O fundador do Fórum Econômico Mundial considera descarbonização e IA as duas maiores forças transformadoras da economia global — e, em entrevista a Um Só Planeta, conta como elas vão interagir
Por Marcos Coronato
Klaus Schwab, fundador e presidente do Fórum Econômico Mundial, veio ao Brasil em maio por vários motivos. O principal era reforçar com o governo brasileiro a necessidade de enviar uma delegação grande à próxima edição do evento principal do Fórum, em janeiro, em Davos, na Suíça. O executivo de 85 anos acredita que o Brasil estará em evidência no futuro próximo, como um grande responsável pela captura de carbono no mundo, como sede da COP30 em 2025 e como presidente do G20, o grupo das 20 maiores economias, a partir de 1º de dezembro.
Schwab também palestrou em Brasília no Fórum de Competitividade, promovido pelo Movimento Brasil Competitivo (MBC) e pela Frente Parlamentar pelo Brasil Competitivo (FPBC). Conversou, na capital federal e em São Paulo, com empresários e lideranças da sociedade civil. Saiu bem impressionado com o que considera “prontidão” das empresas brasileiras no enfrentamento da crise climática. Antes de voltar para a Suíça, nesta quinta-feira (18/5), ele conversou com Um Só Planeta.
A economia global vem passando por novas transformações – como a necessidade de gerar energia limpa –, que podem representar oportunidades para alguns países. A quais mudanças o Brasil precisa ficar mais atento?
Há atualmente duas grandes forças de ruptura que levarão a transformações sistêmicas das economias ao redor do mundo. A primeira é o esforço para cumprir o acordo de Paris, mais especificamente a transformação no setor de energia que precisamos realizar. Vejo três dimensões nesse esforço:
um, se assumirmos que o mundo vai crescer 3% ao ano, a taxa mínima para o crescimento sustentável, vamos pelo menos dobrar o PIB global até 2050. Então, precisamos desvincular o consumo de energia do crescimento da economia. Isso requer um bom número de mudanças, no comportamento do consumidor, em ecoeficiência e assim por diante.
Dois, descarbonizar certos setores e da economia em geral. O objetivo é nos movermos para 30% da energia global ser limpa até 2030 e 50% até 2050. O Brasil está mais bem posicionado nisso.
Três, soluções baseadas na natureza, como descarbonização via natureza. Aqui, o Brasil aparece com particular destaque.
O que chama sua atenção sobre o Brasil, nessa terceira dimensão?
É notável o que o Brasil está fazendo, particularmente as empresas, em termos de reflorestamento. Há críticas, é claro. Mas falei com um grande número de líderes empresariais aqui, principalmente no setor de alimentação, e eles estão assumindo uma notável responsabilidade ambiental.
Nós (do Fórum Econômico Mundial) também estamos engajados no esforço de plantar e conservar um trilhão de árvores até 2030 (o Fórum envolveu nesse trabalho mais de 80 companhias em 65 países. Com iniciativas em território brasileiro, participam empresas como Bayer, Iberdrola, Mastercard, Nestlé, Suzano, Telefônica/Vivo e Zurich).
Mas todos os esforços para alcançar uma economia neutra em carbono ainda não são suficientes. Em algum momento, com mais e mais catástrofes climáticas, vamos enxergar que o custo da inação vai se tornar mais alto do que o custo das ações necessárias. A consciência da importância dessa mudança, lentamente, está avançando. Essa é uma mudança sistêmica dramática na nossa economia.
Eu havia falado no início em duas grandes forças de mudança. Uma segunda mudança sistêmica virá de inteligência artificial. (Acredito que) O mundo, em 20 anos, terá evitado uma catástrofe climática e, por outro, lado absorvido essa tecnologia (IA), que terá o mesmo impacto, senão um impacto maior ainda, que o das mídias sociais nos últimos 20 anos.
As companhias falam muito de ESG atualmente…
Não todas!
