Por Antonio Fernando Pinheiro Pedro
Na última conferência das Nações Unidas sobre Desenvolvimento Sustentável no Rio de Janeiro em 2012, pudemos observar palpiteiros de toda ordem ditando regras sobre como governos e sociedade deveriam “defender” o meio ambiente e a edição variadíssima de definições do que seja “desenvolvimento sustentável”.
Muitos de nós, advogados, magistrados, promotores e demais operadores do Direito – gente que lida com a legislação todos os dias e observa a dificuldade de sua aplicação a partir da barreira quase intransponível de nossa burocracia, perguntamo-nos no que efetivamente esse esforço global poderia refletir na aplicação da confusa lei ambiental brasileira.
A resposta está no resgate dos conceitos, nublados por visões ideológicas e idealistas que envolvem o mito “politicamente correto” da proteção ambiental.
O fato é que de há muito perdemos a capacidade de ir à raiz da questão para solucionar um problema fazendo bom uso do verdadeiro significado da lei.
Um bom exemplo, para começar, está na definição do objeto protegido por nossa Constituição no Capítulo do Meio Ambiente – contido no artigo 225 da Carta.
De fato, é comum vermos promotores, magistrados, fiscais e outros integrantes do estamento burocrático do Estado brasileiro perderem-se em definições imprecisas do bem jurídico a ser efetivamente protegido no Direito Ambiental. Há quem diga que, pelo princípio da proteção ambiental sequer as pedras poderiam ser movidas do meio do caminho, regras jurídicas ambientais deveriam ser analisadas pelo Papa (pois consideradas dogmas), aplicando-se-lhes irretroatividades e outros engessamentos principiológicos…
A simples menção a meio ambiente leva outros a “ajoelharem-se” diante da “intocabilidade do objeto ambiental”, ou manifestarem-se impedidos de analisar qualquer resolução de conflito que ouse ferir a “indisponibilidade” do bem, entre outros absurdos. Chegamos a pensar que a legislação ambiental não se encontra no mundo dos mortais, devendo-se elevá-la à categoria das normas iluminadas por divindades (não raro embevecidas com seu próprio protagonismo na defesa ”do mundo” ante a ação humana).
A simples leitura (aliás, leis foram feitas para serem lidas e compreendidas de forma simples), do artigo 225 da Constituição Federal, revela constituir bem essencial à sadia qualidade de vida e direito de todos o “meio ambiente ecologicamente equilibrado” (um “bem de uso comum do povo”).
A norma constitucional vincula seres vivos e o ambiente em que vivem (definição de ecologia) com a palavra “equilíbrio”. Vincula também equilíbrio a domínio público comum do povo, ou seja, do ser humano.
Equilíbrio, por sua vez, não é algo que se encontre num cemitério, no quadro de natureza morta pendurado no gabinete do promotor, no aquário do desembargador ambientalista, e muito menos no dedão do pé da mocinha natureba.
Equilíbrio não é algo estático. Pelo contrário, é dinâmico. Está na expansão das moléculas, na expansão do cosmos, na interação entre seres vivos, na expansão urbana, até mesmo na morte de bilhões de bactérias numa estação de tratamento de esgoto.
O legislador constituinte procurou ser mais sábio que a vã militância ambientalista, pois permitiu ao operador da norma entender de forma ampla e aplicável o que é equilíbrio.
A noção de equilíbrio ambiental varia de acordo com as demandas relacionadas ao avanço da economia, ao atendimento dos desejos de participação popular na tomada de decisão, no respeito (ou não) da autonomia das comunidades ou na necessidade de inclusão tecnológica e social nos meios urbanos e rurais.
A noção de equilíbrio ecossistêmico está para muito além da visão estreita dos que buscam indispor o meio ambiente com o desenvolvimento econômico e social necessário à melhoria da qualidade de vida do povo brasileiro.
O equilíbrio ambiental está na infraestrutura, na barragem das hidrelétricas, na produção agrícola que fornece alimentos, na destinação dos resíduos e na urbanização.
O resgate do equilíbrio na definição do bem constitucionalmente protegido é fundamental para entendermos qual meio ambiente devemos preservar, não sendo, de maneira alguma, objeto de tutela aquele “ambiente” congelado e cristalizado nas mentes refratárias dos biocentristas de plantão.
A Organização das Nações Unidas, ao instituir o Princípio 4 da Carta de Princípios de 92, ratificada integralmente em 2012, definiu que “Para alcançar o desenvolvimento sustentável, a proteção ambiental constituirá parte integrante do processo de desenvolvimento e não pode ser considerada isoladamente deste.”
