Por Paulo de Bessa Antunes*
A sociedade brasileira está assistindo atônita às imensas queimadas que têm ocorrido na Amazônia e no Pantanal, perplexa com a inação do governo federal que abdicou de seu papel de coordenador das ações a serem desenvolvidas pelos estados e Municípios, bem como da desejada ajuda internacional para o combate da triste situação. Em meio ao caos, os três maiores bancos brasileiros[1] levantaram a voz em defesa da Amazônia e do Pantanal. Para muitos isto pode causar surpresa.
Entretanto, a indústria financeira, desde longa data, tem se preocupado com o problema. O Brasil, a Amazônia e os povos indígenas foram dos primeiros focos de preocupação dos Bancos com a questão. Na década de 80 (século passado), o governo brasileiro lançou o Projeto Polonoroeste que, dentre outras medidas, incluía o asfaltamento de 1.500 km da rodovia BR-364 entre Mato Grosso e Rondônia e o financiamento da agropecuária. O projeto de US$ 1,6 bilhão era financiado pelo governo brasileiro e pelo Banco Mundial [BM]. Diante dos evidentes impactos negativos do projeto e da forte pressão internacional, em fevereiro de 1985, o BM cancelou o desembolso do financiamento para garantir que salvaguardas socioambientais fossem implementadas, o que incluía a criação de Unidades de Conservação e a demarcação de Terras Indígenas. Encurralados, o governo brasileiro e o de Rondônia se viram obrigados a atender às demandas.[2]
Na Rio 92 foi lançada a Iniciativa Financeira do Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente [UNEP FI, da sigla em inglês] que, atualmente, congrega as maiores instituições mundiais das indústrias (1) financeira, (2) de seguros e de (3) investimentos[3]. É importante consignar que as instituições financeiras, cada vez mais, estão se voltando para temas que, em visão simplista, seriam “de esquerda” , tais como direitos humanos, qualidade ambiental, mudanças climáticas, igualdade de gêneros, combate à corrupção e tantos outros que, no momento presente, enfrentam enormes dificuldades em nosso país. Já em 2015, o UNEP FI lançou o livro Banks and Human Rights: A legal analysis [4]. Em relação a tal livro vale destacar que o Banco Central do Brasil foi citado com ênfase em função de seu pioneirismo na matéria.
Quanto aos empréstimos ao setor público, o BM adota [5] o Environmental and Social Framework (ESF) que, em sua composição, possui 10 (dez) padrões a serem observados[6] pelos mutuários. A Corporação Financeira Internacional [IFC da sigla em inglês], braço do BM voltado ao financiamento do setor privado, adota os chamados “Padrões de Desempenho sobre Sustentabilidade Socioambiental”[7], composto por 8 (oito) itens que são os seguintes: (1) Avaliação e Gestão de Riscos e Impactos Socioambientais; (2) Condições de Emprego e Trabalho; (3) Eficiência de Recursos e Prevenção da Poluição; (4) Saúde e Segurança da Comunidade; (5) Aquisição de Terra e Reassentamento Involuntário; (6) Conservação da Biodiversidade e Gestão Sustentável de Recursos Naturais Vivos; (7) Povos Indígenas Padrão de Desempenho e (8) Patrimônio Cultural. Evidentemente que “[a]lém de atender aos requisitos dos Padrões de Desempenho, os clientes devem cumprir as leis nacionais aplicáveis, incluindo aquelas que implementam as obrigações do país anfitrião no âmbito do direito internacional”.
As instituições financeiras privadas estão agrupadas nos chamados Princípios do Equador[8] que, basicamente, seguem as mesmas diretrizes da IFC. Merece destaque a lista ilustrativa dos potenciais assuntos socioambientais a serem tratados na documentação da Avaliação Socioambiental, onde se encontram, por exemplo, (1) avaliação de condições socioambientais de referência; (2) consideração de alternativas viáveis e preferíveis sob a ótica socioambiental; (3) requisitos legais do país anfitrião, bem como tratados e acordos internacionais aplicáveis; (4 ) proteção e conservação da biodiversidade (inclusive espécies ameaçadas e ecossistemas frágeis que estejam em habitats modificados, naturais, ou em Habitats Críticos) ou em situação crítica que tenham) e identificação de áreas protegidas pela legislação; (5) respeito aos direitos humanos agindo com due diligence para prevenir, mitigar e gerenciar impactos adversos sobre tais direitos; (6) consulta e participação de grupos afetados na concepção, revisão e implementação do Projeto; (7) impactos socioeconômicos; p)impactos sobre Comunidades Afetadas e grupos vulneráveis ou em posição de desvantagem; (8) gênero e impactos desproporcionais conforme o gênero; (9) aquisição de terras e reassentamento involuntário; (10) impactos sobre povos indígenas e seus valores e sistemas culturais únicos; (11 ) proteção do patrimônio e da propriedade culturais, dentre outros.
