Agrotóxicos, mercúrio e esgoto sem tratamento avançam nas áreas de mangues e rios de área de preservação ambiental marinha no litoral do Nordeste
Por Adriana Amâncio*
Os três rios da maior Área de Proteção Ambiental marinha do Brasil, a APA Costa do Corais, enfrentam grave contaminação. Um estudo identificou níveis de mercúrio e agrotóxico acima do limite permitido, além da presença de bactérias oriundas de esgoto doméstico lançado sem tratamento no leito dos rios Santo Antônio, Manguaba e Camaragibe. Por conta dessa poluição, foram encontrados níveis de oxigênio dissolvido na água abaixo do ideal, o que justifica a alta mortandade de peixes flagrada pelos pesquisadores.
Realizado pela Universidade Federal de Alagoas (UFAL), Projeto TerraMar, ICMBio e a organização alemã GIZ, o estudo “Avaliação Participativa dos Rios Camaragibe, Manguaba e Santo Antonio”, também aponta sérios problemas de assoreamento, provocados pela extração de areia sem regulamentação. “Nós identificamos mudanças na geografia do rio, provocadas pela retirada irregular de areia, trabalho que, como flagramos, é realizado também por menores de idade”, destaca Emerson Soares, professor da UFAL e um dos pesquisadores responsáveis pela coleta e análises das amostras.
A dragagem da área também está relacionada com a grande quantidade de mercúrio encontrada nas águas. “Em todos os pontos dos rios, encontramos atividade intensa de extração de areia sem fiscalização alguma. Esse sedimento do fundo do rio tem mercúrio e quando é revolvido faz com que o metal contamine as águas superficiais ”, explica Soares. O nível encontrado nas águas dos rios foi de 0,85 , sendo que o limite permitido é de 0,2.
A APA Costa dos Corais tem mais de 413 mil hectares de área e 120 km de praias e mangues, que vão dos municípios de Tamandaré, em Pernambuco, a Maceió, capital de Alagoas. Grande parte das margens dos seus rios tem plantações de cana-de-açúcar, em vez de vegetação nativa.
A ocupação dessas áreas contraria a Lei 1651 do Código Florestal, que proíbe o desmatamento em áreas localizadas a até 30 metros da margem dos rios, consideradas Áreas de Preservação Permanente (APP). Além do desmatamento nas matas ciliares favorecer o assoreamento, o agrotóxico que é aplicado na lavoura de cana escorre para o leito do rio, quando chove.
Nas amostras das águas foram encontrados agrotóxicos, cuja venda é proibida no Brasil, a exemplo do Lindano e Edossulfan. Também foi encontrada o Atrazina, um agroquímico de fácil diluição na água, capaz de permanecer por décadas nos cursos hídricos. “Esses agroquímicos são pulverizados, de forma aérea, sem o devido cuidado, e escorrem para o leito dos rios, contaminando as águas”, detalha o professor e pesquisador da Ufal.
As plantações de cana servem à produção de açúcar e etanol das diversas usinas situadas na área da unidade de conservação. Entre os meses de setembro e maio, algumas dessas indústrias lançam os resíduos da produção direto nos rios. O caldo escuro e quente contribui com a mortandade dos peixes já impulsionada por outros agentes poluidores. “As usinas instaladas próximo aos rios da APA se utilizam da água para produzir, mas algumas não têm o cuidado de evitar o lançamento dos resíduos nas águas”, explica Soares.
Em sua extensão, a APA Costa dos Corais envolve 13 municípios, sendo quatro de Pernambuco e nove de Alagoas. Muitos desses municípios lançam os seus esgotos sem tratamento nos leitos dos rios. As consequências dessa poluição, revela o estudo, é a presença, por exemplo, de bactérias como Escherichia-coli, comum nas fezes de seres humanos e animais.
Essa poluição vem afetando a presença de oxigênio dissolvido no rio. No estudo foram encontrados apenas 3,12 mg/L, quando o ideal é 5,0 mg/L. O oxigênio dissolvido na água é produzido pelo processo de fotossíntese realizado pelas algas, que captam a luz solar. A poluição, que aumenta a presença de matéria orgânica na água, pode fazer com que todo o oxigênio seja consumido na redução dessa matéria orgânica, deixando pouco oxigênio dissolvido para a respiração dos peixes.
