela diz que o “delator” não é digno de “sua” confiança. Ela nega a eficácia da Lei e de um instrumento previsto legitimamente pela lei e ameaça tomar providências de Estado, contra uma delação que implica pessoas físicas de politicos e políticas, e não as instituições da Presidência e dos Ministérios.
Ela diz que as instituições – sem especificar quais nem como – teriam feito deixar escapar informações de modo seletivo.
Pois bem, como fica o cidadão e a cidadã? São chamados de “corruptos por natureza.” Que podem fazer?
Depois, quando uma investigação criminal legal e legítima encaminha o qualificativo para quem exerce o poder… Vem a resposta indignada: “Não admito isso, não! Eu não posso e não permito que a investigação me alcance”
Mas, diz o pobre eleitor, a pobre eleitora, todo mundo não era corrupto?
Respondendo à pergunta inicial, o amendoim foi esquecido. Como a trama da história, em nosso Brasil. Para entender a dominação de gerações e gerações de politicos, é sempre preciso esquecer alguma coisa, perder o fio da meada de nossa cultura.
Alfredo Attié é professor e magistrado – TJSP
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