Administração distorce entendimento do judiciário e causa insegurança
Por Karina Pinto Costa Mekhitarian e Luciane Helena Vieira Pinheiro Pedro
No início de março corrente, centenas de vilas localizadas na cidade de São Paulo receberam comunicado das respectivas Subprefeituras vinculadas, para que fosse apresentado, no exíguo e limitado prazo de 05 (cinco) dias, “a comprovação de que o fechamento da rua encontra-se devidamente comunicado e aceito/deferido pela municipalidade”.
Ou seja, com base nesse comunicado, as vilas têm que apresentar na Subprefeitura competente documentação comprovando que a Prefeitura já havia se manifestado favorável ao fechamento da rua.
Caso as vilas não possuam referida documentação comprobatória, a Prefeitura informa, no mesmo comunicado, que, após encerramento do prazo de 5 (cinco) dias, dará início às remoções dos fechos, para abertura da passagem de pedestres e do leito carroçável.
A razão do envio deste Comunicado pela Prefeitura deve-se ao julgamento da ADIN nº 2036925-73.2014.8.26.0000 pelo Órgão Especial do Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ/SP), com efeito “ex nunc”, que declarou Inconstitucional as seguintes normas que tratavam da matéria no âmbito municipal: Lei Municipal nº 15.002/09; Decreto Municipal nº 51.541/10; assim como as Leis Municipais nºs 10.898/90, 12.138/96, 13.209/01 e 14.113/05.
O efeito “ex nunc” reportado no acórdão significa que serão preservados os direitos daqueles interessados que já haviam apresentado requerimento junto à Prefeitura e tiveram seu pedido deferido.
Segundo o TJ/SP, a Lei Municipal nº 15.002/09 é inconstitucional unicamente por vício de iniciativa, dado que, dizendo respeito à “ordenação físico-territorial do espaço urbano e ao sistema viário, temas pertinentes ao interesse peculiar do município”, não poderia ter origem em projeto parlamentar, sendo do chefe do Executivo a prerrogativa exclusiva de administrar a cidade, o que compreende disciplinar o sistema viário.
Cabe destacar que, embora tenha reconhecido a inconstitucionalidade da lei, o Exmo. Desembargador Arantes Theodoro, Relator da decisão proferida pelo TJSP, afasta os argumentos lançados pelo Procurador Geral de Justiça do Estado de São Paulo, autor da ação, que afirmava que a lei criava embaraços à liberdade de circulação e ao usufruto dos bens públicos de uso comum e instituía restrição desprovida de razoabilidade, ultrapassando os limites da autonomia municipal.
Com efeito, sobre esses pontos a decisão destaca que, “Tampouco se há de dizer que ao disciplinar o fechamento de certas vias ao fluxo de trânsito a lei veio aferir valores fundamentais como o direito de locomoção, à igualdade, à intimidade ao lazer, nem que veio a dispor sobre Direito Civil” lembrando, ainda, que “… não existe direito fundamental ao ingresso de veículo automotor em rua fechada ao trânsito”.
Mas o fato é que, ainda que afastados os argumentos do autor da ação, a inconstitucionalidade da Lei Municipal nº 15.002/09 foi declarada pelo Tribunal, assim como também das leis anteriores, que disciplinavam a matéria, pois todas se originaram de projeto parlamentar, padecendo, no entendimento esposado pela decisão, do mesmo vício de iniciativa.
E foi justamente por alcançar todos os diplomas legais que se sucederam desde 1990 a respeito do fechamento de vias sem saída, que o Tribunal, por razões de segurança jurídica, atribuiu efeitos “ex tunc” ao julgado, ou seja, determinou que a eficácia da decisão passasse a gerar efeitos “só a partir da publicação do acórdão”.
Ocorre que, contra essa decisão do Tribunal, tanto o Procurador Geral do Estado, autor da ação, quanto a Câmara Municipal de São Paulo, entraram com recurso, essa última tentando reverter a declaração de inconstitucionalidade.
Tais recursos tiveram seu processamento deferido, sendo determinado o encaminhamento dos autos ao Colendo Supremo Tribunal Federal, a quem caberá dar a última palavra a respeito. Ou seja, a questão não está decidida de forma definitiva.
E é exatamente por haver a possibilidade de reversão do decidido que se questiona se há razoabilidade na postura adotada pela Municipalidade, pretendendo dar cumprimento a uma decisão que pode ser modificada no futuro.
Nos parece que a resposta a tal questionamento só pode ser negativa, ainda mais porque a atribuição de uma executoriedade imediata ao decidido se mostra em confronto com questões de segurança pública, pois o fechamento de vias sem saída tem sido utilizado como uma alternativa à completa insegurança que vivemos hoje em nosso país e especialmente em São Paulo, com assaltos, sequestros e violência a todo momento, se mostrando o Poder Público incapaz de resguardar nossa segurança e da nossa família, por falta de aparatos técnico e de pessoal suficiente para tanto.
E mais, mostra-se razoável a Prefeitura, que permitiu por décadas o fechamento de ruas em centenas de vilas situadas na capital, comunicar agora que no escasso prazo de 5 (cinco) dias os interessados deverão comprovar a regularidade do fechamento da rua, sob pena de retirada imediata dos portões instalados, com base em decisão que sequer é definitiva?
Para a situação ora apresentada, tendo em vista que a permanência do fechamento das ruas certamente gera menos prejuízo que a sua retirada, prevalecendo o “direito à segurança pública”, o mais razoável seria aguardar o posicionamento final a respeito do tema, a ser dado pelo Colendo Supremo Tribunal Federal.
Por fim, importante destacar que, à parte da batalha judicial ainda em curso, a solução mais eficaz talvez seja as associações que representam as vilas se articularem para que uma nova norma regulando a matéria, de iniciativa do chefe do Poder Executivo Municipal, seja editada.
.
Karina Pinto Costa Mekhitarian. Advogada. Mestr e em Direito Ambiental pela PUC/SP. Professora de Direito Ambiental na Pós-Graduação do SENAC/SP, é coordenadora a área de Meio Ambiente e Infraestrutura do escritório Pinheiro Pedro Advogados.
Luciane Helena Vieira Pinheiro Pedro. Advogada formada pela USP. Especialista em Direito do Consumidor pela GVlaw (Fundação Getúlio Vargas) e em Direito Civil e Processo Civil pela EPD (Escola Paulista de Direito), com cursos de extensão universitária em Direito Processual Civil e Direito Ambiental, é sócia do escritório Pinheiro Pedro Advogados, onde coordena a área do Contencioso Cível e Trabalhista.
.
.
.
não consigo ver a data de publicação deste artigo.
também não encontro a data de quando será analisada o recurso feito pela camara juntamente com o procurador, frente ao stf para a decisão definitiva sobre o tratado.
O artigo é de 26 de março de 2015