Lixo afeta pesca
Ao longo da pesquisa, a grande quantidade de lixo descartado por ribeirinhos nos leitos dos rios também foi apontado. Para o pescador e guia turístico Jaelson Santos de Lima, de 49 anos, essa é a causa do afastamento dos peixes do rio Santo Antônio. Dos três rios analisados, os estudos constataram que o Santo Antônio é o mais poluído.
Há décadas, durante o inverno, ele vive da pesca e no verão, tira a renda do trabalho como guia turístico, tira o sustento das águas. Ele afirma que, antes de todo o lixo ser depositado no rio, a facilidade da pesca e a fartura de peixes era grande. “Bastava lançar a rede a 60 metros da margem e a gente já pescava Carapeba, Saúna, Negrão, peixes que dão uma renda melhor. Hoje, a gente anda 15 km para ter um ponto bom para pescar e mesmo assim, se antes a gente pescava 10 kg, agora, só dá 5kg de peixe”, explica.
Jaelson, que é filho de pescador e vive às margens do rio Santo Antônio, tem uma relação íntima com o curso hídrico. A observação fez com ele entendesse que onde havia muito lixo, os peixes se afastavam por não encontrar alimento. Por isso, ele resolveu remover o lixo por conta própria e observar se os peixes retornavam.
“Cada vez que eu chego lá, fico triste! Tem gente que joga fralda descartável, pedaço de cerâmica, sacola plástica, tem de tudo. Cada vez que vou no local, tiro sacos e mais sacos de lixo”, relata admirado. O local onde faz a limpeza é na camboa, abertura no mangue, localizada bem próximo aos limites da área urbana.
Após a limpeza, Jaelson observa que a oferta de peixes melhorou um pouco, mas reconhece que uma andorinha só não faz verão. “É preciso que a população entenda que não deve poluir os rios, pois é dele que tiramos o nosso alimento”, apela o pescador.
Ele lamenta que hoje, não seja mais possível sustentar a família apenas da pesca. Por isso, na temporada do verão, ele usa a embarcação como veículo de passeios turísticos pelos rios. Jaelson diz que o lixo também tem interferido nessa outra atividade. “Tem vezes que eu pego uma rota e avisto uma montanha de lixo no rio. Eu mudo a rota devagarinho, sem o turista perceber, para não causar má impressão”.
A APA Costa dos Corais foi instituída em outubro de 1997, por meio do Decreto NACIONAL Nº 5976. O plano de manejo, documento que regulamenta a conduta na área de proteção, foi criado em 2014 e atualizado em 2021. De acordo com o pesquisador Emerson Soares, esse plano tem orientado diversas ações de conservação na área costureira, realidade bem diferente daquela encontrada nos mangues. “As áreas dos mangues e dos rios ainda são muito carentes de ações ambientais. Esse documento deve nortear políticas públicas de reparação”, pontua.
Em resposta à reportagem do Colabora, o Instituto Chico Mendes de Conservação de Biodiversidade (ICMBio) informou, por email, que os “atributos e a comunidade local vêm sendo afetados por impactos oriundos de fora dos limites da unidade, como é o caso da poluição dos rios”.
O órgão disse que, a partir dos resultados do estudo, vem analisando as competências de cada órgão (União, Estados e Municípios) em relação aos problemas identificados. O texto explica ainda que, após essa etapa de análise serão tomadas “providências para encaminhamento ao Ministério Público Federal no sentido de identificação das responsabilidades, em prol da proteção dos recursos da Unidade de Conservação”.
*Adriana Amâncio – Jornalista, nordestina do Recife. Tem experiência na cobertura de pautas investigativas, nas áreas de Direitos Humanos, segurança alimentar, meio ambiente e gênero. Foi assessora de comunicação de parlamentares na Câmara Municipal do Recife e na Assembleia Legislativa de Pernambuco. Foi assessora da Articulação Semiárido Brasileiro (ASA) e, como freelancer, contribuiu com veículos como O Joio e O Trigo, Gênero e Número, Marco Zero Conteúdo e The Brazilian Report.
Fonte: Projeto Colabora
Publicação Ambiente Legal, 19/09/2023
Edição: Ana Alves Alencar
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