Governo Federal cede forças militares e tropa nacional sem cuidar do arcabouço legal que deve protegê-las nas ações de controle territorial
Por Antonio Fernando Pinheiro Pedro
O presidente Michel Temer autorizou o envio de tropas do Exército para garantir a segurança no Rio Grande do Norte, vitimado por ataques a ônibus e prédios públicos em retaliação à instalação de bloqueadores de celular na Penitenciária Estadual de Parnamirim.
As tropas foram enviadas a pedido do próprio governador do Rio Grande do Norte, Robinson Faria.
A medida é uma resposta federal à incapacidade do governo estadual de conter as ações do crime organizado no território, ações essas que já resvalam para o terrorismo.
No estado do Rio de Janeiro, tropas federais encarregadas de manter a ordem durante os jogos olímpicos, deverão permanecer em alerta até as eleições municipais que ocorrerão no estado.
A medida ocorrerá por solicitação da justiça eleitoral, dada a falta de condições do policiamento estadual manter o controle territorial no período.
“Forças federais não são tapa-buraco”
O envio de tropas para o Rio Grande do Norte e para o Rio (ressalvada a excepcionalidade dos eventos internacionais) é uma dentre várias medidas similares adotadas nos últimos anos pelo governo federal, em apoio a várias situações de descontrole estadual, em várias unidades da federação – fato mais que suficiente para revelar que o Estado Brasileiro está sob risco efetivo de perder o controle territorial para a criminalidade.
Igualmente grave, também, é a falta de estrutura jurídica que blinde as ações do governo federal, em apoio aos estados. Isso sujeita as forças federais ao promotor da esquina, ao delegado de plantão, ao juiz do vilarejo – com todas as idiossincrasias ideológicas, subjetivas, políticas que isso pode significar para os soldados e policiais – tudo em prejuízo da incolumidade pública, do Estado de Direito e da confiabilidade da ação da autoridade federal.
A questão já mereceu, inclusive, alentado editorial no Jornal O Estado de São Paulo, e um artigo do Coronel PM da reserva, Luiz Flaviano Furtado, que denunciou a fragilidade institucional no uso das forças armadas como “tapa-buraco” da segurança pública no Brasil.
No Brasil, os governos estaduais não têm a dignidade moral de reconhecer sua dificuldade em conduzir a questão e, assim, não conveniam com a União de forma a transferir ou compartilhar material e formalmente o comando e a condução das ações de repressão à criminalidade e controle social, visando resolver o conflito.
Por isso mesmo, utilizam as forças federais como “quebra galho”, e isso não deveria ocorrer de forma alguma.
Irresponsabilidade, ignorância, hesitação e confusão
O fato é que governadores têm solicitado o uso do Exército e forças especiais no território de seus estados como quebra-galhos, sem reconhecer expressa e legalmente a crise. Não têm a grandeza de reconhecer a própria incapacidade de manter a Ordem Pública. Não abrem mão da zona de conforto política em que se encontram e, com isso, fragilizam a força federal.
Há uma grande confusão da federalização conveniada ou compartilhamento federal do controle temporário da segurança com o instrumento da intervenção federal nos estados. Com isso, as forças federais ficam reféns do limbo jurisdicional, inclusive com relação à tutela civil e penal sobre as ações da tropa.
Por outro lado, a cultura de considerar a intervenção federal uma violência política contra o estado, impede os próprios governadores estaduais de solicitar o ato, como aliás é facultado pela Constituição Federal, estabelecendo condições claras e específicas, inclusive no que tange á gestão, prazo e modo de ações.
De fato, não há como enviar forças federais para resolver uma crise de segurança na unidade federada estadual, sem que o comando da situação e o emprego das forças seja transferido à força federal.
Essa hesitação em adotar postura efetivamente prevista na Constituição Federal acaba obstruindo o compartilhamento do gerenciamento da segurança, das informações, a criação formal de um estado maior conjunto das forças federais e estaduais e, sobretudo, a tutela judiciária federal.
Não se pode submeter o militar interveniente à justiça comum. Sua ação em serviço há de estar tutelada pela Justiça Militar, e eventuais questões civis adstritas à justiça Federal.
A União é também culpada pela situação, porque cede as forças como se estivesse jogando “bafinho” com os governos estaduais.
Intervenção, convênio ou Estado de Defesa
Portanto, ou há intervenção federal quando houver crise de segurança nos estados, ou a força militar de intervenção enxugará gelo…
A hesitação dos governos estaduais em solicitar ações conveniadas ou requerer a intervenção para finalidade de recompor a Ordem Pública, justifica a tese da necessidade, em certos casos, da própria chefia executivo federal tomar as rédeas da questão e decretar o Estado de Defesa, em extensão territorial e atribuições delimitadas em decreto.
