Brecha regulatória aberta pelo governo permite novas formas de pensar e partilhar a energia
Por Antonio Fernando Pinheiro Pedro
A fórmula cooperativada pode, a médio prazo, provocar mudança radical na paisagem das caríssimas concessões de energia, no perfil dos investimentos no setor de energia e, principalmente, na democratização da política energética brasileira.
Exemplos já existem em nosso território e merecem atenção, pois podem representar alternativa às indefinições sofridas no setor de energia no Brasil.
Sem inteligência e sem redes
O chamado “smart grid” brasileiro era até agora um assunto para grandes empresas concessionárias, grandes autogeradores e empresas com forte aporte de capital.
Incrementado após a reforma do Estado em 1995, o chamado setor de energia sofreu enorme crise de identidade: não sabia se era mero detalhe no mercado de “commodities” ou… objeto de desejo sazonal no mercado de investimentos…
Após seguidos apagões (principalmente de capacidade de planejamento integrado) na geração e distribuição de energia nos governos tucanos, inacreditáveis idiossincrasias burocráticas, corrupção e enormes rombos nos governos petistas, o “smart grid” resultou no seu antônimo: pouca inteligência e rede desarticulada.
A falta de inteligência não coube apenas ao Poder Público – também competiu ao setor privado, inflacionado por ex-burocratas, acadêmicos, consultores míopes e entusiastas sem visão estratégica.
Como resultado, o sistema atual, visto no seu aspecto macro, fenece e… no que tange ao seu potencial micro, engatinha. Nesse último caso, o Brasil, conta hoje com aproximadamente 1.285 pequenas unidades geradoras de energia elétrica, das quais 1.233 (96%) são unidades de energia solar.
Conclusão: passadas duas décadas da vigência da emendada e remendada Lei 9.427/1996, que instituiu a privatização e regulação do setor, o Brasil não possui ainda um “smart-grid” confiável e muito menos faz uso digno de energias renováveis descentralizadas. Ou seja, é um Estado energeticamente vulnerável.
Uma revolução a caminho
Nem tudo, entretanto, é motivo de lamento.
Mudanças recentes no arcabouço normativo, após muita pressão e interlocução, geraram um novo quadro, que está apontando para uma revolução.
A Agência Nacional de Energia Elétrica – ANEEL, baixou a Resolução 687/2015, que alterou a Resolução Normativa 482/2012, melhorando substancialmente as regras para microgeração e minigeração. Com isso, consumidores residenciais e comerciais ficaram autorizados a instalar micro e mini geradores, permitindo-se auferir compensações.
Por esse sistema, até 2024, 1,2 milhão de unidades consumidoras poderão passar a produzir sua própria energia, totalizando 4,5 gigawatts (GW) de potência instalada,.
Porém, o mais interessante é a autorização para que grupos de unidades consumidoras como condomínios ou cooperativas possam gerar a energia que vão utilizar.
Esses grupos de unidades consumidoras ficaram autorizados, ainda, a utilizar a energia em um local diferente daquele onde ela é produzida, desde que seja comprovada a posse do imóvel e que não fique caracterizada qualquer operação de compra e venda de energia.
Foram incluídos na norma pequenos geradores eólicos, queima de biogás e maré motriz, entre outros empreendimentos. Os limites de potência instalada também foram revistos pela agência reguladora. O teto para a modalidade de microgeração foi estabelecido em 75 kW. Na minigeração, o limite subiu a 3 MW para fontes hidráulicas e a 5 MW para as demais categorias.
Concessionárias reagiram
Preocupadas, as distribuidoras demonstraram preocupação sobre a forma pela qual ocorreria a tarifação da energia consumida no segundo ponto. A área técnica da Aneel chegou a propor que a Tarifa de Uso do Sistema de Distribuição (TUSD) fosse cobrada integralmente, mas os diretores da agência mantiveram o desconto que beneficia o imóvel onde fica a unidade geradora. A avaliação dos diretores foi de que o impacto sobre a TUSD ainda é muito pequeno e que, se atingisse algum patamar relevante, poder ia ser revisto em 2019, data aprazada para reavaliar o sistema.
Revolução na revolução
Postas as regras, muitos particulares abastados começaram a se interessar pela colocação de painéis solares em casas e escritórios. Porém , a grande revolução está justamente no uso dessas fontes geradoras renováveis em grupos mais populares – seja por meio de condomínio, seja em cooperativa,
Dois exemplos de implementação apontam para essa revolução:
1) O sonho de Pol Dhuyvetter.
O belga Pol Dhuyvetter sonhava livras tornar as comunidades das favelas das concessionárias de energia elétrica. A ideia era tornar o povo mais humilde autogerador de energia.
O sonho se justificava. Atualmente a tarifa de energia no Brasil está entre as mais caras do mundo. De acordo com dados da Federação das Indústrias do Estado do Rio, o preço é 46% superior à média internacional.
Ou, seja, se o cidadão comum já é massacrado por uma tarifa injusta, o que se dirá do cidadão favelado? Irá continuar dependendo dos gatos?
Assim, o belga criou a primeira cooperativa de geração de energia solar do Brasil, localizada no Morro da Babilônia, no Rio de Janeiro.
