A certeza moral revela o comportamento do tirano
Por Antonio Fernando Pinheiro Pedro*
A falta de humanidade na gestão ambiental urbana gera distorções e dá origem à violência.
Desumanização da gestão pública
O biocentrismo (do grego βιος, bios, “vida”; e κέντρον, kentron, “centro”) é uma concepção segundo a qual todas as formas de vida são igualmente importantes – a humanidade não é o centro da existência e sim mais um componente dentre os elementos e forças diversas do universo.
Como toda concepção humana, no entanto, o biocentrismo não é fórmula perfeita e, não raro, produz comportamentos messianicos com efeitos perversos e desumanizadores – principalmente quando se projeta nos componentes da burocracia, da tutela de interesses difusos e da gestão ambiental brasileira.
É o que ocorre hoje com algumas lideranças ambientalistas, técnicos, promotores e juízes, que admitiram a doutrina sem críticas e foram vitimados pela droga imbecilizante que torna insensível todo indivíduo que a consome.
Como concepção moralmente confortável, o biocentrismo atua como verdadeiro “alucinógeno” social – deixa seus consumidores embevecidos com a ilusão de estarem praticando um bem para um mundo utópico, limpo, preservado e… desprovido de gente. Essa postura torna praticamente insuportável a convivência democrática entre partes e operadores do direito.
A perda de foco sobre o objeto a ser tutelado
De fato, o biocentrismo e impede a busca por uma justiça humana, na resolução dos conflitos humanos, mormente quando decorrem da aplicação de nossas leis “ambientalmente corretas” à dura realidade brasileira.
Ocorre algo como um autismo social, cujo efeito é complexo – distorce o sentido hermenêutico e exegético da norma legal – ou seja, o cenário, o contexto em que a lei se insere e o escopo, o objetivo social de sua aplicação.
Essa distorção ideocrática destrói o conceito jurídico de ambiente ecologicamente equilibrado, como um bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, que devemos proteger para as presentes e futuras gerações (humanas)- como reza nossa Constituição Federal.
De fato, todo equilíbrio é dinâmico – está inserido no complexo processo de interação entre a atividade antrópica e os recursos naturais e artificiais por ela consumidos, impactados ou modificados.
O patrimônio legal tutelado constitui-se de dinâmicos e complexos processos de interação. Esse patrimônio não se confunde com um meio ambiente idílico, um processo ecológico visto isoladamente, um ambiente segregado do mundo tecnológico que o cerca, um quadro bucólico pintado academicamente – pregado na parede da sala de trabalho do promotor de justiça.
Muito menos se confunde, esse patrimônio ambiental, com o aquário mantido a custo de energia e esforço humanos – para manter seu equilíbrio biológico, numa recepção de um escritório qualquer – ainda que quem o observe o entenda como algo preservado e não conservado.
Assim como os dinossauros já dominaram o mundo, por milhões de anos, o ambiente que hoje presenciamos também desaparecerá inexoravelmente, por ação antrópica, cósmica, geomórfica, química ou biológica. É da vida, é da física, estejam elas onde estiverem…
O que nos compete é buscar, uma melhor qualidade de vida para todos nós – humanos, pois não fazemos e nem pretendemos fazer leis para a natureza em que estamos inseridos – isso é tarefa sobre-humana, é prerrogativa de Deus.
A Organização das Nações Unidas, em todas as declarações de princípios estatuídas sobre a causa ambiental, sempre asseverou sua preocupação humanista com a questão, ainda que objetivasse pontualmente a preservação de espécies, da biodiversidade ou da conservação de matas.
Os efeitos nefastos para a ordem pública
Biocentristas costumam propositadamente confundir o viés humanista estatuído pela ONU com o que entendem ser um famigerado “antropocentrismo”, intentando datar e estigmatizar o humanismo desenvolvimentista, construindo a partir daí falsa polêmica.
Na verdade, não há como excluir preservação das espécies e conservação da natureza da busca pelo Desenvolvimento Sustentável. Também, não há Desenvolvimento Sustentável sem humanismo e Democracia.
Nisso reside a ruína do biocentrismo: desprezar a diversidade de ideias e posicionamentos humanos e não reconhecer o pluralismo democrático como esteio para a resolução dos conflitos.
