Legislação partidária permite farra com o dinheiro público e perpetua o lixo na política nacional
Por Antonio Fernando Pinheiro Pedro*
“Hoje em dia somos todos escravos, e quem é que vai pagar por isso? / Quem é que vai pagar por isso?” (Lobão)
Escárnio é uma desprezível reação de desprezo. Manifesta-se por palavras e, sobretudo, por atitudes.
O termo já foi utilizado como mote para decisões no Supremo Tribunal Federal. Este mesmo órgão, porém, escarnece do cidadão contribuinte brasileiro todas as vezes que “enfrenta” a questão das benesses autoconcedidas a membros da magistratura, ou quando resolve “legislar”, determinando obrigações pecuniárias ao setor público e privado sem atentar para as consequências práticas de suas olímpicas decisões.
O Poder Judiciário deve ser exercido com muito juízo, transparência, maturidade e parcimônia, pois é o único que, como diz o vulgo, “pode decidir meter a mão nos cofres públicos, autorizando-se a si próprio”…
Juízo, transparência, maturidade e parcimônia faltaram ao Supremo Tribunal quando constatou o óbvio: que as doações privadas de pessoas jurídicas nas campanhas eleitorais eram a raiz do fisiologismo partidário e vetor de corrupção no Estado. Ciente da obviedade, no entanto, decidiu “retirar o sofá da sala”, permitindo que o fisiologismo – que visava combater, sobrevivesse às custas da fonte “inesgotável” dos cofres públicos – abastecidos com o suor do contribuinte.
Não à toa, vive-se o pior momento da política nacional. Sem mais precisar dourar a pílula para agradar doadores privados, os partidos políticos fizeram a opção pela mediocridade explícita – escolheram a mesmice.
Substituir doações de empresas privadas por uma ideia ingênua de doações voluntárias de cidadãos conscientes, controladas por uma administração de fundos públicos em favor de partidos, pode ter agradado germanófilos de plantão na magistratura. Porém, o Brasil, nesse ponto, não é a Alemanha…
Não deu outra: A “reforma política” que se seguiu à decisão do STF, urdida no parlamento, foi puramente tupiniquim. Resumiu-se a uma corrida da canalha fisiológica em direção aos fundos públicos partidários, com a criação de mais um teratológico fundo público para subsidiar campanhas eleitorais.
O Congresso Nacional autorizou um acúmulo escatológico de verbas bilionárias, como compensação ao fim do patrocínio privado aos candidatos, em valores superiores até mesmo ao que vinha o sistema auferindo com as doações provindas do mercado. O assalto aos cofres públicos configura um gigantesco escárnio legal contra o povo brasileiro.
O efeito é de uma perversidade que eiva de vício o Estado Democrático de Direito. Afinal, consolida um oligopólio eleitoral, mantendo o fisiologismo com burras cheias de dinheiro público.
A Nova República, já nos estertores finais, ganhou dessa forma uma sobrevida, foi para a UTI mantida por verbas públicas – o supremo opróbrio do regime da constituição de 1988.
Com efeito, somos um país onde 80% da população encontra-se na dependência de um trabalho extra para completar o orçamento da família, onde 60% dos que trabalham encontram-se pendurados, com o nome “sujo na praça”, onde 8 em cada 10 empresas, se não faliram, estão devendo ao fisco (por não ter mais de onde tirar dinheiro), onde 14 milhões de desempregados não vêem qualquer chance de recolocação.
Constitui um tapa na cara de todos nós, instituir obrigação do erário público, de patrocinar a mais cara campanha presidencial de toda a história das eleições presidenciais no mundo – exceção feita apenas aos Estados Unidos – que, no entanto, têm os custos partidários auferidos de forma privada.
Basta ver os números, para sentir revolta.
O TSE (Tribunal Superior Eleitoral) divulgou recentemente o valor exato do fundo que será repartido entre os 35 partidos existentes: R$ 1.716.209.431,00 (um BILHÃO, setecentos e dezesseis milhões, duzentos e nove mil, quatrocentos e trinta e um reais).
