Após décadas de exploração intensiva e declínios maciços em muitas populações de aves, em 1967, o Brasil tornou-se o primeiro país da América do Sul a proibir a venda comercial de animais silvestres
A África do Sul foi o maior exportador mundial de papagaios sul-americanos entre 2000 e 2013, depois que os países da Amazônia “abandonaram a possibilidade de produzir e exportar legalmente e competitivamente sua vida selvagem”. Isso é o que revela um novo estudo sobre comércio de aves da América Latina produzido pela TRAFFIC com apoio do WWF.
“Bird’s-eye view: Lessons from 50 years of bird trade regulation & conservation in Amazon countries” (ou em tradução livre – Vista Aérea: Lições dos 50 anos de regulamentação e conservação do comércio de aves nos países da Amazônia), oferece um panorama sobre o comércio de aves no Brasil, Colômbia, Equador, Guiana, Peru e Suriname e as ameaças à conservação representada pelo excessivo comércio internacional de espécies.
Historicamente, as aves eram comercializadas em grandes quantidades na região nos primeiros anos do século XX. Pouco antes da Primeira Guerra Mundial, por exemplo, um único comerciante londrino importou 400 mil beija-flores e 360 mil outras aves do Brasil. Em 1932, cerca de 25 mil beija-flores foram caçados no Estado do Pará e enviados para a Itália para enfeitar caixas de chocolate. Centenas de milhares de aves vivas foram depois exportadas como animais de estimação em toda a América do Sul após meados da década de 1950, depois que as conexões das companhias aéreas comerciais, principalmente através de Miami, estavam regularmente disponíveis.
Após décadas de exploração intensiva e declínios maciços em muitas populações de aves, em 1967, o Brasil tornou-se o primeiro país da América do Sul a proibir, por lei, o comércio de animais silvestres, colocando ênfase na criação em cativeiro como alternativa de conservação.
Nas décadas seguintes, centenas de milhares de aves foram capturadas para abastecer o comércio internacional, muitas delas “lavadas” por canais legais na Argentina, Bolívia e Paraguai. Na década de 1980, estima-se que tenham sido capturadas até 10 mil araras-azuis (Anodorhynchus hyacinthinus), muitas delas terminando em criadouros em cativeiro. Como resultado, as Filipinas tornaram-se o principal exportador mundial de araras-azuis, enquanto a população selvagem da espécie está se recuperando no Brasil graças a intensas ações de conservação.
Apesar da suspensão da exploração comercial, para muitas espécies, a recuperação tem sido dificultada por novos cenários de degradação, poluição ou perda do habitat natural. A degradação ambiental – nos habitats terrestres e aquáticos, é a maior ameaça para a maioria das espécies, que tenha sido afetada anteriormente por exploração comercial ou não.
O biólogo e analista de conservação do WWF-Brasil, Felipe Feliciani, destaca o papel inovador do Brasil ao proibir, em 1967, a captura e o comércio de animais silvestres. “O tráfico de animais é um triste exemplo de como o combate à ilegalidade ambiental ainda deve ser uma batalha constante no Brasil, com recursos e apoio para preservar a magnífica fauna brasileira”.
Atualmente, um importante incentivo econômico para a conservação de aves no Brasil, no Equador e na Colômbia é o turismo de observação de aves. O Peru também está se promovendo ativamente como um destino de observação de aves, mas ao lado de Guiana e Suriname, o país também permite a exportação de aves capturadas em meio selvagem de cerca de 101 espécies, todas relativamente comuns.
Embora as proibições tenham resultado no desaparecimento de pássaros à venda nas ruas de muitos países da América do Sul, grande parte do comércio foi para a clandestinidade. O Peru, enquanto receptor e fonte de espécies de aves silvestres de e para seus vizinhos, é o maior desafio regional. Além disso, o Brasil continua a ter um sério problema com o comércio interno de pássaros, apesar dos esforços rigorosos de aplicação da lei.
Em média entre 30 e 35 mil aves são confiscadas anualmente, um número que não variou significativamente nos últimos 15 anos. Muitas dessas aves são destinadas a “competições de canto de pássaros”, onde os espectadores apostam dinheiro nos resultados de quantas músicas ou frases um pássaro cantará em um determinado período de tempo.
No geral, o estudo constata que o comércio ilegal internacional de aves sul-americanas foi reduzido ao seu nível mais baixo em décadas, embora isso seja “principalmente porque as espécies de aves mais procuradas pelos colecionadores já existem na maioria dos países consumidores”.
No entanto, a redução substancial na maioria dos mercados urbanos sul-americanos que anteriormente constituíam grandes centros de comércio de aves é uma grande conquista nas últimas décadas. Milhões de aves foram poupadas quando esses mercados locais entraram em colapso, uma realidade ainda distante de no contexto do Sudeste Asiático.
“As complexidades do comércio de aves têm sido subestimadas: para garantir um futuro para as espécies cada vez mais ameaçadas da região, precisamos de estratégias integradas que busquem urgentemente impedir ou reverter a destruição de habitats e melhorar a fiscalização, complementados com incentivos econômicos para a geração local de renda através do turismo e uso sustentável dos recursos naturais. Isso oferece o melhor caminho para a notável avifauna da América do Sul” conclui o especialista Ortiz-von Halle, autor do estudo.
Acesse o relatório aqui.
Fonte: WWF Brasil