Governo Federal cumpre sua parte. Falta estados regularizarem as propriedades rurais.
Por Antonio Fernando Pinheiro Pedro
Dois anos após sancionada a nova Lei Florestal brasileira, o governo federal finalmente conclui a estrutura de controle ambiental das propriedades rurais. Com isso, permitirá aos estados da federação cumprir com o dever de promover a regularização ambiental dos imóveis rurais, reduzindo sensivelmente os atritos ocorrentes entre o agronegócio e a burocracia.
O Decreto Federal 8.235/2014 e a Instrução Normativa n. 2 do Ministério do Meio Ambiente, editados no mês de maio, buscam reduzir a enorme insatisfação dos produtores rurais com relação ao cumprimento da Lei Federal.
Por esses instrumentos, terão os proprietários rurais, prazo de um ano para efetivar o Cadastro Ambiental Rural (CAR).
Nos termos da Lei Federal 12.651/2012, quem tiver áreas de preservação permanente (APP) e/ou reserva legal abaixo dos mínimos obrigatórios, deve aderir aos Programas de Regularização Ambiental (PRA) dos Estados e do Distrito Federal (PRA).
O Cadastro Ambiental Rural, visa criar condições espaciais, cartográficas, para permitir a regularização e materializar a autoridade territorial do Poder Público sobre o sistema fundiário nacional, permitindo o devido controle ambiental das atividades agrárias.
O CAR é composto de dados pessoais do proprietário ou possuidor rural, podendo ser pessoa física ou jurídica, além de dados cadastrais e da localização georreferenciada das Áreas de Preservação Permanente (APP), áreas de Reserva Legal (RL) e áreas de uso restrito (AUR) de todos imóveis rurais do país.
O Decreto realiza o Cadastro e autoriza Estados e Distrito Federal iniciarem o processo de regularização das propriedades rurais, de acordo com os respectivos programas de regularização e critérios de ordenamento territorial. Cumpre à Instrução Normativa, por sua vez, regulamentar as normas para os programas de regularização fundiária e o CAR.
Até maio de 2015, deverão os proprietários inscrever seus imóveis rurais no Sistema informatizado de Cadastro Ambiental Rural (Sicar), a cargo do governo federal, que emitirá o recibo de inscrição.
De posse dos dados do imóvel, o próprio Sicar vai apontar se há ou não necessidade de recuperação de APP e reserva legal, dando condições para que cada proprietário elabore plano de recuperação.
O decreto federal busca desburocratizar o sistema de cadastro e regularização, dispensando a necessidade de técnico responsável no ato de inscrição no CAR e elaboração do plano de recuperação – cujas diretrizes são básicas. A ideia é reduzir custos e estimular a regularização ambiental das propriedades, em especial as pequenas. O prazo para a recuperação da reserva legal, continua sendo largo, podendo se estender até 20 anos.
Atenção, o cadastro deverá ser efetivado por imóvel, independentemente do número de matrículas que compõem a propriedade.
O critério segue o princípio de controle administrativo, agroambiental, e não o critério registral e civil.
O Estatuto da Terra – Lei Federal 4.504/1964, com efeito, já definia no seu Art. 4º , inciso I, o imóvel rural, como sendo “prédio rústico, de área contínua qualquer que seja a sua localização que se destina à exploração extrativa agrícola, pecuária ou agroindustrial, quer através de planos públicos de valorização, quer através de iniciativa privada”.
O cadastro rejeita o sistema registral, que muito confundia administradores e proprietários. Essa definição de critérios, por si só, obriga à revisão dos termos de ajuste e de compromisso relacionados à recomposição e delimitação da reserva legal, firmados antes da nova lei e ainda em andamento.
Por outro lado, reduz a possibilidade de interferência no sistema de controle ambiental, de conflitos de natureza fundiária, de caráter possessório.
O CAR, de fato, não é documento de comprovação fundiária. Trata-se de instituto declaratório de ordem administrativa, que atesta a situação ambiental de área de responsabilidade do declarante. Portanto, não gera direitos possessórios.
O proprietário rural (ou detentor da posse), ao preencher o sistema, terá a imagem de satélite do imóvel e deverá nela desenhar a área declarada, indicando a reserva legal, cursos d’água existentes, estradas, etc. O sistema, então, irá calcular automaticamente as áreas de preservação permanente e as áreas a serem recuperadas. O próprio sistema informatizado deverá conferir se as informações são verdadeiras ou não, dentro dos parâmetros programados.
