Meta global é conservar pelo menos 10% das zonas costeiras e marinhas, com base na melhor informação científica disponível.
Por Emanuel Galdino*
Em 2023, o Projeto de Lei 6.969, que institui a Política Nacional para a Conservação e o Uso Sustentável do Bioma Marinho Brasileiro (PNCMar), completará 10 anos de tramitação no plenário da Câmara dos Deputados. A última atualização desse processo de quase uma década ocorreu em março de 2021, quando o projeto recebeu parecer sobre sua constitucionalidade. A esperança é de que a proposta siga para votação na próxima formação do Congresso Nacional que tomará posse em janeiro.
Sua implementação pode representar a segurança jurídica necessária para que o País cumpra a meta 14.5 dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS), um conjunto de compromissos globais para proteger o meio ambiente e erradicar a pobreza promovidos pela Organização das Nações Unidas (ONU). A meta 14.5 faz parte do ODS Vida na Água e prevê a conservação de pelo menos 10% das zonas costeiras e marinhas, de acordo com a legislação nacional e internacional, e com base na melhor informação científica disponível.
A chamada Lei do Mar propõe, de acordo com o seu texto, promover o uso equitativo e sustentável dos recursos e ecossistemas marinhos, garantir a conservação da biodiversidade marinha e monitorar os impactos socioambientais. De acordo com a professora Carina Costa de Oliveira, da área de Direito Internacional da Universidade de Brasília (UNB) e umas das pesquisadoras do Grupo de Estudos em Direito, Recursos Naturais e Sustentabilidade (GERN), a lei também permitiria minimizar os problemas de fragmentação da legislação aplicada à conservação e uso sustentável da região costeira e marinha, já que ela pretende integrar as políticas públicas setoriais sob responsabilidade das diferentes esferas de governo.
“O projeto de Lei 6.969 busca construir uma coluna vertebral para conservação do espaço marinho por meio de algumas definições de gestão. Estamos falando de gestão integrada, com base ecossistêmica, participativa, com apoio das populações tradicionais, por exemplo, e que prevê mais instrumentos para o monitoramento”, complementa Oliveira.
A especialista acredita que falte no nosso ordenamento jurídico atual uma norma capaz de fazer uma integração entre a perspectiva social, ambiental e econômica, além de regulamentar as competências, obrigações e responsabilidades, de cada um dos órgãos que trabalham em defesa do ambiente marinho. A aprovação da Lei do Mar daria ao Brasil subsídios para implementar um planejamento espacial marinho, uma fase posterior que já está sendo adotada em outros países para realizar uma avaliação estratégica das zonas costeiras e marinhas, fazendo uma repartição dos usos e das atividades ali executadas. “O planejamento espacial marinho, além de trazer algumas diretrizes e princípios, tem um olhar mais efetivo sobre a participação pública. Esse é um grande problema na área da conservação marinha e costeira, a instabilidade da participação. Nós vimos nesse último governo a extinção de vários conselhos e comitês responsáveis por integrar a população e dar representatividade para as pessoas atingidas pela degradação desses ambientes”, declara Oliveira.
Atualmente, a legislação com foco na conservação e uso sustentável das regiões costeira e marinha no Brasil é bastante pulverizada. Alguns decretos são produzidos no contexto da Comissão Interministerial para os Recursos do Mar (CIRM), mas também há fontes setoriais mais específicas, com origem em áreas como a pesca, mineração, exploração de petróleo e navegação. A pluralidade também se estende para as esferas municipais, estaduais e federal.
A professora indica que um esforço importante para diminuir essa pulverização foi a Lei Complementar 140, de 2011, para cooperação entre a União, Distrito Federal, Estados e Municípios em relação às ações administrativas para a proteção do meio ambiente. “Havia na prática bastante conflito para saber de quem era a competência de determinado licenciamento, se era da União, do Estado ou do Município. Então, essa legislação foi importante para fazer as conexões entre os entes federativos e para que exista de fato um compartilhamento nessa gestão”, ressalta Oliveira.
A ciência e os ODS
A meta 14.5, de conservação das zonas costeiras e marinhas, tem base na legislação, mas também conta com os avanços da ciência para ser alcançada. As unidades de conservação (UC), regidas pela Lei 9.985, de 2000, representam um importante marco em direção da preservação de ambientes ameaçados, utilizando técnicas e métodos testados pela comunidade científica para que esses ecossistemas possam ter sua resiliência garantida (capacidade de adaptação e recuperação).
“Entre todas as medidas de conservação, a criação de áreas protegidas, que oferecem algum tipo de restrição da atividade humana, é reconhecidamente o instrumento que mais traz benefícios para a biodiversidade. As unidades de conservação permitem a mudança de estado de um ambiente degradado para um mais íntegro”, indica o oceanógrafo Rafael Almeida Magris, analista ambiental da Coordenação de Criação de Unidades de Conservação do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio).
Magris desenvolveu um estudo recente, publicado no periódico Diversity and Distributions, no qual propõe um modelo para que o Brasil possa cumprir as metas de conservação impostas por organismos internacionais. Em seu levantamento, o pesquisador identificou áreas que precisam de atenção em relação à conservação, como os recifes e bancos de macroalgas na plataforma continental externa, áreas profundas na costa do Nordeste, a região sul do banco de Abrolhos e as costas leste, sudeste e sul. De acordo com a pesquisa, as ações de conservação da Marinha do Brasil poderiam incluir esses pontos monitorados, o que corresponderia a apenas 8% da região marinha brasileira. Além disso, a equipe concluiu que é necessário que haja áreas marinhas protegidas tanto em regiões que sofrem forte impacto de degradação como em áreas menos impactadas.
O pesquisador acredita que é necessário utilizar uma avaliação mais sistêmica para determinar as áreas prioritárias para a conservação. “As propostas para a criação de áreas protegidas geralmente são avaliadas individualmente, muitas vezes por um grupo de pesquisadores ou organizações não governamentais que trabalham em uma determinada área. Então a nossa pesquisa propõe uma avaliação mais sistêmica para realizar um exercício de priorização”, explica Magris.
Segundo o oceanógrafo, essa decisão vai levar em conta critérios técnicos, identificando pelos dados já produzidos as características ecológicas, as espécies ameaçadas, os tipos de ameaças e como as diferentes áreas se complementam. A ideia é que a priorização de qual área será protegida “leve em consideração diversos aspectos, tanto o impacto cumulativo da atividade humana como a questão do que é singular para cada área. Outro ponto importante é diversificar o tipo de habitat que está sendo protegido. Nesse trabalho a gente olhou para o todo e identificamos o que é mais urgente e o que é menos urgente”, comenta Magris.
*Emanuel Galdino é jornalista especializado em ciência, mestre em Ciências Humanas e Sociais pela UFABC e doutorando em Sustentabilidade pela USP. Sua área de pesquisa abrange as políticas de ciência, tecnologia e inovação para o desenvolvimento de tecnologias ambientais. Foi repórter do setor industrial, analista de comunicação no Sesi-SP e bolsista de comunicação no Instituto de Ciência e Tecnologia da Universidade Federal de São Paulo (ICT-Unifesp).
Fonte: Projeto Colabora
Publicação Ambiente Legal, 03/01/2023
Edição: Ana Alves Alencar
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