Por Roberto Klabin e Leandra Gonçalves*
Ao longo dos últimos 200 anos, as atividades humanas têm transformado todo o Planeta rapidamente e se tornado, gradualmente, no principal condutor da mudança ambiental global. Os impactos dessas ações sobre a biosfera da Terra são tão grandes que alguns cientistas argumentam que o Holoceno, iniciado com o fim da última Era Glacial, há mais de 11 mil anos, e que se estende até hoje, chegou ao fim, dando lugar a uma nova era geológica: o Antropoceno.
O conceito de Antropoceno foi proposto uma década atrás pelo biólogo americano Eugene Stoermer e o químico holandês Paul Crutzen, prêmio Nobel em 1995. Eles sugeriram que se alterasse a linha do tempo com que os cientistas medem os períodos geológicos, de modo a refletir as transformações no Planeta causadas pelas atividades humanas. Segundo eles, as marcas da ação humana são tão agressivas e intensas que continuarão visíveis por milênios, gravadas nas camadas geológicas da Terra.
Dessa forma, por meio dos nossos rastros devastadores no Planeta, no futuro, paleontólogos ou mesmo uma futura civilização – caso a nossa seja dizimada – provavelmente saberão identificar a alteração brusca na composição da atmosfera e as demais mudanças ambientais que provocamos por meio dos fósseis de incontáveis espécies extintas, rejeitos radioativos, toneladas de plástico e outros registros, pelos quais não teríamos motivo real para nos orgulharmos de nossa passagem pela Terra.
A escolha do início dessa nova era, chamada por alguns de Era da Humanidade, ainda permanece bastante arbitrária. Os registros de CO2 atmosférico, CH4 e N2O mostram uma clara aceleração em tendências, desde o final do século 18. Por essa razão, o arranque do Antropoceno foi atribuído a esse tempo, imediatamente a seguir da invenção da máquina a vapor, em 1784.
Como resultado do aumento da queima de combustíveis fósseis, das atividades agrícolas, desmatamento e pecuária intensiva, especialmente exploração de gado, vários gases climaticamente importantes com efeito de estufa aumentaram na atmosfera ao longo dos últimos dois séculos: CO2 em mais de 30% e CH4 em mais de 100%, contribuindo substancialmente para o aumento observado da temperatura média global durante o século passado, em cerca de 0,6º C.
De posse dessas informações, um grupo de pesquisadores vem discutindo uma nova abordagem para a sustentabilidade global, em que são definidos limites nos quais espera-se que a humanidade possa sobreviver com “segurança”. Nessa linha de pensamento, transgredir uma ou mais das nove fronteiras planetárias – sistemas de suporte à vida no Planeta e essenciais para a sobrevivência humana – poderá ser prejudicial ou mesmo catastrófico, devido ao risco de limiares, ou pontos de virada, que acionarão uma mudança ambiental abrupta na Terra.
O trabalho de Rockstrom e seus colegas, publicados na revista Ecology and Society, em 2009, foi revisitado nesse ano de 2015, quando estabeleceu-se dois limites principais: mudanças climáticas e de integridade da biosfera – cada um com um grande potencial para conduzir o Planeta a um novo estado e que, portanto, não deveriam ser transgredidos.
Mesmo com todos esses alertas emitidos pela comunidade científica, parece faltar senso de urgência a todos, principalmente às lideranças tomadoras de decisões. Essa ausência de ação pode ser atribuída a falhas de comunicação entre a ciência e a sociedade, ou simplesmente a pura falta de vontade política de nossos governantes. Qualquer uma dessas alternativas precisa ser urgentemente corrigida.
No início deste ano, o pesquisador Douglas McCauley, professor da Universidade da Califórnia, proferiu numa palestra no Aquário de Monterey (EUA), à convite da Fundação SOS Mata Atlântica. A apresentação foi sobre seu recente artigo “Marine defaunation: Animal loss in the global ocean”, publicado na revista Science, qual conclui que a biodiversidade marinha já foi seriamente danificada pelo impacto das atividades humanas. No entanto, ele ressaltou que a fauna marinha, em geral, está em melhores condições do que a fauna terrestre.
Apesar de toda informação e dados científicos sobre a degradação do ambiente marinho, interessava ao pesquisador passar uma mensagem de esperança e oportunidades, entre elas a construção da gestão do espaço marítimo por meio de ferramentas inovadoras, como o planejamento espacial marinho. Entretanto, a mensagem foi percebida pela audiência, pesquisadores e membros de organizações não-governamentais como um tanto quanto negligente, na medida que não transmitia o senso de urgência necessário para incentivar ações emergenciais com relação a recuperar o que ainda nos resta nos nossos oceanos.
O Planeta Terra enfrenta sérias mudanças justamente por negligência da sociedade e dos tomadores de decisão. No Brasil, estamos testemunhando a pior seca que a região Sudeste já registrou, aumento no desmatamento, altas taxas de perda de biodiversidade em variados biomas, agravamento de desastres climáticos e outras crises ambientais. O fato de existir oportunidade para reverter esse cenário, embora possa transmitir esperança, não deve, nem por um segundo, gerar comodismo.
A informação científica e de qualidade deve ser utilizada para mover e estimular ações voltadas a promoção de um desenvolvimento mais sustentável, no qual conservação e desenvolvimento possam caminhar de mãos dadas. Caso contrário, a chamada Era da Humanidade pode vir a ser reconhecida pelas gerações futuras como a Era da Ignorância, uma época em que o conhecimento e a informação existentes não foram utilizados, e necessariamente transformados, em iniciativas inovadoras em prol de um futuro sustentável para essa e para as futuras gerações.
Fonte: SOS Mata Atlântica
*Roberto Klabin é vice-presidente da Fundação SOS Mata Atlântica para a área de Mar; Leandra Gonçalves é bióloga e consultora da organização. A SOS Mata Atlântica é uma ONG brasileira que desenvolve projetos e campanhas em defesa das Florestas, do Mar e da qualidade de vida nas Cidades.