A distribuição dessa quantia sangrada dos cofres públicos, é certo, se não melhorou o nível da política nacional, irá cristalizar todo o lixo que hoje contamina o ambiente partidário brasileiro, senão vejamos:
O valor do fundo será repartido na seguinte proporção:
MDB* – R$ 234.232.915,58
*PT* – R$ 212.244.045,51
*PSDB* – R$ 185.868.511,77
*PP* – R$ 131.026.927,86
*PSB* – R$ 118.783.048,51
*PR* – R$ 113.165.144,99
*PSD* – R$ 112.013.278,78
*DEM* – R$ 89.108.890,77
*PRB* – R$ 66.983.248,93
*PTB* – R$ 62.260.585,97
*PDT* – R$ 61.475.696,42
*SD* – R$ 40.127.359,42
*Podemos* – R$ 36.112.917,34
*PSC* – R$ 35.913.889,78
*PCdoB* – R$ 30.544.605,53
*PPS* – R$ 29.203.202,71
*PV* – R$ 24.640.976,04
*PSOL* – R$ 21.430.444,90
*Pros* – R$ 21.259.914,64
*PHS* – R$ 18.064.589,71
*Avante* – R$ 12.438.144,67
*Rede* – R$ 10.662.556,58
*Patriota* – R$ 9.936.929,10
*PSL* – R$ 9.203.060,51
*PTC* – R$ 6.334.282,12
*PRP* – R$ 5.471.690,91
*DC* – R$ 4.140.243,38
*PMN* – R$ 3.883.339,54
*PRTB* – R$ 3.794.842,38
*PSTU* – R$ 980.691,10
*PCB* – R$ 980.691,10
*PCO* – R$ 980.691,10
*PPL* – R$ 980.691,10
*Novo* – R$ 980.691,10
*PMB* – R$ 980.691,10
A assimetria, se por si só não garante a manutenção da hegemonia do establishment que ela já privilegia. Porém, com toda certeza, facilitará o alcance deste objetivo de perpetuação.
Voltando à UTI da Nova República, essa monstruosa quantia dá a medida do dreno instalado em favor da manutenção do status quo.
O sistema drena o suor do povo brasileiro, as taxas e impostos que deveriam ser destinados à saúde, educação, segurança, transporte, etc… Desvia para fins eleitorais justamente os valores destinados às razões de existência da própria política no regime democrático.
É o que se chama de “metapolítica” – estruturada para perpetuar o establishment, que hoje se encontra em sua pior extração na história nacional. Uma camada podre de políticos, partidos, altos funcionários, empresários, banqueiros e órgãos de mídia, que se arrogaram a dominar a governança do país, e chafurdaram, como gordos leitões, na lama da pocilga em que transformaram o Brasil.
Da forma como está, não há qualquer condição de novas lideranças surgirem sem o aval dos velhos partidos. E é exatamente esse o objetivo da forma posta.
Soma-se à essa loucura orçamentária, o golpe institucional protagonizado no STF, representado pela desobediência à instituição legal do voto impresso. Essa falta, somada ao risco de manipulação da mídia, às adulteração de pesquisas eleitorais, ao desigual tempo de televisão concedido na mesma proporção das verbas, configurará um patético quadro de desolação política programada.
E… quem paga por isso?
O lixo político passou a ser patrocinado compulsoriamente pelo povo. É gerido por um judiciário burocrático e ineficaz, que se dedica a perseguir candidatos enquanto se omite de enfrentar as grandes estruturas partidárias.
Porém, ainda vem o pior.
As direções partidárias agem sem qualquer controle dos próprios partidos que dirigem. Isso ocorre, em grande parte, pelos partidos, em sua grande maioria, desde o nascimento da Nova República, permanecerem com registro provisório – ou seja, sujeitos a mudanças em suas estruturas por mera vontade de sua direção central.
As executivas se renovam por cooptação, removem e criam diretórios, filiam e desfiliam membros ao bel prazer dos donos da agremiação. É nessa apropriação das estruturas partidárias que reside o aspecto mais sórdido: líderes à testa dos partidos eternamente provisórios, organizam a sucessão na direção das agremiações como se estas fossem uma ação entre amigos, quando não uma empresa familiar.
Todos de olho no grande prêmio, ou na “herança”, o fundo partidário.
E ainda dizem, nesta triste circunstância, que voto obrigatório é um “direito”…
*Antonio Fernando Pinheiro Pedro é advogado (USP), jornalista e consultor ambiental. Sócio diretor do escritório Pinheiro Pedro Advogados. Integrante do Green Economy Task Force da Câmara de Comércio Internacional, membro do Instituto dos Advogados Brasileiros – IAB. Vice-Presidente da Associação Paulista de Imprensa – API, é Editor – Chefe do Portal Ambiente Legal, do Mural Eletrônico DAZIBAO e responsável pelo blog The Eagle View.