Mercado brasileiro não está à altura das demandas para cumprimento do acordo climático de Paris, tampouco o governo…
Por Danielle Mendes Thame Denny
Um dos principais combustíveis renováveis, o etanol, enfrenta um contexto desafiante. O setor endividado, sem muito financiamento público, com uma tributação pouco favorável, diante de desafios logísticos e na urgência de fazer investimentos em ciência e tecnologia, dificilmente conseguirá atender à meta estabelecida pelo Brasil na COP 21: aumentar a participação de 18% de bioenergia na matriz energética. Atualmente a produção mal consegue atender a demanda interna.
Para cumprir o acordado em Paris, a União da Indústria de Cana-de-açúcar estima ser necessário 50 bilhões de litros de etanol carburante, praticamente o dobro do volume atual, de 28 bilhões de litros, o que demandaria cerca de R$ 40 bilhões. Porém o setor que é intensivo em capital, se submete ao risco de refinanciamento de suas dívidas. Em virtude de um endividamento de quase uma década, do cenário macroeconômico deteriorado, com redução do PIB, valorização do câmbio e aumento dos juros esse risco está ainda mais impactante nesta safra. O Centro-Sul , por exemplo, precisa de pelo menos 21 bilhões de reais apenas para manter a produção, calcula Manoel Pereira de Queiroz, do Rabobank Brasil.
Sem capital próprio ou acesso a mais financiamento privado, a expectativa do setor recai em grande parte nas políticas públicas. Elas poderiam ser as mais variadas. Inclusive o ideal, segundo Aurélio Amaral, Diretor da Agência Nacional de Petróleo, é haver uma cesta de ações para aumentar a competitividade, “hoje o etanol de cana é menos competitivo que o do milho porém incentivar um setor em momento de crise é um desafio”, reconhece. Mas a ANP pode investir na distribuição de combustíveis para diminuir o custo de logística ou premiar o etanol de 2ª geração como fez o governo da Califórnia, exemplifica.
Acima de tudo o governo tem que não atrapalhar, identifica André Rocha do Fórum Nacional Sucroenergético. Essa crítica decorre principalmente pelo fato do Brasil ter buscado se desatrelar da crise de 2008 via tabelamento do preço da gasolina e afastamento da contribuição de intervenção no domínio econômico. Indiretamente, com essa medida, deixou de precificar a externalidade negativa que o combustível fóssil representa e aumentou o preço relativo das energias renováveis, principalmente do etanol.
Com isso houve um rompimento de credibilidade recíproco entre o setor privado e o governo, diagnostica Ricardo Dornelles, Diretor de Combustíveis Renováveis do Ministério das Minas e Energias. Para ele, a única demanda do setor tem sido o aumento da CIDE combustível, hoje de R$0,10, para R$0,60, o que para ele é inviável no atual contexto econômico. Precisa haver propostas de ações de ambos os lados convergindo para um mesmo objetivo. Se houver isso, o governo retoma o investimento, pois há vontade, interesse e capacidade, assegura.
Para Julio Maria Borges, Presidente da Job Economia e ex-diretor da Copersucar, o petróleo está muito barato, mas a COP 21 trouxe oportunidades que precisam ser aproveitadas pelo setor sucroenergético. O Acordo de Paris não falou em etanol do Brasil, mas sim em renováveis. Ou seja, energia solar, eólica, hidrelétrica, bioagas, etanol de segunda geração, de milho e de cana todos juntos. Cabe ao setor montar estratégias inteligentes para ganhar produtividade e conquistar espaço nesse mercado global por energias limpas.
Seria ideal uma era de “obsessão por produtividade”, mas isso passa por desenvolvimento de novas variedades de plantas, melhores máquinas, melhorias do tratos culturais, controle de pragas e de doenças, maior eficiência de moagem e de fermentação e por ganhos com economias de escala. Basicamente, para reduzir custos e aumentar receita tem que no longo prazo investir em pesquisa e tecnologia, “mas quem vai bancar isso”, provoca o especialista.
