Por Talden Farias*
O controle ambiental é feito pelo estabelecimento genérico de padrões de qualidade ambiental, que dizem respeito a toda e qualquer atividade efetiva ou potencialmente poluidora, e por processos administrativos de concessão de atos autorizativos ambientais, a exemplo de licenças ambientais, autorizações ambientais e outorgas de recursos hídricos, os quais fazem a análise e compatibilidade dessas exigências ao caso concreto.
Contudo, é a fiscalização que deverá verificar a compatibilidade entre a legislação ambiental e as determinações do órgão ambiental e a realidade, de forma que essa atividade funciona como uma espécie de longa manus da chamada Administração Pública Ambiental, uma vez que realiza in locu o controle ambiental das atividades poluidoras e do território. É uma tarefa tão essencial à efetivação da Política Nacional do Meio Ambiente que a conduta de obstá-la ou dificultá-la foi tipificada como crime pela Lei 9.605/1998[1].
A fiscalização ambiental incumbe ao Poder Executivo, por meio de órgão da administração direta ou indireta, a depender do que dispõe a legislação de cada ente federativo. Sua atuação decorre do poder de polícia da Administração Pública[2], o qual diz respeito à supremacia do interesse público sobre o individual, fazendo com que as atividades privadas ou públicas possam sofrer restrições e conformações, de acordo com a legislação específica e com os critérios técnicos dos órgãos competentes. Seu fundamento jurídico é o caput do artigo 225 da Constituição de 1988, segundo o qual “todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações”.
Em matéria ambiental o assunto está disciplinado de forma genérica nos artigos 70 a 76 da Lei 9.605/1998 que, embora seja conhecida como Lei de Crimes Ambientais, também versa sobre a responsabilidade administrativa ambiental.
O intuito é garantir o cumprimento da legislação, dos padrões de qualidade e das condicionantes, o que deverá ocorrer tanto por meio de orientação prévia, haja vista o caráter didático da atividade, quanto por meio da aplicação de sanções administrativas ambientais, como embargo, multa simples, multa diária, suspensão etc.
Cumpre dizer que não existe discricionariedade quanto à aplicação dessas sanções, de forma que o agente fiscal é obrigado a aplicar a penalidade correspondente quando identificar a prática de qualquer infração administrativa ambiental, que segundo o caput do artigo 70 da Lei 9.605/1998 consiste em “toda ação ou omissão que viole as regras jurídicas de uso, gozo, promoção, proteção e recuperação do meio ambiente”.
Com efeito, o ato de fiscalizar implica a obrigação de impor sanções administrativas caso alguma infração seja identificada, afinal de contas pouco ou nada adiantaria possuir poder de polícia para fiscalizar sem a possibilidade de aplicar a punição correspondente.
Como não existe uma lei nacional disciplinando de forma detalhada as regras gerais para o exercício da atividade, as exigências variam conforme a realidade do órgão ambiental, uma vez que cada ente federativo possui autonomia para se auto-organizar. Isso gera tanto diferenças de terminologia, pois esse profissional pode ser chamado de agente ambiental, agente de fiscalização ambiental, fiscal ambiental, fiscal de meio ambiente, inspetor ambiental etc, quanto de requisitos formais, pois a depender do caso se exige nível superior, nível técnico ou mesmo nível inferior. Obviamente, também são enormes as variações de salário, de carreira e de estrutura.
É evidente que a atividade de licenciamento ambiental envolve uma complexidade técnica bem maior do que a da fiscalização, não sendo aleatório que aqueles profissionais possuem nível superior ao passo que estes muitas vezes não. Não é comum que os servidores do setor de licenciamento ou de outros setores, como de áreas protegidas, estudos ambientais ou projetos, participem da fiscalização, o que ocorre de forma excepcional e apenas quando houver uma relação direta desses setores com o assunto em questão. Isso significa que não se pode confundir a fiscalização comum ou de rotina com a vistoria técnica, que é realizada no âmbito do licenciamento ambiental pelos técnicos responsáveis pelo processo[3].
A respeito da legitimidade ativa, a fiscalização ambiental só poderá ser feita por servidores de órgãos ambientais integrantes do Sisnama [4] designados expressa e formalmente para essa atividade. A única exceção são os agentes da Capitania dos Portos, consoante determina o § 1º do art. 70 da Lei 9.605/1998[5]. Por essa redação, podem atuar os seguintes servidores de órgão ambiental: i) os concursados para o cargo de fiscal, ii) os concursados para outro cargo mas designados para a fiscalização e iii) os comissionados designados para a fiscalização. Por outro lado, não estariam aptos os terceirizados nem os servidores de órgãos não ambientais. Pela Lei Complementar 140/2022 a delegação de competência administrativa se daria somente entre os órgãos integrantes do Sisnama, de forma qualquer convênio realizado fora disso não poderia gerar efeitos jurídicos.