Parece evidente que a indústria financeira tem ampliado o seu interesse nas questões ambientais de forma consistente. Os motivos para isso são múltiplos, variando desde uma preocupação legítima com a qualidade ambiental até as crescentes perdas econômicas decorrentes do agravamento das condições ambientais do planeta. O Instituto Swiss Re informa que: “[g]lobalmente, as perdas econômicas causadas por desastres naturais e acidentes provocados pelo homem em 2019 foram de US$ 146 bilhões, abaixo dos US$ 176 bilhões em 2018 e da média anual anterior de 10 anos de US$ 212 bilhões. A indústria de seguros global cobriu US$ 60 bilhões do valor das perdas, em comparação com US$ 93 bilhões em 2018 e US$ 75 bilhões em média nos últimos 10 anos. Os riscos climáticos continuam sendo seguráveis, mas as seguradoras devem ter cuidado com os registros históricos de danos ao criar modelos de risco para levar em conta as tendências climáticas e socioeconômicas. Sem ação tangível imediata para lidar com o aumento das temperaturas, é provável que os sistemas climáticos atinjam pontos de ruptura irreversíveis.”[9]
A exposição acima demonstra que a preocupação com o meio ambiente está longe de ser uma atitude exclusiva de “ecologistas” ou da “esquerda” como toscamente tem sido divulgado por alguns setores extremamente atrasados da sociedade brasileira. A boa gestão do meio ambiente é fundamental para que a a economia possa se desenvolver de forma sustentável, pois parece evidente que toda atividade econômica se faz a partir da utilização de recursos naturais e, uma vez que estes estejam irremediavelmente perdidos, o mesmo acontecerá com a economia.
Vale a pena que se repita uma obviedade: ecologia e economia são duas palavras com o mesmo radical grego OIKOS: casa. Não há qualquer motivo racional para sejam tratadas como realidades distintas. A marcha para uma economia que incorpore critérios ambientais claros e seguros é a melhor maneira que temos para deter a verdadeira marcha da insensatez que temos observado com crescente preocupação. Lembre-se que “insensatez” é “a implementação de políticas contrárias ao próprio interesse da instituição ou do Estado envolvido. Auto interesse é qualquer política que conduz ao bem-estar ou vantagem do grupo sendo governado: insensatez é uma política que nestes termos é contra produtiva.”[10]
Logo, tem-se por claro que a implementação de políticas que não considerem como fundamental para a economia brasileira a firme proteção da floresta Amazônica e do Pantanal contra queimadas e desmatamento ilegais é completamente contra os interesses nacionais, servindo apenas para isolar o Brasil no cenário internacional, com graves prejuízos para a economia nacional e, consequentemente, para a nossa população que passa por momento muito grave, em função da pandemia da Covid 19.
Notas
[1] Disponível em < https://www.terra.com.br/noticias/brasil/maiores-bancos-privados-do-brasil-se-unem-em-defesa-da-amazonia,ee587d8126bfaa56b5314622067275993t81c7ex.html > acesso em 28/09/2020
[2] Disponível em < https://www.oeco.org.br/colunas/paulo-barreto/28085-conservacao-para-o-banco-mundial-ver/ > acesso em 28/09/2020
[3] Disponível em < https://www.unepfi.org/members/ > acesso em 28/09/2020
[4] Disponível em , https://www.unepfi.org/fileadmin/documents/BanksandHumanRights.pdf > acesso em 28/09/2020
[5] Disponível em< https://www.worldbank.org/en/projects-operations/environmental-and-social-framework > acesso em 28/09/2020
[6] Disponível em < https://www.worldbank.org/en/projects-operations/environmental-and-social-framework/brief/environmental-and-social-standards > acesso em 28/09/2020
[7] Disponível em < https://www.ifc.org/wps/wcm/connect/f2679b79-e082-4bc9-ae04-e5dbee83791d/PS_Portuguese_2012_Full-Document.pdf?MOD=AJPERES&CVID=jSD0tSw > acesso em 28/09/2020
[8] Disponível em < https://equator-principles.com/wp-content/uploads/2018/01/equator_principles_portuguese_2013.pdf > acesso em 28/09/2020
[9] Disponível em < https://www.swissre.com/brasil/artigos-publicacoes/catastrofes-naturales-en-tiempos-de-acumulacion-economica-y-riesgos-climaticos.html > acesso em 28/09/2020
[10] Disponível em < https://dowbor.org/2018/10/barbara-w-tuchman-the-march-of-folly-from-troy-to-vietnam-random-house-new-york-2014-a-marcha-da-insensatez-470-p.html/ > acesso em 28/09/2020
*Paulo de Bessa Antunes – Mestre e Doutor em Direito. Líder de Pesquisa Acadêmica cadastrada no CNPq. Visiting Scholar de Lewis and Clark College, Portland, Oregon. Professor adjunto de Direito Ambiental da Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (UNIRIO). Procurador regional da República (aposentado). Foi Presidente da Comissão Permanente de Direito Ambiental do Instituto dos Advogados Brasileiros. Ex-chefe da Assessoria Jurídica da Secretaria de Estado do Meio Ambiente do Estado do Rio de Janeiro. Sócio da prática de Direito Ambiental do Tauil & Chequer Advogados, advogado e parecerista em Direito Ambiental. Autor de diversos livros e artigos sobre Direito Ambiental.
Fonte: GenJuridico
Publicação Ambiente Legal, 20/10/2020
Edição: Ana A. Alencar