Em recente diálogo em redes sociais, o Coronel PM da Reserva João Carlos Pelissari, de São |Paulo, declarou que deveria haver “coragem política em certas situações, quando francamente um grupo não-estatal utiliza força dentro de um território nacional – da decretação de Estado de Defesa. Essa medida traria em si mecanismos eficazes a fim de retomar o controle estatal da ordem e fazer a sociedade voltar à normalidade legal e de convivência”. “O Brasil precisa parar de achar que grupos organizados com fins criminosos e armados com aparato de guerra são criminosos comuns, ‘batedores de carteira’, e começar a tratá-los como realmente são: terroristas!”, completou o oficial.
A posição firme do experiente policial militar aponta para uma ação constitucional bastante dura, mas perfeitamente viável.
O leque constitucional, desta forma se amplia.
Assim, quando o emprego exigir força propriamente militar, da União, que fique claro, deverá ocorrer:
a) necessidade de solicitação formal do governo estadual, solicitando a intervenção;
b) elaboração de mecanismo conveniado que implique em mecanismos de blindagem, tutela e proteção às forças federais envolvidas; ou
c) em caso extremo, decretação criteriosa do Estado de Defesa, tutela da Justiça Militar Federal e transferência do comando das ações para o Exército.
Em todos esses mecanismos, constitucionalmente previstos, há possibilidade de mesclarem-se instrumentos e articular um Estado Maior Conjunto com forças federais e locais.
Uma coisa é certa: a União deve exigir isso. Não pode mais se omitir de fazê-lo e jogar as forças federais “aos cães” ou ” leões” da política local, da jusburocracia comum, e da imprensa engajada.
Doutrina da Segurança Nacional
Quanto à ideia que volta à tona, de considerar os assaltos, manifestações e depredações violentas de rua, como terrorismo, sem um criterioso apoio da inteligência, pode fazer a autoridade voltar ao passado.
O erro da antiga Doutrina de Segurança Nacional, foi justamente esse: misturar dissidentes políticos, terroristas e paramilitares com assaltantes de banco (à época). Essa confusão, aliás, vista hoje de uma perspectiva histórica, atesta o fenômeno da contaminação recíproca entre as partes, de modo que o crime veio a se organizar politicamente enquanto políticos formaram organizações criminosas…
A Lei 7.170, de 1983. que define os crimes contra a segurança nacional, a ordem política e social e estabelece seu processo e julgamento ainda vigora e, embora conflite com a Constituição Federal em tempos de paz, se presta a servir de instrumento aplicável nos períodos excepcionais previstos na Carta.
Seria possível a superação de barreiras ideológicas que não mais se justificam para reformar o marco legal e ajustá-lo aos demais diplomas hoje em vigor, relativos ao crime organizado e ao terrorismo.
Portanto, é preciso agir com instrumentos específicos de combate ao crime organizado e ao terrorismo, sem abrir mão da análise quanto aos aspectos do paramilitarismo e do risco ao Estado de Direito em cada uma das ações.
Temos, ademais, instrumentos legais disponíveis e outros já no “prelo”, no legislativo federal. Por exemplo, há projeto de lei restaurando a competência da Justiça Militar Estadual para tratar de homicídio e lesões em condutas impropriamente militares, como é o caso das ações de prevenção, repressão e policiamento efetuadas pela Força Nacional de Segurança – formada por policiais militares de várias unidades federadas.
No caso do terrorismo, no entanto, é preciso toda uma construção conceitual que permita o arranjo legal necessário, transferindo competência do exame das ações CONTRATERRORISTAS para forças especiais federais e a tutela dos conflitos decorrentes das ações para Justiça Militar ou vara especializada federal.
Nesse caso específico, há uma diferenciação importante: ação contra-terrorista não se confunde com medidas anti-terroristas…
E… sim, há momentos em que o crime organizado resvala ou mergulha no terrorismo – e nesse caso, considerar a eliminação do agente em ação é uma prioridade. É preciso, então, renovar a compreensão da Segurança Nacional.
O Estado, portanto, não pode hesitar.
Fontes:
http://opiniao.estadao.com.br/noticias/geral,militares-e-seguranca-publica,10000067471
https://www.ambientelegal.com.br/forcas-federais-nos-estados-inseguranca-publica-e-inseguranca-juridica/
http://www.theeagleview.com.br/2015/09/paramilitarismo-direito-e-conflitos-de.html
Antonio Fernando Pinheiro Pedro é advogado (USP), jornalista e consultor ambiental. Sócio diretor do escritório Pinheiro Pedro Advogados, integra o Green Economy Task Force da Câmara de Comércio Internacional. Membro do Instituto dos Advogados Brasileiros – IAB, membro da Comissão de Infraestrutura e Sustentabilidade e da Comissão de Política Criminal e Penitenciária da Ordem dos Advogados do Brasil – Secção São Paulo (OAB/SP). Editor-Chefe do Portal Ambiente Legal. Responde pelo blog The Eagle View.
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