GERAÇÕES
Por Alfredo Attié
Há intelectuais a favor e intelectuais contra o impeachment – será que um intelectual de verdade aprecia essa denominação rotular? Será que a honestidade intelectual ainda autoriza essa dintinção entre “intelectual” e “gente comum”?
Acho triste que isso persista.
Esse tipo de intelectualidade está envelhecendo no ritmo das classificações obsoletas.
Claro que ainda encontro, nos corredores e nas salas de aula, e na mídia, gente de idade jpvem, que gosta de confirmar e reinventar essa distância, esse protocolo de proteção contra a crítica, mais do que social, popular, eu diria democrática.
Mas o que tenho notado é uma tendência da “velhice” no curso de todo esse debate em torno dessa figura, de resto também velha, que ocupa a chefia do Poder Executivo.
Pessoalmente, acho que, em face da ausência de qualidades da pretensa senhora da gramática dos gêneros substantivos, gente, de sua feita, de qualidade. está desperdiçando velas com má defunta.
Intelectuais importantes, mas envelhecidos, degladiam-se pela permanência de um modelo que ajudaram a organizar (o estrutural da chamada “Nova República” e o conjuntural do chamado “Presidencialismo de Coalizão”). São responsáveis por esse modelo – talvez se sintam constrangidos ou, mais provavelmente, orgulhosos do que fizeram ou ajudaram a fazer, mais francamente, puderam fazer, no embate de ideias da “Transição Democrática”, no mais “lenta, segura, gradual”, do processo quasi-constituinte pós-Ditadura Civil-Militar.
Nessa transição, houve a convivência imposta (pela sucessiva reafirmação da anistia – de resto ilegal, em face do Regime Internacional e do Regime Interamericano dos Direitos Humanos) dos intelectuais que buscavam a democratização (que, hoje representam essa categoria que proponho respeitosamente, de “Intelectualidade Envelhecida”) e dos intelectuais do regime ditatorial (cuja truculência estava longe de apontar qualquer vocação verdadeiramente intelectual, sequer de capacidade de efetiva convivência).
Engoliu a Intelectualidade Envelhecida o guarda-chuva molhado do pacto com os representanstes anistiados dos ditadores anistiados. E ofereceu às classes médias brasileiras e às jovens gerações a lição da conciliação do possível, da tolerância com os opressores, os violadores dos Direitos Humanos. Sem revisão, sem um processo coletivo e democrático de avaliação, perdão ou punição.
A política, no dizer de um dos representantes dessa Intelectualidade – que foi Presidente e um dos artífices desses regimes – passou a ser a política do possível e não do desejável. O horizonte da política se mediocrizou. Pior, tornou-se um processo de crescente mediocrização – qual qualificativo caberia melhor à recém reeleita chefe do Executivo, se não for o de medíocre?
Liberou-se o recurso das coalizações possíveis, sob o pretexto de serem as “menos ruins”, as “menos rejeitáveis”.
Abandonou-se o sonho da vida melhor, trocado pelo epíteto de fazer apenas o possível: oferecer o prédio da escola, mas não a educação; o hospital, sem saúde; o programa de incentivo, sem a cultura.
Com relação à segurança, a política das alianças possíveis foi ainda mais cruel: preservou o sistema de segurança do Estado, a militarização das polícias, ainda forças de reserva das Forças Armadas.
O resultado: em Junho de 2013 – um movimento que, lamentavelmente passou, esmagado pelo rolo compressor da política do possível – o povo reapareceu, por desejar a realização da promessa da democracia (participação na construção da política dos desejos, da existência dos conteúdos das políticas públicas e não de suas formas demagógicas e eleitoreiras, de satisfação de estatísticas ocas de significado).
A resposta do Estado brasileiro foi a de uma política de opressão e criminalização dos movimentos populares, por meio das polícias estaduais, coordenadas pelo Ministério (ironicamente chamado) da Justiça.
E tudo isso sem qualquer demonstração de dor na consciência dos Governantes (Federal e Estaduais).
Agora, porém, vem a Intelectualidade Envelhecida, em doses homeopáticas, encaminhar uma mensagem de… medo.
Sim, esses que nos ajudaram a superar o medo da transição e engendraram os regimes que referi, agora temem pelo advento de alguma coisa que não sabem definir a não ser com termos conservadores (da política) e ultrapassados (da ciência da política). Algo como: não mexam nas peças do tabuleiro sob pena de comprometerem as regras do jogo. Ou, em termos mais chãos, mais “pasta fora do dentifrício”, não tirem as pessoas, que as instituições estarão em risco.
Risco de quê?
Aqui, bate o ponto.
O risco é de esfacelamento dos regimes. O medo é de que a política do desejável escancare as mazelas da política dos compromissos inexplicáveis, das incoerências (anti-democráticas).
Observem os nomes: todos os investigados pertencem à mesma coalizão no poder.
Claro, aguns dizem, por preguiça de raciocínio, o óbvio: se estivessem os da outra coalizão (hoje, oposição), seria do memo jeito.
Claro que sim: a Nova República e o Presidencialismo de Coalização autorizaram os abusos a que assistimos, para não variar, “abestalhados”.
As instituições de controle estão melhores? Claro que sim. Por virtude de uma parcela da regulação do regime da Nova República que não envelheceu, mas se atualizou e se aperfeiçoou. Mas ainda há o que fazer, para mellhorar Governo e Controle.
Mas os regimes não permitem.
No manifesto recente de intelectuais – que continuo a respeitar, mas aos quais ninguém pode dedicar cega devoção – aparece esse paradoxo: falam em preservar instituições democráticas (correto!), mas condicionam isso, com o que concordo, à manutenção de uma pessoa (equívoco, pois é paradoxal querer dizer de solidez institucional, que dependa de uma figura, seja ela quem for).
O erro é de lógica, é de política, é de história.
Eu gostaria de ver realizado o sonho da renovação.
Talvez o nosso sistema educacional ( e seus velhos vícios) tenha impedido a renovação.
As velhas vozes e sua experiência e sabedoria são importantes e devem permanecer.
Mas não devem inibir a força das gerações presentes e futuras.
A pergunta é: qual é a força presente?
Alfredo Attié, bacharel e mestre em direito, doutor em filosofia (USP), é magistrado do Tribunal de Justiça de São Paulo – TJSP.
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