Já a legitimidade ativa diz respeito a qualquer pessoa física ou jurídica, de direito público ou privado, que desenvolva atividade capaz de interferir na qualidade ambiental. Com efeito, não pode haver restrições à atividade de fiscalização, seja em razão das pessoas ou das atividades desenvolvidas.
A despeito de a Lei 9.605/1998 não exigir expressamente que os fiscais ambientais sejam servidores efetivos, é óbvio que somente agentes de fiscalização concursados possuem autonomia e liberdade para fiscalizar e aplicar as penalidades cabíveis. Sem serem estáveis os fiscais ficam muito mais sujeitos a represálias e pressões de ordem política e econômica, sendo o concurso e a estabilidade do funcionário público garantias da eficiência do próprio serviço público e da proteção do meio ambiente. Demais, o certame também é uma forma de garantir a profissionalização e a propriedade técnica do fiscal ambiental, já que os mais capacitados é que devem ser selecionados.
É claro que a capacidade do fiscal não deve ficar apenas no concurso público, pois de tempo em tempos é preciso fazer cursos de capacitação e reciclagem, bem como de atualização normativa. É interessante que os órgãos ambientais interajam entre si, promovendo a troca de experiências e de projetos entre os seus profissionais, inclusive envolvendo as realidades e os níveis federativos mais distintos. Como costumam ser intensas as mudanças na área ambiental em termos de técnicas e de tecnologia, é preciso estar aprendendo e reaprendendo sempre, não podendo passar nem um ano sequer sem tal qualificação.
Afora a qualidade e a quantidade de fiscais, o investimento deve passar também pela aquisição de equipamentos, como automóveis (preferencialmente 4×4), computadores, decibelímetros, drones, lanchas (a depender da situação), softwares etc. A tecnologia deve ser encarada como uma aliada, mormente em se tratando de áreas distantes, inóspitas ou violentas.
Os gestores públicos precisam prestigiar a fiscalização ambiental, que é o elo de ligação entre a Política Nacional do Meio Ambiente e a sociedade. Sem um fiscalizar efetivo, os instrumentos de política ambiental, a exemplo do licenciamento ambiental, serão apenas uma mera formalidade, sem qualquer contribuição à qualidade de vida da coletividade.
Qualquer pessoa pode provocar o órgão ambiental, seja por e-mail, mídias sociais, telefone ou pessoalmente, não podendo os servidores envolvidos se furtarem à obrigação de investigar[6]. Isso não quer dizer que a atividade denunciada será necessariamente autuada, porque isso dependerá da constatação do cometimento da infração ambiental. Os fiscais só não poderão ignorar a denúncia sob pena de caracterização da prática do crime de descumprimento de obrigação de relevante interesse ambiental[7] e de seu enquadramento como poluidor indireto no caso de dano ocorrido ou agravado em razão de sua omissão[8]. A responsabilidade do fiscal é enorme, podendo ele responder por seus erros na esfera administrativa, cível e criminal, sem falar na possibilidade de cometimento de improbidade administrativa[9].
É interessante que o denunciante, que pode ser qualquer pessoa física ou jurídica, receba o protocolo ou outro comprovante tanto para poder acompanhar a reclamação quanto para fazer com que ela não seja ignorada. Há órgãos que aceitam denúncias anônimas, mas em princípio não existe uma determinação geral nesse sentido.
De qualquer maneira, tais órgãos são obrigados a divulgar em seu site oficial informações sobre as sanções administrativas aplicadas e a situação do respectivo processo administrativo[10]. Quanto maior a cobrança da sociedade e das instituições, mais atuante tende a ser a fiscalização ambiental, uma vez que ela também reflete os valores da coletividade.
[1] “Art. 69. Obstar ou dificultar a ação fiscalizadora do Poder Público no trato de questões ambientais: Pena – detenção, de um a três anos, e multa.”
[2] Código Tributário Nacional: “Art. 78. Considera-se poder de polícia atividade da administração pública que, limitando ou disciplinando direito, interesse ou liberdade, regula a prática de ato ou abstenção de fato, em razão de interesse público concernente à segurança, à higiene, à ordem, aos costumes, à disciplina da produção e do mercado, ao exercício de atividades econômicas dependentes de concessão ou autorização do Poder Público, à tranquilidade pública ou ao respeito à propriedade e aos direitos individuais ou coletivos”.
[3] A vistoria técnica é um dos procedimentos previstos no inciso III do art. 10 da Resolução 237/1997 do Conama. A sua ocorrência não é obrigatória, ficando a cargo do entendimento dos servidores responsáveis pelo processo de licenciamento ambiental.