Certo – muitas companhias vêm falando muito de ESG atualmente. O que o senhor considera uma boa abordagem de responsabilidade ambiental por parte de uma empresa hoje?
Chamam atenção aquelas particularmente engajadas em compartilhar bons exemplos com diferentes setores, em promover boas práticas, em termos de consumo de energia, em geração de energia limpa. Fabricantes de cimento e siderúrgicas, por exemplo, precisam compartilhar conhecimento.
Temos (no Fórum) a Coalizão dos Pioneiros (First Movers Coalition), com apoio de países do G7, da Índia (12 países apoiam a iniciativa atualmente), com 120 empresas. Estar nessa Coalizão significa que você usa seu poder de compra, se compromete em comprar energia ou tecnologia verde mesmo que não esteja disponível ainda no mercado (a fim de incentivar a oferta). Um exemplo: a empresa dinamarquesa de navegação de carga Maersk se comprometeu a comprar navios movidos a energia limpa, a hidrogênio, mesmo com esses navios ainda não disponíveis. Isso incentiva o processo de inovação.
Qual é a sua impressão dos representantes do governo e das empresas brasileiras nesta visita?
O empresariado brasileiro está muito consciente da necessidade de aplicar novos padrões ESG aos negócios, de fazer o que se fala, de que não se tolera mais greenwashing nem promessas vazias. O Fórum Econômico Mundial participa da definição de padrões para as companhias reportarem iniciativas ambientais. Estamos discutindo com a Comissão Europeia, com o setor financeiro, a padronização da divulgação de cumprimento de critérios ESG (a proposta nasceu em 2020 e atualmente mais de 180 empresas, incluindo as brasileiras Eletrobrás e Vale, incluem em seus relatórios as Métricas do Capitalismo de Stakeholders. Esses padrões, baseados em 21 métricas fundamentais, seguem em debate conduzido pelo ISSB, o Conselho Internacional de Padrões de Sustentabilidade, formado em 2021, na COP26). Encontrei no empresariado brasileiro uma prontidão surpreendente para abraçar essa nova filosofia.
Escrevi 50 anos atrás o livro que tratava primeiro sobre sustentabilidade e capitalismo de stakeholders, afirmando que empresas não deveriam servir somente aos acionistas (“A gestão empresarial moderna em engenharia mecânica”, de 1971). O capitalismo de stakeholders foi contestado durante muitos e muitos anos. Agora vejo uma mudança na maré.
O conceito foi apresentado faz muito tempo, mas algo mudou mais recentemente na forma como ele é visto. O que aconteceu?
Temos agora uma guinada, um ponto de não retorno. Temos uma nova geração jovens que não querem trabalhar para uma companhia que, por exemplo, polui o ar. É uma nova consciência de consumidores, de profissionais, que veem necessidade de responsabilidade socioambiental por parte das empresas. Outra novidade é as companhias trabalharem com perspectivas de longo prazo. Elas se beneficiam disso – atraem profissionais, investidores, capital, e não falo só do segmento de finanças verdes, atraem capital em geral. É uma mudança histórica na interpretação do capitalismo.
Como o senhor vê as duas mudanças sistêmicas (economia verde e inteligência artificial) interagindo? IA terá um papel em nos ajudar a enfrentar a crise climática?
Creio que sim. Temos de lembrar que estamos lidando com essa nova IA há apenas alguns meses. Não sabemos como vai evoluir. Sabemos que vai evoluir rapidamente – o ChatGPT 5 chega ao mercado este ano. Espero que IA melhore o nosso processo de tomada de decisões sobre questões muito complexas, principalmente se for combinada com computação quântica. Poderemos estruturar, diagnosticar (questões em) sistemas complicados demais, com interdependências que atualmente não entendemos de forma completa – como a geração de energia e o clima global.
Fonte: Um Só Planeta
Publicação Ambiente Legal, 23/05/2023
Edição: Ana Alves Alencar
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