Comprometendo a Operação Placebo, Carla Zambelli perdeu mais uma vez a chance de ficar calada. Bolsonaro também…
Por Antonio Fernando Pinheiro Pedro*
“É melhor calar-se e deixar que as pessoas pensem que você é um idiota do que falar e acabar com a dúvida.”
Maurice Switzer
A deputada paulista Carla Zambelli e o presidente Jair Bolsonaro, no afã de sempre aparecer e parecer ser, mancharam inadvertidamente a imagem da Polícia Federal, tornando política uma operação policial tecnicamente irrepreensível.
A Polícia Federal realizou a Operação Placebo no dia 26 de maio, realizando buscas no Palácio das Laranjeiras, residência oficial do governador do estado do Rio de Janeiro, Wilson Witzel. Quinze equipes participaram da ação, que tem como finalidade a apuração dos indícios de desvios de recursos públicos destinados ao combate ao coronavírus.Doze mandados de busca e apreensão foram cumpridos, sendo dez na capital fluminense e dois na cidade de São Paulo. Os mandados foram expedidos pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ).
A investigação era conhecida, pois já haviam ocorrido ações anteriores visando apurar a conduta do Secretário estadual da Saúde, Edmar Santos, no desvio de verbas e fraudes em licitação na campanha estadual contra a pandemia – quase toda suportada por verba federal. Ante o escândalo, o Governador Witzel o exonerou do cargo, para renomeá-lo, em seguida, no cargo de coordenação das ações contra a pandemia – justamente onde poderia, em tese, manipular e até “destruir” as provas do escândalo em apuração.
Assim, era questão de tempo para as operações policiais baterem á porta do Palácio das Laranjeiras. Independente de haver culpa ou não do governador.
No entanto, a síndrome de aparecer e parecer ser… que acomete as hostes bolsonaristas, parece ser maior que a necessidade de atender o interesse público, respeitar um trabalho sério e manter a boa imagem de isenção e lisura da atividade policial e jurídica em causa.
Na véspera da Operação Placebo, em entrevista à Rádio Gaúcha, a deputada paulista Carla Zambelli, notória baba-ôvo do Presidente da República, anunciou que viriam operações contra governadores, como a que de fato se deu no dia posterior, contra Wilson Witzel.
Com o fato, tornou-se evidente o acesso à informação privilegiada obtido de véspera. Disse Zambelli:
“A gente já teve algumas operações da Polícia Federal que estavam na boca para sair e não saíam. A gente deve ter nos próximos meses o que a gente vai chamar talvez de ‘covidão’ ou não sei o nome que eles vão dar, mas já tem alguns governadores sendo investigados pela Polícia Federal”.
A ideia passada foi a de que as operações estariam sendo realizadas em “represália política” contra a ação dos governadores no combate á pandemia, muito mais que em razão da apuração de eventuais delitos de corrupção.
Com a deflagração da operação, a conduta de véspera da deputada falastrona terminou jogando “tinta” sobre uma ação investigativa absolutamente legítima, que já vinha se processando anteriormente à crise política das mudanças de direção na polícia, e devidamente conduzida sob tutela judicial.
As hostes bolsonaristas, com a operação, não tardaram a vincular a ação policial com a atitude política do presidente, para hostilizar os governadores… Com isso, reforçaram a interferência insinuada na entrevista da Deputada “Mata Hari” na rádio gaúcha.
Para piorar o clima, o presidente Jair Bolsonaro “parabenizou” a Polícia Federal (PF) pela operação conduzida contra Wilson Witzel (PSC), que é seu adversário político. Bolsonaro disse ter tomado conhecimento da operação “pela imprensa”, perdendo a chance de literalmente ficar quieto, e deixar os fatos falarem por si.
Disse Bolsonaro, na já notória conversa de porteira no Palácio do Alvorada:
“Parabéns à Polícia Federal. Fiquei sabendo agora pela mídia. Parabéns à Polícia Federal, tá ok?”
Questionado sobre se a deputada Carla Zambelli (PSL-SP) — que antecipou que “governadores” seriam alvos da PF — sabia da operação, Bolsonaro ironizou:
“Pergunta para ela.”
