Por Ricardo Viveiros*
Testemunha relevante em processo contra o ex-prefeito do Rio de Janeiro (RJ) Eduardo Paes (DEM), que tenta se reeleger, o ex-diretor da empreiteira Odebrecht, Leandro Azevedo, declara que há equívocos na acusação do Ministério Público contra o político carioca. Segundo a defesa de Azevedo, os R$ 10,8 milhões pagos a Paes na campanha eleitoral de 2012 foram Caixa 2 e não “corrupção buscando vantagem futura”. Então, Caixa 2 pode, não é crime?
Você que trabalha e procura cumprir com os seus compromissos, tem a ética como princípio, enfim, é uma pessoa normal, consegue tolerar a corrupção? Atos de improbidade não lhe causam indignação? Malandragem lhe parece algo até inteligente, engraçado? Se a resposta for “Claro que não!”, você está fora da média dos brasileiros.
Surpreso? Pois saiba, você é uma pessoa rara neste país tropical.
O Ibope realizou uma pesquisa em 2006, até hoje nunca debatida e comentada como deveria ter sido, sob o tema “Corrupção na Política: Eleitor, Vítima ou Cúmplice?”. À época, foram ouvidas, em todo o Brasil, duas mil pessoas. O resultado apontou que 75% dos brasileiros admitiam, se ocupantes de cargos públicos em qualquer nível, cometer algum tipo de irregularidade.
A grande maioria aceitava a antiga prática do “Rouba, mas faz”. E não só admitia, como era conivente com a falta de seriedade no trato da coisa pública. O resultado da pesquisa foi surpreendente até para alguns ainda otimistas, apontava que sete em cada 10 brasileiros cometiam algum tipo de transgressão no dia a dia. Entre os “crimes delicados”: sonegação de impostos; compra e uso de produtos piratas; suborno de guarda de trânsito ou rodoviário para fugir às multas; falsificação de documentos; e ligações clandestinas, “gatos” de serviços públicos e privados (luz, água, televisão à cabo etc.).
O instituto de pesquisas fez, também, uma simulação na qual o entrevistado projetava tais ilícitos para as pessoas do seu conhecimento pessoal. Resultado: 98% achavam que os seus amigos eram capazes de fazer a mesma coisa. E se você imagina que os jovens seriam uma esperança para melhor, engana-se. Segundo a pesquisa, 87% deles aceitavam práticas desonestas como parte da realidade. Assim como o bordão do personagem “Tavares”, criação do saudoso Chico Anísio: “Sou. Mas, quem não é?”.
Estava constatada a cultura da corrupção no Brasil. Não foi uma novidade há 14 anos, como também não deve ter mudado, embora tudo o que aconteceu desde então. Afinal, “o exemplo vem de cima”, diz a sabedoria popular. Cabe, portanto, preocupar-nos com o resultado das urnas na eleição de vereadores e prefeitos deste ano. O povo mais uma vez poderá votar em si mesmo, optando apenas pelo assistencialismo do bolsa, vale ou auxílio isso e/ou aquilo. Quando deveria votar contra o mar de lama que surgiu lá no passado distante, continua caudaloso e está se cristalizando, tornando-se algo aceitável” no triste cenário político nacional.
Não ao conformismo, essa absurda tendência crônica de uma sociedade que historicamente não tem direito à cultura e à educação de qualidade e, portanto, é corrompida por esmolas governamentais.
Iniciativas populistas feitas com recursos de um crescente confisco tributário sobre os que produzem e geram empregos nos quais, com dignidade e por mérito próprio, os trabalhadores podem conquistar sua legítima renda.
É preciso votar com coragem e responsavelmente. Honrar a liberdade de escolher parlamentares e executivos que tenham o compromisso de trabalhar apenas e tão somente pelo interesse coletivo.
*Ricardo Viveiros, jornalista e escritor, é conselheiro da Associação Brasileira de Imprensa (ABI) e da União Brasileira de Escritores (UBE), Doutor em Educação, Arte e História da Cultura pela Universidade Presbiteriana Mackenzie, membro honorário da Academia Paulista de Educação (APE) . Tem 49 livros publicados, entre os quais Educação S/A, Pelos Caminhos da Educação e O menino que lia nuvens, A vila que descobriu o Brasil (Geração), Justiça seja feita (Sesi-SP) e Educação S/A (Pearson).
Originalmente publicado em O Estadão
Publicação Ambiente Legal, 06/11/2020
Edição: Ana A. Alencar