Batizada Revolusolar, a cooperativa já conta com estruturas instaladas em dois estabelecimentos locais – dois albergues – que não só usam energia solar como a vendem para a Light – concessionária carioca, durante o dia, quando a produção é maior do que o consumo.
Dhuyvetter, que também mora na Babilônia, espera cobrir com painéis o centro comunitário e o posto de saúde locais.
“Os moradores decidirão qual o preço e o que fazer com o lucro obtido pela cooperativa”, diz o belga, que chegou à Babilônia depois de tentativas frustradas de alugar um apartamento em Copacabana, pois não tinha fiador…
2) Cooperativa rural
Com um investimento de R$ 600 mil, 23 pessoas iniciaram, no interior do Pará, uma revolução na geração de energia limpa. Criaram uma cooperativa de energia renovável, que já entrou em funcionamento, no município de Paragominas, no estado do Pará.
A micro-usina de energia solar fotovoltaica da Cooperativa Brasileira de Energia Renovável (Coober) começou a operar com capacidade de 75 KWp, potência que deve ser ampliada em breve.
Ao todo foram investidos R$ 600 mil na micro-usina solar. O recurso provém da contribuição dos 23 cooperados. A Coober foi criada em fevereiro de 2016.
O espaço físico da micro-usina reúne 288 placas fotovoltaicas que possuem capacidade de produção média de 11.550 KW/H por mês. Toda energia será injetada no sistema da rede Celpa. O resultado será rateado entre os cooperados e descontado diretamente na conta de energia. Estima-se que metade do quadro social da Coober tenha a conta completamente zerada, dependendo do nível de consumo individual.
Segundo o advogado ambientalista Raphael Sampaio Vale, presidente da Coober, colocar a cooperativa em operação representa um corte na história do setor elétrico brasileiro. “Todos nós estamos na expectativa de começar a gerar a própria energia elétrica de fonte limpa, sem agredir a natureza e sem causar prejuízos às populações que normalmente são afetadas pelos grandes projetos”, afirmou Raphael Vale.
As metas da cooperativa visam ampliar a geração para um grupo maior de pessoas. O número de cooperados será ampliado para 300 ou até 600 a partir do segundo semestre de 2017, dependendo da expansão da capacidade de produção. Pela legislação, o teto que cada concessionária pode atingir é 5MW de potência. Hoje, a Coober produz 7,5% de 1MW.
O futuro?
Para o superintendente da Organização das Cooperativas Brasileiras (OCB), Renato Nobile, em poucos anos o Brasil terá centenas de cooperativas de energia renovável, espalhadas de Norte a Sul, produzindo energia de forma compartilhada e distribuindo entre seus cooperados.
“É um passo concreto em um caminho que não tem volta, a matriz de produção mundial será renovável, gastando muito menos sem transmissão, afetando muito menos o ambiente com uma forma econômica mais viável e acessível. ”, afirma Nobile.
De fato, são várias as vantagens de se produzir energia renovável (solar fotovoltaica) em cooperativa e não de maneira individualizada. São elas, entre outras: pequeno valor de investimento por conta da divisão de despesas; mobilidade na produção, pois os cooperados podem mudar de endereço sem se preocupar com os equipamentos; desenvolvimento de uma cultura de colaboração; melhor relação com a concessionária; e tratativas mais adequadas de benefícios e isenções fiscais.
Conclusão
O órgão regulador decerto não mirava a fórmula cooperativada. No entanto, ela caiu como uma luva e pode, a médio prazo, realmente provocar uma mudança radical na paisagem das caríssimas concessões de energia, no perfil dos investimentos no setor de energia e, principalmente, na democratização da política energética brasileira.
Fontes:
Nathalia Brancato – In Press Porter Novelli/Coober
http://www.bbc.com/portuguese/geral-37165040
https://ivopoletto.blogspot.com.br/2016/01/cooperativa-de-energia-solar.html
http://www.copel.com/hpcopel/root/nivel2.jsp?endereco=%2Fhpcopel%2Froot%2Fpagcopel2.nsf%2Fdocs%2FB57635122BA32D4B03257B630044F656
Antonio Fernando Pinheiro Pedro é advogado (USP), jornalista e consultor ambiental. Sócio diretor do escritório Pinheiro Pedro Advogados. Integrante do Green Economy Task Force da Câmara de Comércio Internacional, membro do Instituto dos Advogados Brasileiros – IAB e da Comissão Nacional de Direito Ambiental do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil – OAB. É Editor-Chefe do Portal Ambiente Legal e responsável pelo blog The Eagle View.
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Prezado Dr. Antonio Pinheiro
Satisfação em ver seu artigo; quero colaborar em informações, pois já o fiz para a OCB em Brasília em várias tentativas de cooperação com eles… sem sucesso, mas vejo que algo está prosperando. Veja com o Sr. Marco Oliveira para quem passei todo um Plano de Negócio: marco.oliveira@ocb.coop.br
Pois bem sou o “pai” desse assunto desde 2009, e em 2010, protocolei na CP015/2015 o roteiro completo do q só agora vem a públio.
Quanto ao meu trabalho está na net: Google: “kev line ANEEL”
Youtube: “Desenvolvimento Sinergético” “paulo Kev sinergétcio”
Parabéns e contem comigo caso queiram dar passos empresariais. Abraços
Caro Paulo. Obrigado pela manifestação.
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Forte abraço.
AFPP