Essa situação poderá ser considerada regular em relação às áreas de interesse ambiental ou, caso possua o interessado algum passivo, será considerado pendente de regularização.
Os estados e distrito federal deverão firmar, por sua vez, um único termo de compromisso POR IMÓVEL, nos termos do Decreto 8.235/2014, suspendendo aplicação de sanções administrativas, como embargos, relacionados à regularização, a partir do protocolo do Termo de Compromisso.
Dessa forma, o procedimento permitirá melhor equacionamento dos passivos ambientais relacionados à reserva legal e APP.
Enquanto o termo de compromisso estiver sendo cumprido, embargos ficam suspensos, exceção feita a penalidades e infrações ambientais não relacionadas ao termo, como desmatamentos não autorizados.
O grande problema é que os estados ainda não implementaram programas de regularização ambiental, ou estabeleceram regras de acordo com as características ambientais da região, dispostas num plano de zoneamento ambiental.
Os projetos em andamento em algumas unidades, poderão causar mais complicações que solução. Vários deles repetem inutilmente a relação de conceitos e definições legais estatuídas na Lei Federal e no Decreto. Alguns chegam mesmo a ousar alterar sutilmente alguns dispositivos, prenunciando conflitos absolutamente dispensáveis.
Os programas estaduais devem ser o mais objetivos possíveis, sob pena de burocratizar, e com isso desestimular a regularização ambiental dos imóveis rurais, causando grande prejuízo à agricultura nacional sem qualquer contrapartida seria em prol do meio ambiente.
A publicação do Decreto e da Instrução Normativa, não resolve todas as pendências legais originadas com a Lei Federal. Falta a regulamentação das Cotas de Reserva Ambiental, instrumento afinado com o mercado de compensações ambientais, como alternativa para recuperação dos passivos de reserva legal.
De acordo com a nova lei, os proprietários que tiverem menos reserva legal do que o obrigatório podem recuperar o seu passivo através da regeneração (que pode ser feita isolando uma determinada área para que a vegetação nativa retorne naturalmente); da recomposição (recuperando a vegetação com o plantio de mudas ou sementes de espécies nativas) e da compensação – que poderá se dar em Unidades de Conservação ou por meio das cotas de reserva ambiental, provenientes dos possuidores de reserva legal acima do obrigatório.
Para esse mercado funcionar, o governo precisará ainda baixar regras.
A regulamentação também criou o Programa Mais Ambiente Brasil, para apoiar a regularização ambiental das propriedades.
Sob a coordenação do Ministério do Meio Ambiente, o programa compõe-se de ações de apoio à regularização ambiental das propriedades, oferecendo educação ambiental; assistência técnica e extensão rural; produção e distribuição de sementes e mudas.
Institui também a capacitação de gestores públicos envolvidos no processo de regularização ambiental dos imóveis rurais.
O governo federal, portanto, cumpriu, ainda que parcialmente, com o seu dever.
Importante, agora, fazer o sistema para funcionar e criar mecanismos de rápida solução de conflitos, que fatalmente ocorrerão dado à intensa informatização do cadastro.
Antonio Fernando Pinheiro Pedro é advogado (USP) , sócio-diretor do escritório Pinheiro Pedro Advogados. Consultor ambiental, com consultorias prestadas ao Banco Mundial, IFC, PNUD, UNICRI, Caixa Econômica Federal, Ministério de Minas e Energia, Secretaria de Assuntos Estratégicos da Presidência, DNIT, Governos Estaduais e municípios. É integrante do Green Economy Task Force da Câmara de Comércio Internacional, membro do Grupo Técnico de Sustentabilidade e Gestão de Resíduos Sólidos da CNC e membro das Comissões de Direito Ambiental do IAB e de Infraestrutura da OAB/SP. Jornalista, é Editor-Chefe do Portal Ambiente Legal, Editor da Revista Eletrônica DAZIBAO e editor do Blog The Eagle View.
Sou professora, mas nasci e me criei e moro no sitio, e sempre há dificuldades em organizar o solo para o plantio. Feitos como esse também deveriam ser abrangidos pelo projeto.