[4] Lei 6.938/1981: “Art. 6º. Os órgãos e entidades da União, dos Estados, do Distrito Federal, dos Territórios e dos Municípios, bem como as fundações instituídas pelo Poder Público, responsáveis pela proteção e melhoria da qualidade ambiental, constituirão o Sistema Nacional do Meio Ambiente – Sisnama, assim estruturado: I – órgão superior: o Conselho de Governo, com a função de assessorar o Presidente da República na formulação da política nacional e nas diretrizes governamentais para o meio ambiente e os recursos ambientais; II – órgão consultivo e deliberativo: o Conselho Nacional do Meio Ambiente (Conama), com a finalidade de assessorar, estudar e propor ao Conselho de Governo, diretrizes de políticas governamentais para o meio ambiente e os recursos naturais e deliberar, no âmbito de sua competência, sobre normas e padrões compatíveis com o meio ambiente ecologicamente equilibrado e essencial à sadia qualidade de vida; III – órgão central: a Secretaria do Meio Ambiente da Presidência da República, com a finalidade de planejar, coordenar, supervisionar e controlar, como órgão federal, a política nacional e as diretrizes governamentais fixadas para o meio ambiente; IV – órgãos executores: o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis – Ibama e o Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade – Instituto Chico Mendes, com a finalidade de executar e fazer executar a política e as diretrizes governamentais fixadas para o meio ambiente, de acordo com as respectivas competências; V – Órgãos Seccionais: os órgãos ou entidades estaduais responsáveis pela execução de programas, projetos e pelo controle e fiscalização de atividades capazes de provocar a degradação ambiental; VI – Órgãos Locais: os órgãos ou entidades municipais, responsáveis pelo controle e fiscalização dessas atividades, nas suas respectivas jurisdições” (…).
[5] “Art. 70. Considera-se infração administrativa ambiental toda ação ou omissão que viole as regras jurídicas de uso, gozo, promoção, proteção e recuperação do meio ambiente. § 1º São autoridades competentes para lavrar auto de infração ambiental e instaurar processo administrativo os funcionários de órgãos ambientais integrantes do Sistema Nacional de Meio Ambiente — Sisnama, designados para as atividades de fiscalização, bem como os agentes das Capitanias dos Portos, do Ministério da Marinha”.
[6] Lei 9.605/1998: “Art. 70 (…) § 2º Qualquer pessoa, constatando infração ambiental, poderá dirigir representação às autoridades relacionadas no parágrafo anterior, para efeito do exercício do seu poder de polícia”.
[7] Lei 9.605/1998: “Art. 68. Deixar, aquele que tiver o dever legal ou contratual de fazê-lo, de cumprir obrigação de relevante interesse ambiental: Pena – detenção, de um a três anos, e multa. Parágrafo único. Se o crime é culposo, a pena é de três meses a um ano, sem prejuízo da multa” e “Art. 70 (…) § 3º A autoridade ambiental que tiver conhecimento de infração ambiental é obrigada a promover a sua apuração imediata, mediante processo administrativo próprio, sob pena de co-responsabilidade”.
[8] Lei 6.938/1981: “Art. 3º. Para os fins previstos nesta Lei, entende-se por: (…) II – degradação da qualidade ambiental, a alteração adversa das características do meio ambiente; III – poluição, a degradação da qualidade ambiental resultante de atividades que direta ou indiretamente: a) prejudiquem a saúde, a segurança e o bem-estar da população; b) criem condições adversas às atividades sociais e econômicas; c) afetem desfavoravelmente a biota; d) afetem as condições estéticas ou sanitárias do meio ambiente; e) lancem matérias ou energia em desacordo com os padrões ambientais estabelecidos; IV – poluidor, a pessoa física ou jurídica, de direito público ou privado, responsável, direta ou indiretamente, por atividade causadora de degradação ambiental” (…).
[9] Constituição Federal de 1988: “Art. 225 (…) § 3º As condutas e atividades consideradas lesivas ao meio ambiente sujeitarão os infratores, pessoas físicas ou jurídicas, a sanções penais e administrativas, independentemente da obrigação de reparar os danos causados”.
[10] Decreto 6.514/2008: “Art. 149. Os órgãos ambientais integrantes do Sistema Nacional do Meio Ambiente – SISNAMA ficam obrigados a dar, trimestralmente, publicidade das sanções administrativas aplicadas com fundamento neste Decreto: I – no Sistema Nacional de Informações Ambientais – SISNIMA, de que trata o art. 9º, inciso VII, da Lei n. 6.938, de 1981; e II – em seu sítio na rede mundial de computadores. Parágrafo único. Quando da publicação das listas, nos termos do caput, o órgão ambiental deverá, obrigatoriamente, informar se os processos estão julgados em definitivo ou encontram-se pendentes de julgamento ou recurso”.
*Talden Farias é advogado, consultor jurídico e professor da graduação e da pós-graduação (mestrado e doutorado) da UFPB e UFPE, pós-doutor e doutor em Direito da Cidade pela Uerj, membro do Instituto dos Advogados Brasileiros e vice-presidente da União Brasileira da Advocacia Ambiental.
Fonte: ConJur
Publicação Ambiente Legal, 21/05/2023
Edição: Ana Alves Alencar
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