Por Ricardo Viveiros*
O exercício do poder é um ato de coragem. Principalmente, por ser algo que, em última instância, é solitário. E, quase sempre, muda a essência de quem o exerce. Na peça “Antígona”, clássico teatral do grego Sófocles, escrito por volta de 440 a.C, está a máxima de que só se conhece verdadeiramente um homem quando ele exerce o poder e executa as leis. Na observação que fazemos dos políticos antes e depois de eleitos, tal pensamento comprova-se ao longo da história.
O candidato tem um discurso, o eleito tem uma prática. A pessoa é a mesma, os atos dela muitas vezes não. E qual o motivo? Muito simples, a campanha permite o sonho do candidato e o de seus eleitores. O exercício do poder já exige o entendimento realista dos cenários em cada momento, porque administrar é obter os aliados necessários à governabilidade, evitando os oportunistas sempre de plantão. O grande desafio do administrador público reside em negociar apoio para exercer o poder na sua plenitude, mas sem fugir aos compromissos de campanha feitos com os que o elegeram. E também sem faltar aos seus próprios princípios e ideais, quando existem.
São 36 anos de democracia, uma árdua e sofrida vitória de todos nós. É incontestável a importante participação que a sociedade brasileira teve no processo de reconquista da liberdade. E temos justo orgulho disso. Entretanto, com ironia, o que se verifica no Executivo, no Legislativo e no Judiciário, com honrosas exceções, são retrocessos que não combinam com a luta pela plena reconstrução do Estado de direito.
Quando não há saúde, emprego, educação, segurança, cultura e, em especial, respeito, e para todos, também não há democracia plena.
Os mais velhos, que viveram os anos cinzentos da repressão, são capazes até de engolir incompetência administrativa do Executivo, atitudes levianas do Congresso e equívocos de julgamento do Judiciário, sempre tendo viva na lembrança as tristes e ameaçadoras imagens dos anos de chumbo. E os jovens que apenas conheceram estas últimas décadas, o que estamos lhes ensinando? Saberão eles, amanhã, dar o devido valor à democracia, defendê-la quando necessário?
O que estamos vendo acontecer no País? O Governo segue sem rumo, e sem medo de ser infeliz. Quem se comporta dessa maneira, precisa “inventar” o suficiente para encobrir o que está devendo à sociedade. O Banco Central volta a elevar a taxa de juros, supostamente para impedir a inflação. Todos sabemos que essa conduta reduz a demanda, não estimula investimentos, encarece o crédito, trava a produção, complica a questão fiscal do próprio overno. A taxa real de câmbio está alta, tanto quanto o desemprego. Não há crescimento econômico sustentado.
Por que não reduzir os gastos públicos, equilibrando as contas do Governo e evitando que o remédio contra a inflação seja tão forte que acabe matando o doente? Não. Ao contrário, o que se vê em toda parte é o cumprimento do velho ditado baiano: “Farinha pouca, meu pirão primeiro”. O balaio de gatos que é a base aliada do Governo que o diga, sempre ávida por emendas que lhe permitam ações demagógicas e eleitoreiras.
Não questiono o mérito de algumas poucas ações, encoberto por muitas lamentáveis ações. A questão da falta de planejamento, estratégia e responsabilidade no trato da pandemia da Covid-19, postergando importantes medidas, já causou quase meio milhão de mortes. Eis a pergunta que boa parte dos brasileiros tem entalada na garganta: Os poderes constituídos que representam os nossos interesses estão pensando em nós? Eis a resposta: É certo que não.
Temos uma grave dívida social a ser resgatada. Um País que ainda precisa lutar para que a fome seja zero, necessita de investimentos, de produção, de desenvolvimento. Fatores que geram empregos e permitem ao povo vencer a miséria com a dignidade do seu próprio sustento, sem paternalismos. Sem deixar que, como disse o inesquecível publicitário Carlito Maia, a Nova República seja a mãe da velha.
Nosso justo, triste e revoltado pesar precisa levar o Governo à reflexão. Não podemos mais seguir ignorando os fatos, acreditando nos sonhos de campanha como se eles num passe de mágica tenham se realizado, desconhecendo a dura realidade. Há um grito de insatisfação que está nas casas e não nos palácios, que sai do coração dos desesperançados e não entra na mente dos governantes que vivem na solidão do poder.
É passada a hora de escutar o povo. Mais trabalho, menos discurso. Mais gestão, menos campanha política. Vidas importam!
*Ricardo Viveiros é jornalista, professor e escritor, conselheiro da Associação Brasileira de Imprensa (ABI) e da União Brasileira de Escritores (UBE), autor de 41 livros dentre eles “A vila que descobriu o Brasil”, “Justiça seja feita” e “Pelos Caminhos da Educação”.
Fonte: o autor
Publicação Ambiente Legal, 18/06/2021
Edição: Ana A. Alencar
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