A eterna novela do empreendedor preso no labirinto criado por uma burocracia sem rumo
Por Cristiano Faé Vallejo e Antônio Tadeu Benatti
Quando moças, nossas avós ganhavam um baú para iniciar o enxoval. Antes do casório, bordavam a letra do noivo nas toalhas e lençóis. A primeira exigência para ter um casamento feliz estava resolvida.
A Vale está construindo 570 quilômetros de estrada de ferro, o Pier IV do Terminal Ponta da Madeira e os navios Valemax. É o conjunto de exigências para explorar o S11D, maior projeto de mineração em gestação no País. Todas as exigências para um projeto de sucesso estarão resolvidas antes do início das vendas do minério.
Exigências são as condições necessárias para que as estruturas – um projeto, estilo de vida, fluxo de mercadorias ou pessoas – possam operar sem restrições. Exigência sempre precede à estrutura. A máxima vale para churrasco com os amigos, aposentadoria, festa de criança, reforma do banheiro e grandes projetos públicos.
Mas qual a relação entre o incômodo da vovó, a reforma do banheiro, os projetos públicos com a sustentabilidade?
O paradoxo da vovó é que ela podia planejar a sua vida e criar as estruturas para que pudesse atender às exigências do casamento e de suas decorrências: filhos, filhas, noras, genros e netos. Várias pessoas, situações e circunstâncias podiam ser atendidos dentro desta cesta provisional da vovó. A velha água no feijão, mais um prato na mesa e alguma farinha sempre eram suficientes para não levar a banca rota o planejamento da vovó.
O que marca a sociedade moderna é uma profunda inversão. As exigências são geradas em grandes proporções e as estruturas são incapazes de fazer um empate nesse jogo, estão sempre devendo.
Sem complicar, a figura abaixo explica essa mudança de paradigma em relação ao clássico e tradicional comportamento da vovó, só que essa ficha ainda não caiu na gestão pública, em especial quando o assunto é planejamento, ai, a velha vovó é mestre e os gestores públicos estão longe de se quer se transformar em disciplinados aprendizes, vejamos os paradigmas:
Sem exceções, não vemos os grandes projetos públicos satisfazendo primeiro a exigência, para depois cuidar da estrutura. São conjuntos habitacionais sem provisão de transporte, suprimentos de água e eletricidade que não acompanham a expansão demográfica e econômica, refinarias que tomam empréstimos antes do estudo de viabilidade técnico econômico e por aí vai. Gestores públicos com bicos azuis ou estrelas vermelhas, de Municípios, Estados ou Governo Federal pecam. Todos justificam muito, explicam pouco e esclarecem nada.
Os projetos tornam-se infinitamente mais caros, com aditivos e mudanças de curso dispensáveis. Se o tempo e a privação dos consumidores – usuários dos serviços públicos – fossem incluídos na conta, a sustentabilidade econômica ficaria mais prejudicada ainda.
As mortes dos operários nas obras, espremidos pela pressa, e a deterioração da qualidade de vida dos consumidores são o saco de areia amarrado ao pé da sustentabilidade social. É o verdadeiro escárnio com aqueles que necessitam mais.
Os materiais gastos em excesso, emissões adicionais por conta do trânsito gerado pelas obras, perenização de canteiros de obras em regiões ambientalmente sensíveis e alternativas para geração energética com alto carbono são alguns dos sabotadores da sustentabilidade ambiental.
E por fim, talvez o mais importante, é a sustentabilidade cultural. Nunca terminar no prazo, sempre terminar muito mais caro, racionamento e desperdício cristaliza no inconsciente coletivo que somos um País do futuro, sem sabermos quando e se ele chegará. O chute no traseiro que o Jerônimo sugeriu, não doeu nos glúteos, doeu mesmo na autoestima. Pior de tudo, ele estava certo.
Cristiano Faé Vallejo, administrador público, professor do Inbrasc – Instituto Brasileiro de Supply Chain – e da Universidade Corporativa Fenabrave.
Antônio Tadeu Benatti, físico, PhD, Consultor em gestão e estratégia empresarial. Diretor da Benatti Consultants.
Cristiano,
Muito boa a analogia na explicação sobre estrutura. Meu pai foi professor em Berkerley e nos anos 50 veio ao Brasil com a tarefa de formar os primeiros engenheiros químicos no Brasil( entre eles a minha mãe ) . Ambos foram responsáveis pelo início do refino de petróleo no Brasil, sendo minha mãe responsável pelo CENPES até os anos 80. . Meu pai, como presidente de uma empresa de consultoria e projetos, chegou a ter 3000 funcionários entre técnicos e engenheiros. Empresa que muito contribuiu na indústria de ácido sulfúrico, petroquímica e até mesmo projetos de enriquecimento de urânio ( Yellow Cake ) no exterior.
Vi a empresa do meu pai falir, a usina de álcool na qual investiu milhões de dólares ser vendida a preço de banana diante de um governo que simplesmente aniquilou o pro-alcool nos anos 90 e priorizou campanhas no Maranhão à honrar suas dívidas em empresas nacionais.
Lembro das diversas concorrências nas quais meu pai perdeu tempo e dinheiro participando para descobrir que eram carta marcada a favor de empresas ligadas à administração pública.
E assim funciona um país onde nenhum passo é dado sem que todos queiram um bocado, para que no fim, todos percam muito.
Assisti países como Coreia, passarem de terceiro mundo à fornecedores de tecnologia.
Jogamos fora talentos, jogamos fora equipes e tecnologia nos últimos 20 anos de uma maneira vergonhosa.
Será que nosso destino será como fornecedores de matéria prima? Pois até mesmo a gasolina estamos importando, já que a atual administração do país nos fez o favor de esvaziar os cofres da Petrobrás.