Por Mario Mantovani e Rafael Bitante Fernandes
Após cinco anos da aprovação do chamado novo Código Florestal (Lei 12.651/2012), começam a vingar alguns frutos de um de seus instrumentos, o Cadastro Ambiental Rural (CAR), sistema online no qual o proprietário rural demarca manualmente, e de forma voluntária, nascentes, corpos d’água, reserva legal e área consolidada (área do imóvel rural com ocupação resultante da ação humana preexistente a 22 de julho de 2008).
Até o momento, o Sistema Nacional de Cadastro Ambiental Rural (Sicar) tem cumprido seu papel. Já são cerca de 3,2 milhões de propriedades cadastradas, abrangendo uma área de mais de 405 milhões hectares. Partindo desses números, é necessária uma análise um pouco mais profunda desse instrumento.
Inicialmente, é louvável a acessibilidade à informação. Os dados são públicos e, só por isso, é possível fazer a presente análise. Todos os dados citados estão disponíveis e são atualizados periodicamente no site do Serviço Florestal Brasileiro, órgão do Ministério do Meio Ambiente responsável pela iniciativa.
Ao acessarmos os relatórios públicos, a primeira informação que salta aos olhos é referente à área total cadastrada, que é superior a 100% da área passível de cadastramento. Mas como isso é possível – possuímos mais terras do que imaginávamos?
O que acontece é a referência usada para esta análise, já que os dados utilizados são estimados com base no Censo Agropecuário 2006 (IBGE) e nas atualizações do Distrito Federal e dos estados do Amapá, Amazonas, Espírito Santo, Pará e Mato Grosso.
Frente às limitações desse censo, não seria sensato afirmarmos que a etapa do cadastramento está superada. Somado a essa problemática, há ainda as inconsistências do próprio sistema, no qual não é incomum observar a sobreposição de áreas cadastradas por diferentes proprietários, registradas mais de uma vez ou dentro do domínio de Unidades de Conservação, entre outros possíveis erros, sejam estes intencionais ou acidentais.
Coloque-se na posição de alguém fazendo o cadastro: em algum momento, um mapa surge na tela do computador e com alguns clicks, aparece a imagem muito próxima da sua propriedade. Deste ponto em diante, você seleciona o que pretende marcar, como, por exemplo, a área de vegetação nativa, e segue desenhando o polígono na imagem. Esses dados também podem ser inseridos com toda precisão possível, entretanto é necessário possuir os arquivos digitais de informações geoespacializados, algo que poucos proprietários detêm.
Sendo assim, são inconsequentes aqueles que afirmam que há muita ou pouca vegetação nativa remanescente apenas com base nos dados do Cadastro Ambiental Rural. Pior ainda quando trazem à tona recortes regionais tendenciosos que não expressam todas as realidades existentes. Não podemos fazer do uso de informações ainda não validadas um jogo de apostas. Afinal, muitas regiões seguem desprovidas de vegetação nativa e dos benefícios que ela gera para a sociedade.
Não poderíamos deixar de lembrar dos compromissos assumidos pelo país internacionalmente. Durante a Conferência de Biodiversidade da Organização das Nações Unidas, realizada em novembro de 2016, no México, o Brasil anunciou a adesão ao Desafio de Bonn e à Iniciativa 20×20, com a meta de restaurar 12 milhões de hectares de florestas e implementar 5 milhões de hectares de sistemas com integração entre lavoura, pecuária e floresta, ambos até 2030, além de recuperar mais de 5 milhões de pastagens degradadas até 2020, tudo isso vinculado também ao o Acordo de Paris sobre mudanças climáticas.
Mesmo em um cenário otimista, considerando todas as áreas cadastradas como de vegetação nativa nas propriedades rurais, ainda serão necessários outros esforços para entender a qualidade dessa vegetação e verificar se essas áreas realmente cumprem o seu objetivo de preservar a biodiversidade e serviços ambientais.
O prazo estabelecido originalmente no Código Florestal para que todas as propriedades rurais do Brasil fossem inseridas no CAR era maio de 2015, o que foi prorrogado para maio de 2016, depois para maio de 2017 e, por fim, para 31 de dezembro de 2017. Mesmo assim, tramitam no Congresso Nacional diversos projetos de lei que buscam estender ainda mais esse prazo, como o PL 4550/16, de relatoria do deputado Valdir Colatto (PMDB/SC), já aprovado pela Comissão de Agricultura, Pecuária, Abastecimento e Desenvolvimento Rural da Câmara dos Deputados e que agora está na pauta para votação da Comissão de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável.
O Código Florestal estabelece que encerrado o prazo do CAR, ou seja, a partir de 1º de janeiro de 2018, serão iniciados os bloqueios de financiamentos e créditos a produtores que não aderirem ao cadastro. Portanto, há quem interessa prorrogar ainda mais os prazos desse instrumento que já apresenta tantos benefícios para a sociedade?
Muitos dos programas e investimentos direcionados à restauração florestal, e ao cumprimento de metas internacionais assumidas pelo país, estão diretamente vinculados ao CAR, o que faz dele uma etapa decisiva nesse processo. Ou seja, não há mais tempo para prorrogações. Agora é hora de investir na segunda etapa desse sistema, que é a validação das informações. Deste ponto em diante, técnicos capacitados, com auxílio de software de análise de imagens, verificarão e validarão cada um dos cadastros. Aqueles com pendencias serão notificados e terão prazo para ajustes ou justificativas. Concluída esta fase, só então será possível ter a dimensão da real área ocupada pelo ativo da vegetação nativa – ou falta dela, portanto, sujeita à restauração – em posse dos proprietários de terra no Brasil.
Os frutos do novo Código Florestal e seus instrumentos estão surgindo e sendo cultivados, mas ainda é cedo para nos saborearmos.
Fonte: SOSMA
Seria muito bom se o CAR realmente fosse feito por proprietários das terras, pois qualquer grileiro faz o CAR e diz que é dono e coloca área onde não é desmatada como sendo desmatada… acho que é necessário que a pessoa que faz o CAR mostre uma escritura e registro…