Concorda com isso Maria Christina Pacheco, da Orplana, entidade que congrega produtores de 70 mil toneladas de cana. Ela ressalta que a taxa de juros dos EUA é muito mais baixa que no Brasil isso seria caso de concorrência desleal. E por muito tempo o real esteve valorizado o que dificultava ainda mais as exportações. Restaria ao produtor se associar para buscar ganhos maiores nas negociações de contratos com as usinas, distribuidores, investidores ou outros tipos de facilidades a serem conquistadas coletivamente.
Ganhos com logística, seriam um exemplo. Delfim Oliveira, diretor da Brasilcom, sindicato e associação que congrega 40 empresas do setor, recomenda foco na inteligência logística ferroviária, rodoviária e portuária das empresas. Hoje, se fosse possível exportar etanol ou se precisássemos importar, “a situação está mais do que crítica”, não haveria tancagem suficiente, exemplifica. Toda a capacidade instalada está comprometida com o diesel, que oferece um prêmio melhor.
Realmente parece que apenas os fundos de investimento têm uma situação confortável no mercado de etanol. Luiz Silvestre Coelho, da Sucden do Brasil, estima os lucros deles em torno de 3 bilhões de reais. Ou seja o momento é de alta dos preços, mas os benefícios estão sendo canalizados apenas para os bancos que financiaram os fornecedores, usinas e distribuidores na fase de baixa. E os aportes feitos agora podem ser que gerem frutos apenas na crise, que certamente virá, tendo em vista que commodities agrícolas estão sempre suscetíveis a ciclos.
Para romper com esse fracasso anunciado talvez sejam necessárias medidas arrojadas e coordenadas entre diversas instancias de governo com a iniciativa privada. A política fiscal estadual é vista como uma solução viável por Martinho Ono, da SCA Trading. Os tributos federais estão praticamente zerados, sendo assim, o ICMS pode fazer toda a diferença para incentivar a preferencia pela comercialização do etanol hidratado. Hoje, apenas cinco estados praticam um valor mais baixo de tributação para a circulação do etanol, são eles: São Paulo, Paraná, Goiás, Bahia e recentemente Minas Gerais. Essa diferenciação tributária entre o combustível renovável e seu substituto fóssil é mais uma possibilidade para precificar as externalidades positivas do etanol.
Além disso, o especialista indica que é preciso implementar política de remuneração previsível e sustentável e principalmente em harmonia com a federação e os estados. Estabelecer diretrizes de longo prazo para a matriz brasileira de combustíveis a fim de atender as metas assumidas. Estimular a eficiência técnica dos veículos. Criar mecanismos para fomentar investimentos em pesquisa e desenvolvimento. Valorar as vantagens econômicas e ambientais da bioeletricidade. E o mercado comporta que tudo isso seja feito concomitantemente. O etanol hidratado poderia triplicar a oferta e haveria carro flex para consumir, assegura Willian Orzari Hernandes, da FG/AGRO.
Alan Hiltner, da Granbio, sugere que seja seguido o modelo de taxação do carbono e sobrepreço garantido para os produtores de renováveis, conforme foi adotado pela Califórnia e por Alberta. Isso acompanhado de maiores misturas de álcool na gasolina e criação de protocolos e padrões comuns para medição das emissões de carbono facilitaria a adequação das empresas e o desenvolvimento de ferramentas de compliance. Outro ponto cruscial seria criar condições diferenciadas de financiamento para projetos de baixo carbono. Porém, para ele, mais importante que essa escolha de modelo ou o ritmo das transformações é a persistência no rumo. No Brasil as medidas tem sido erráticas, o que desestimula o planejamento de longo prazo de todos os agentes do mercado.
Da maneira como está o Brasil não vai produzir etanol suficiente para cumprir o que acordou na COP 21. Sejam quais forem as recomendações acolhidas, pelo governo ou pela iniciativa privada, o Acordo de Paris deve ser utilizado como catalizador de mudanças socioambientais. Acima de tudo, o governo precisaria engajar com aquilo que prometeu, usar a bandeira da sustentabilidade para agregar valor e realmente vestir a camisa da economia verde. Para tanto, precisa definir efetivamente suas prioridades de política energética renovável e, de forma articulada, consistente e duradora, colocar em prática as metas voluntárias porém obrigatórias, com as quais se comprometeu em Paris.
Danielle Mendes Thame Denny, professora, advogada, jornalista e colaboradora do Portal Ambiente Legal
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