Implantação de processo a nível nacional segue a passos lentos e país está próximo de “apagão logístico”
Por Karina Fiorini e Danielle Denny
A partir de agosto de 2014, os lixões existentes deverão ser extintos e só poderão receber rejeitos. Qualquer outro resíduo que ainda possa ser aproveitado deverá ser reutilizado ou reciclado, conforme a ordem de prioridade estipulada pela Política Nacional de Resíduos Sólidos (PNRS). Assim, todos os produtos e resíduos remanescentes após o uso do produto consumido, inclusive embalagens, deverão ser objeto do sistema de logística reversa, para retornarem à cadeia produtiva.
Os desafios de implementação desse processo em escala nacional são os mais abrangentes. De forma a tornar possível a redução do volume de resíduos, foi criado pela PNRS dois instrumentos fundamentais: a coleta seletiva – que deverá ser implementada pelos municípios; a logística reversa – sistema de retorno dos produtos e resíduos remanescentes após o uso do produto consumido, que deverá ser executado, sob a supervisão municipal, pelos “fabricantes, importadores, distribuidores e comerciantes”.
O Estado de São Paulo procurou ser “original” com a responsabilidade pós-consumo, com a qual pretende ir além do resgate de embalagens, fixando responsabilidade para todos os atores desde a fabricação até a destinação final, ou seja, apontando uma carga ainda maior de responsabilidade ao setor privado, correndo o risco de “perder o passo da tropa”. Já o Estado de Minas Gerais, em postura oposta, chamou para si parte da execução dos Planos de Gestão Integrada de Resíduos Sólidos, de responsabilidade dos Municípios, viabilizando a implantação do sistema.
Flávio de Miranda Ribeiro, Assistente Executivo da Vice-Presidência da Companhia Ambiental do Estado de São Paulo (Cetesb), informa que, no órgão, já há propostas de logística reversa protocoladas de umas 3000 empresas e 11 termos de compromisso setoriais assinados. Ainda segundo Ribeiro, a Cetesb pretende cobrar das empresas a implantação da logística reversa por meio dos processos de licenciamento e renovação de licença de operação, condicionando a emissão destas à comprovação do retorno dos produtos e resíduos remanescentes ao ciclo de produção.
Gabrielle Tambellini, diretora do Departamento de Planejamento Ambiental estratégico da Coordenadoria de Planejamento Ambiental da Secretaria do Meio Ambiente (SMA), informa que a secretaria fornecerá para as cidades com até 100 mil habitantes, suporte na elaboração de seus planos municipais de gestão integrada de resíduos sólidos por meio de oficinas ministradas por profissionais da Cetesb.
Em 2012, 184 municípios paulistas declararam terem esses planos prontos, no índice de gestão de resíduos, mas esse dado inspira cautela, ressalta a diretora. “No programa Município Verde Azul, por exemplo, a diretiva resíduos sólidos prevê o envio desses planos para a análise da SMA. Dos 124 planos recebidos apenas 2 tinham sido convertidos em leis municipais e nenhum tinha passado por audiência pública ou previa prazo de revisão de 4 em 4 anos”, constata Gabrielle. Além disso, segundo a diretora, o próprio plano estadual de resíduos sólidos ainda está em processo licitatório, para elaboração de diagnóstico, projeto de cenários e sugestão de metas. A diretora explica que nesse processo serão feitas 16 audiências públicas, 8 para aprovar o diagnóstico e 8 para aprovar o plano, isso tudo em um prazo de 13 meses do inicio da contratação.
Contudo, esse pioneirismo de São Paulo pode ser nocivo para a competitividade. Se os demais estados da Federação não cumprirem a Política Nacional de Resíduos Sólidos e o prazo legal for postergado, pode ocorrer, por exemplo, uma migração da indústria para lugares com políticas mais lenientes que impliquem em menores custos. Tambellini reconhece que a SMA tem de articular conversas constantes com o Governo Federal para harmonizar entendimentos. Um exemplo são as condicionantes de financiamento. Pela lei, os municípios, só podem receber verbas do governo federal se comprovarem ter planos municipais de gestão integrada de resíduos sólidos. Mas essa comprovação tem sido exigida mediante a entrega de um simples formulário de 19 itens, muito aquém do potencial transformador esperado da Política Nacional de Resíduos Sólidos.
Além da imensa diversidade entre os municípios brasileiros, um dos entraves para a implementação da logística reversa é a falta de parceria entre governos e particular para implantação de planos integrados de resíduos sólidos eficientes, que promovam a coleta seletiva e o consumo consciente. Em 2012, apenas 14% das cidades brasileiras tinham coleta seletiva, sendo 86% delas no Sudeste.
Uma forma de estímulo à absorção dos produtos provenientes de materiais reciclados seria o incentivo fiscal por meio de creditamento e isenção de tributos. Por exemplo, no Estado de São Paulo, foi autorizada a renúncia fiscal de 60% do valor do imposto sobre a circulação de mercadorias e serviços – ICMS, dado em crédito presumido ao adesivo hidroxilado – produto feito com material proveniente da moagem da PET. O incentivo foi firmado mediante convênio que foi prorrogado até 31 de dezembro de 2014. Com isso, aumentou de 18,8% para 60% a taxa de recuperação desse material, conforme o Oitavo Censo da Reciclagem do PET, realizado pela Associação Brasileira da Indústria do PET (ABIPET).
Para o advogado especialista em Direito Ambiental, Antonio Fernando Pinheiro Pedro, apesar de estarmos no ano de vigência da Lei 12.305/2010, que instituiu a Política Nacional de Resíduos Sólidos, e faltar alguns meses para que todos os atores envolvidos gerenciem a destinação ambientalmente adequada dos resíduos e, a disposição regular dos rejeitos, implementando a logística reversa, há o risco de sofrermos um apagão logístico. “Existe vantagem econômica, principalmente em termos de diminuição dos custos com energia e com insumos, em se reutilizar e produzir com material reciclado. E essa renda deve ser distribuída ao longo da cadeia de coleta, triagem, transporte e reciclagem de resíduos sólidos.
Infelizmente o que já existe, é uma importante cadeia informal de reciclagem. Os estímulos de mercado, aliados às regras de comando e controle têm o potencial de trazer para a legalidade esses operadores, mitigando o risco de gargalos logísticos. Para tanto é preciso uma política pública eficaz, coordenada entre a União, os demais entes federativos, que conduza a atuação do setor privado e dos consumidores”, afirma Pinheiro Pedro.