Por Fernando Almeida
O presidente do Conselho Empresarial Mundial para o Desenvolvimento Sustentável “WBCSD”, Bjorn Stigson, é autor de uma frase que considero emblemática: “Não existem empresas bem sucedidas em uma sociedade falida”. O pensamento contido nesta frase inspira e dá sustentação filosófica à estratégia da sustentabilidade. As mais recentes catástrofes naturais e os conflitos sociais que temos visto devem servir de ensinamento de que só seremos capazes de combater a pobreza e a desigualdade social e de preservar os recursos naturais por meio de uma sinergia racional entre as três dimensões do desenvolvimento sustentável – econômica, social e ambiental.
Seja do ponto de vista social, seja do ponto de vista ambiental, o cenário global hoje é preocupante. Segundo dados da ONU, o mundo abriga quatro bilhões de pessoas fora do mercado. No Brasil, a situação é igualmente delicada: somamos 50 milhões de miseráveis, mais de 25% da população do país, sem acesso a educação, saneamento e energia, de acordo com estatísticas de instituições oficiais.
Seria injusto afirmar que a sociedade brasileira está de braços cruzados. O governo federal instituiu o programa “Fome Zero” e, segundo o Ipea (Instituto de Pesquisas Econômicas Aplicadas), o setor privado aplicou nos últimos dois anos R$ 4,7 bilhões em projetos sociais. As mais recentes pesquisas do IBGE confirmam avanços em nossa empreitada para reduzir a níveis toleráveis a desigualdade social. Contudo, devemos admitir que o ritmo é lento. O nosso Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) continua praticamente estagnado. É preciso ir além, criando mecanismos de crédito para a camada de baixa renda no campo e nas cidades, instituindo programas educacionais voltados para a sustentabilidade. Enfim, estabelecer um modelo de parceria entre governos e o setor privado que atenda os interesses de todos com uma visão holística, ética e de longo prazo.
Em relação à questão ambiental, o mais recente retrato do estágio de degradação do planeta está no relatório do programa liderado pela Organização das Nações Unidas (ONU) “Millennium Ecosystem Assessment” (Avaliação Ecossistêmica do Milênio). É, com toda certeza, o mais importante estudo já realizado sobre o impacto da ação do homem na natureza. Durante quatro anos, 1360 especialistas de 100 países demonstraram cientificamente a supressão de 60% dos serviços dos ecossistemas do planeta.
Montado para informar aos tomadores de decisão e formuladores de políticas públicas sobre as conseqüências das transformações dos ecossistemas na qualidade de vida dos seres humanos, o programa foi acompanhado por um Comitê Executivo, formado por governos, agências da ONU, empresários e ONGs, do qual tive a oportunidade de participar como presidente do Conselho Empresarial Brasileiro para o Desenvolvimento Sustentável (CEBDS) e representante do setor empresarial da América Latina.
Há um ano, o CEBDS lançou no Brasil a publicação “Negócios com inclusão social – guia prático para empresas”. Trata-se um modelo de negócios concebido pelo WBCSD em parceria com conselhos nacionais. A publicação mostra que o setor empresarial com visão de futuro começa a fazer sua parte, procurando sair de um ciclo vicioso, no qual a maioria das empresas compete por uma minoria de consumidores em potencial, ignorando um mercado bastante significativo, mas ainda latente.
A partir deste modelo, estamos iniciando o processo de inclusão social via negócios. Há alguns pilares básicos. O primeiro deles é manter o foco, ou seja, a empresa deve se concentrar naquilo que ela faz de melhor. Dessa forma, estará mais preparada para obter sucesso ao ingressar no novo mercado. O segundo pilar refere-se às parcerias. Governos e outros grupos de interesse estão cada vez mais interessados em trabalhar com as empresas. Esse envolvimento, em torno de objetivos comuns, é fundamental para fomentar novos empreendimentos e ampliar o arco de benefícios gerados para todos. E o terceiro pilar é desenvolver a capacidade contínua, agregar valor através do conhecimento extraído dos parceiros envolvidos e em todos os níveis, como governos, novos empreendedores, comunidade, entre outros.
Em resumo, poderíamos definir essa abordagem no conceito de “empreendedorismo sustentável”. A inovação mais radical reside em ver os países e comunidades pobres sob a perspectiva de parceiros e clientes em potencial. Assim, para se alcançar o sucesso desejado, os projetos em sobrevivência sustentável devem basear-se nas reais necessidades, capacidades e contextos das populações de baixa renda.
Empresas globais, algumas delas instaladas no Brasil, deram partida nesse processo de inclusão social em seus negócios e os primeiros resultados indicam que estão no caminho correto. A Michelin, por exemplo, está desenvolvendo um projeto pioneiro. O programa Ouro Verde da fabricante de pneus francesa, instalada no Rio, consistiu no parcelamento e venda de parte de uma área da empresa de dez mil hectares no Sul da Bahia. A área foi dividida em três faixas: uma para plantio através de parceria com produtores, que compraram a terra com financiamento subsidiado e pagamento vinculado à produção; outra destinada à pesquisa e desenvolvimento de borracha natural e uma terceira reservada à proteção ambiental de mata atlântica, onde se inclui projeto de ecoturismo. O projeto da Michelin envolve, como temos apregoado, as três dimensões do desenvolvimento sustentável, com a garantia de crédito, compra do produto, fomento ao mercado local, pesquisa e tantos outros benefícios.
Voltando à questão ambiental, devemos abandonar urgentemente o conceito de “mãe natureza”. A educação e o desenvolvimento humanos, fundamentados na visão cartesiana clássica, aliados à crescente concentração urbana a partir principalmente de meados do século XX, definiram uma dicotomia entre a sociedade moderna e a natureza. A atitude de domínio e o uso indiscriminado dos recursos naturais ultrapassaram os limites na maioria dos casos e regiões. Os ecossistemas devem ser analisados como provedores de serviços básicos à nossa sobrevivência: alimentos, água potável, madeira, fibra, recursos bioquímicos e genéticos, além de formação de solos, controle de enchentes, regulação do clima, reciclagem de nutrientes, assim como serviços culturais, incluindo religiosos, recreacionais, ecoturismo e educacionais, entre outros.
Concretamente podemos afirmar que ainda há tempo para correção de rumo. Entretanto, as mudanças são culturais, estruturais, profundas e de curto prazo, visando a resultados perenes e contundentes. O desafio e a responsabilidade são únicos. Os exemplos positivos já existem. Esta visão de longo prazo do setor empresarial, aliada a sólidas parcerias com governos e a sociedade civil, será preponderante para mudar o cenário global, invertendo as curvas de crescimento de degradação ambiental e de exclusão social.
Fernando Almeida é presidente executivo do Conselho Empresarial Brasileiro para o Desenvolvimento Sustentável (CEBDS) e professor adjunto da UFRJ