Enfim, fica claro pelo princípio internacional que o bem protegido pela Constituição pertencente a todos, e que o meio ambiente ecologicamente equilibrado será aquele integrado ao nosso processo de desenvolvimento, resguardadas as condições de sustentabilidade inerentes ao processo – isso é equilíbrio.
“Irretroatividade, intransigibilidade e intocabilidade” do bem a ser juridicamente protegido, são mitos toscos que precisam ser derrubados, pois impedem que o direito ambiental cumpra seu papel.
É preciso denunciar que a apropriação indébita do direito ambiental por quem não se interessa pelo equilíbrio e sim pela obstrução, é a morte das garantias democráticas.
Direito ambiental, portanto, é um direito tão humano quanto os demais construídos por nossa sociedade.
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Vale lembrar que equilíbrio também á manter zonas pristinas, para que sirvam de refugio e cumpram com seus tantos outros serviços ambientais. Que mais vale pecar pelo excesso de preservação que pela degradação, até compreender o real valor do potencial impacto gerado. E quizás mais importante, fomentar o papel da ciência na interpretação dos impactos positivos e negativos de um processo e apoio à tomada de decisão, bem como da opinião pública com base na transparência dessas informações. 😉
SENSACIONAL!!
Excelente artigo! Toca na ferida da petulância de quererem legislar a natureza. Trabalho com projetos hidrelétricos, sou mestre em ecologia aquática e trabalho também com modelagem matemática. Isso há quase 30 anos. Os órgãos ambientais estão impondo uma ditadura ambiental monstruosa. Destaco um ponto importante: exigem que sejam seguidos os limites dogmáticos da Resolução CONAMA 357/2005, que impõe exdrúxulos padrões de qualidade da água. Desde a formação, exigem que o padrão de qualidade da água do reservatório seja oligotrófico, pobre em nutrientes. Se será pobre em nutrientes, que vida será mantida ali? Há um movimento ideológico que os contamina e faz com que determinem regras para tudo, até mesmo para o que não é de sua alçada.
Em um dos projetos que conheci, o órgão ambiental determinou que as toras das árvores derrubadas para a limpeza da área de inundação tivessem o comprimento máximo inferior ao tamanho mínimo que lhes dessem valor comercial. Madeira nobre foi perdida porque as empresas não tiveram interesse em aproveitá-las, porque alguém ditou uma regra estúpida.
Os técnicos com pouco conhecimento técnico são envolvidos pelas ideias perniciosas de seus eméritos professores ou orientadores. Essa é a origem do mal! Vem da universidade que forma mal os profissionais, de professores que burlam sua dedicação exclusiva para prestar serviço sem a autorização da fundação de pesquisa de sua instituição, que vomitam teorias incomprováveis, desenvolvem métodos estatísticos complexos para a comprovação do óbvio.
Sobre o equilíbrio na natureza, eu digo que ela NUNCA está em equilíbrio, porque está sempre em evolução. Durante décadas os biólogos americanos controlaram o fogo em um de seus parques mais famosos, até que um incêndio de proporções enormes o atingiu. A surpreendente decisão foi deixar a natureza agir, pois havia a necessidade de regressão para que espécies pioneiras e de transição ressurgissem naquele ambiente tão controlado. Regressão e evolução são movimentos lentos que não são percebidos pelos humanos no seu ciclo de vida. Para nós a natureza parece estática, e assim desejam os românticos que ela permaneça. Mas tampouco eles se dedicam a vivenciá-la integralmente, pois teriam que abrir mão da energia elétrica, algo que não pode ser naturalmente controlada ou disponível na natureza (quem vai se meter com um relâmpago?). Como podemos nos considerar sustentáveis se manipulamos ao nosso favor um fator ecológico básico em ecologia de populações: a taxa de mortalidade? Na natureza, não mais que 1% dos filhotes de uma população de animais alcança a vida adulta.
Acrescento, para não alongar mais, outro mantra dos ambientalistas: atender à Convenção 169 da OIT, aprovada por FHC. Parece que ninguém leu aquilo, porque está lá que a aprovação não é necessária para a continuidade do estudo do projeto. Se a Convenção não foi regulamentada, ela pode ser brandida como se fosse lei? Os advogados me esclareçam. Se vale como lei, por que reuniões realizadas com os indígenas ou populações tradicionais durante o desenvolvimento dos estudos não são aceitos como uma consulta? Aliás, eles são muito mais complexos do que uma simples consulta.
EXCELENTE TEXTO!