Assim, trocando como sempre todos os sinais, as duas personagens e sua platéia de babões reduziram a Polícia Federal a uma polícia política de republiqueta de banana. Plantaram de forma desastrada a semente da suspeita no terreno de uma operação absolutamente técnica, oportuna e justa – de combate à corrupção.
Além de conspurcar a imagem da corporação, trataram os ditos cujos de gerar, do nada, mais um escândalo de vazamento de informação, acesso privilegiado e antecipado a operações sob sigilo legal. Bolsonaro já sob suspeita de querer interferir na PF do Rio, visando blindar a família e cutucar “os inimigos” naquele estado e Zambelli, casada com um militar da Força Nacional de Segurança – subordinada ao Ministério da Justiça, cuja nova configuração reduziu o órgão a um ajuntamento de subalternos aos interesses políticos do presidente.
A divulgação do vídeo da reunião ministerial de 22 de abril, onde nada de útil foi debatido e muitos impropérios foram disparados contra governadores, outro personagem – a Ministra Damares, mencionou a intenção de “prender governadores e prefeitos”, por conta de irregularidades no combate ao coronavírus. Por sua vez, a Federação Nacional dos Agentes de Polícia Federal, lançou sobre a deputada falastrona a suspeita de que foi informada antecipadamente da Operação, pois “é conhecido e notório o vínculo da parlamentar com a Associação de Delegados, desde quando era líder do movimento Nas Ruas”, e que “esse laço se demonstra pela participação de Zambelli em eventos, vídeos e homenagens”, defendendo a apuração, “com responsabilidade e profundidade, sobre a possibilidade de que esse vínculo possa ter sido utilizado para a obtenção de alguma informação privilegiada”.
Nelson Rodrigues tem toda a razão. Estamos mesmo no reino dos idiotas.
Meu velho tio Antenor Pinheiro, experiente policial goiano da velha guarda, identificava o frouxo pela língua. Para ele, o frouxo era igual galo garnizé e cachorro pequeno: “quanto menor é o seu tamanho… mais barulhento ele é… ”
De fato, todo inseguro, tem necessidade de se mostrar. No entanto, isso apenas revela a insegurança. É o caso dessa operação da PF no Rio.
Como visto, a PF já estava engajada na operação. Nesse sentido, por conta das atenções do planalto sobre o que se passa na corporação, é até possível que a diligência pudesse ser antevista. A operação, ademais, é tutelada judicialmente e mantida sob o controle do Ministério Público Federal.
Assim, o imbróglio político se deve muito mais pela sucessão de fanfarronices do que propriamente de evidências concretas. Como dizia o velho Antenor Pinheiro, a frouxidão é sonora. De fato, a deputada e o presidente bancaram os falastrões da república, e com o barulho que quiseram fazer, comprometeram uma silenciosa operação policial e a imagem da corporação da Polícia Federal.
Witzel agradece. Afinal, deram a ele um pretexto político para atacar uma operação que era irrepreensível. Pior, o efeito disso será o de se buscar, no âmbito do estado carioca, jogar luz nas eventuais ligações da prole presidencial com as milícias e degradar ainda mais o ambiente político nacional.
Bertrand Russell lecionava que “a estupidez coloca-se na primeira fila para ser vista; a inteligência coloca-se na retaguarda para ver”.
Quem perde é o próprio governo federal – bem maior que as bobagens presidenciais e de seus bajuladores, a República, suas instituições permanentes e o Regime Democrático.
Meu velho tio tinha razão…
🐓🐓
*Antonio Fernando Pinheiro Pedro é advogado (USP), jornalista e consultor ambiental. Sócio do escritório Pinheiro Pedro Advogados. Membro do Instituto dos Advogados Brasileiros – IAB e Vice-Presidente da Associação Paulista de Imprensa – API. É Editor-Chefe do Portal Ambiente Legal e responsável pelo blog The Eagle View”. Foi integrante da equipe que elaborou o plano de transição da gestão ambiental para o governo Bolsonaro.
Fonte: The Eagle View
Publicação Ambiente Legal, 26/05/2020
Edição: Ana A. Alencar