Por Ricardo Viveiros*
“Burnout” é uma expressão inglesa empregada quando se refere a algo que deixou de funcionar por extremo cansaço, total desgaste. A síndrome atinge, de modo crescente, profissionais de distintas áreas, em especial no setor de serviços, no qual as mudanças emocionais são mais frequentes. Na pandemia, por exemplo, tem acontecido com os profissionais da saúde e os entregadores de aplicativos.
A Síndrome de Burnout tem presença de múltiplas faces, e se caracteriza pelo esgotamento emocional, queda na realização de tarefas e despertencimento do trabalhador. Esse problema de saúde, embora ainda não reconhecido como tal, também se apresenta ao final das carreiras. Qual a hora certa de parar?
Temos vários exemplos. Pelé, o rei do futebol, anunciou que se aposentaria várias vezes antes de parar de verdade. O político Jânio Quadros, em atitude metafórica anunciando o fim da sua trajetória, pendurou um par de chuteiras na porta do seu gabinete quando prefeito de São Paulo. Emerson Fittipaldi depois de campeão da Fórmula 1, o auge na carreira de um piloto, foi atuar (e vencendo) na Fórmula Indy e nas 500 milhas de Indianapolis.
Executivos e empresários sabem a melhor hora para não trabalhar mais? Amancio Ortega Gaona, empreendedor espanhol, presidente e fundador da Inditex, grupo de empresas proprietária de marcas como Zara, Massimo Dutti, Oysho etc., acaba de anunciar sua aposentadoria. Há 10 anos a Revista Forbes já classificava Ortega como a terceira pessoa mais rica do mundo, então com 46,6 bilhões de dólares. Trabalhou duro até os 85 anos, poderia ter parado muito antes.
Quando a ginasta norte-americana Simone Biles, com apenas 24 anos desistiu de concorrer nas finais da Olimpíada de Tóquio 2020, em um primeiro momento causou comoção em seu país e no resto do mundo. Na sequência, gerou reflexão. Biles desembarcou no Japão como a grande expectativa de medalhas de ouro, o que ela já havia ganho por quatro vezes em edições anteriores do evento. O que isso significa? Carregar nas costas o peso do Mundo – ela mesma respondeu.
Depois de um ano e meio de confinamento, home office, distância social impostos pela pandemia da Covid-19, a Síndrome de Burnout é uma realidade em todo o Planeta. Está causando conflitos, nas empresas e além delas. Porque foi uma chance – fora da “normalidade” de antes – das pessoas olharem para dentro delas mesmas, repensarem suas vidas, criarem novos entendimentos e perspectivas. Quem move o Mundo somos nós, e ao mesmo tempo somos movidos por ele.
Paulo Leminski, escritor, poeta, crítico literário e tradutor foi alguém que, com estilo único, fez poesia marcante sob influência do haikai japonês. Leminski sabia brincar com as palavras recriando outras, sempre de modo instigante, provocador como deve ser a escrita. É dele o poema “O barro”, composto há décadas, que define o momento de desassossego que estamos experimentando: “o barro / toma a forma / que você quiser / você nem sabe / estar fazendo apenas / o que o barro quer”.
As redes sociais e os reality shows propagam o quanto a vida pode ser artificial, vazia, simplória. Não há nessas referências conexão com a realidade. O dia a dia mesclou o pessoal e o profissional e, por isso, tem confundido muita gente no home office. Trabalhar muito, não significa trabalhar certo. Quantidade não implica em produtividade. Por fim, até a ideologia política se tornou mais uma estressante competição entre as pessoas – na família, vizinhança, faculdade, trabalho, clube e por aí vão os ambientes de conflito entre os radicais contra ou a favor.
O Mundo mergulhou em uma equivocada cultura do excesso. É hora de rever o passado e repensar o presente para desenhar o futuro sem pressões, com respeito a si e ao próximo. Respeito para com a tal de felicidade, que não pode ser ignorada porque é o maior objetivo de um vencedor – a mais cobiçada medalha de ouro na olimpíada da vida.
Originalmente publicado em O Estadão.
*Ricardo Viveiros é jornalista, escritor e professor. Doutor em Educação, Arte e História da Cultura pela Universidade Presbiteriana Mackenzie, foi diretor-geral do Museu Padre Anchieta (Pateo do Collegio) e tem vários livros publicados, entre os quais: “Justiça Seja Feita”, “A Vila que Descobriu o Brasil”, “Pelos Caminhos da Educação” e “O Poeta e o Passarinho”.
Fonte: o autor
Publicação Ambiente Legal, 03/08/2021
Edição: Ana A. Alencar
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