Vem daí a ação nefasta de grupos organizados que corroem diuturnamente as bases do desenvolvimento econômico e social brasileiro, impedindo melhorias essenciais na infraestrutura do país, alterações urbanísticas que permitam a mobilidade e a regularização fundiária nas cidades e, principalmente, ações que efetivamente reduzam a violência.
- o exemplo nefasto na infraestrutura
A crise do apagão na Índia, em 2012, deveria ter servido como exemplo para demonstrar que, no que depender de nossos biocentristas, nossa situação será similar.
De fato, o atraso absurdo na composição da nova estrutura projetada para a geração de energia nacional e reservação de água, se deve em grande parte às indefinições de ordem ambiental, provocadas pela infestação de preocupações biocêntricas no bojo da nossa Administração Pública.
- o efeito nefasto na questão fundiária indigenista
O conflito provocado pela insistência de organizações indígenas, Ministério Público e FUNAI, por exemplo, em desobedecer ao entendimento constitucional já estatuído pelo próprio Supremo Tribunal Federal, é outro exemplo.
A pretexto de “preservar Nações Indígenas” (em evidente negativa à doutrina de Rondon estatuída na lei), a entidade federal fere de forma sistemática o princípio do respeito às terras tradicionalmente ocupadas e, contrario sensu, despreza propriedades já consolidadas, ainda que constituídas em terras “pretendidas”, embora não ocupadas de fato por índios.
Ainda que neguem seus protagonistas, o movimento atenta contra a própria soberania nacional e constitui outra faceta perversa desta moeda biocentrista.
O fato é que o exemplo acima em nada ajuda à causa indigenista e apenas expõe populações indígenas à violência, tudo a troco de verbas e ingerências internacionais – cujas motivações muitas vezes são inconfessáveis.
- o efeito nefasto na produção agrícola
No campo da produção agrícola, verificou-se uma batalha intensa, a partir da famigerada Medida Provisória de 2001, que desfigurou completamente o Código Florestal, levando o Congresso Nacional a tentar pôr as coisas em ordem, no que se vê, agora, combatido por hordas de Biocentristas pouco interessadas em resolver o conflito e, sim, preocupadas em incendiar o agronegócio brasileiro, favorecendo interesses internacionais de grande monta, em desfavor de nossa economia – simples assim.
O Incremento à violência urbana
Por fim, nas cidades brasileiras é que o biocentrismo leviano e fascista provoca os maiores danos.
O maior exemplo vem do combate sistemático dos biocentristas a administradores urbanos.
Com efeito, após doze anos de luta intensa no Congresso Nacional e mais doze anos de busca por sua implementação, ainda observamos o Estatuto da Cidade engatinhar, pulverizado por conflitos judiciais e administrativos de toda ordem, querelas mesquinhas e disputas por “incompetências” concorrentes e comuns, advindos de interpretações histriônicas e desprovidas de qualquer sensibilidade social.
O efeito é a obstrução da autonomia municipal para gerir o meio ambiente urbano, regularizar ocupações em áreas ambientalmente sensíveis, instituir programas habitacionais, rasgar ruas e avenidas, retificar cursos d´água, implantar aparelhos urbanos essenciais, alterar modais logísticos, ou mesmo operar melhorias para combater a degradação social e humana.
O resultado da causa biocentrista urbanoide está na corrupção endêmica, ocasionada principalmente pela falta de diretrizes claras, objetivas e aplicáveis no planejamento urbano. A febre legiferante ambientalista pereniza a venda de facilidades, por criar contínuas dificuldades, atrapalhar o desenvolvimento de atividades de toda ordem e burocratizar ao máximo a vida do cidadão comum.
A judicialização dos conflitos administrativos urbanos deforma o equilíbrio dos Poderes da República, transfere a vontade política para o judiciário e, com isso, despreza absolutamente a vontade e a soberania popular.
Terminamos todos, não mais exercendo a gestão ambiental e, sim, gerindo a violência urbana.
Graças aos quixotes biocentristas de plantão, presta a gestão pública, hoje, um excelente desserviço à causa do Desenvolvimento Sustentável.
É hora de repensarmos tudo isso…
*Antonio Fernando Pinheiro Pedro é advogado (USP), jornalista e consultor ambiental. Integrante do Green Economy Task Force da Câmara de Comércio Internacional, membro da Comissão de Direito Ambiental do Instituto dos Advogados Brasileiros – IAB e da Comissão Nacional de Direito Ambiental do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil – OAB. É Editor- Chefe do Portal Ambiente Legal e responsável pelo blog The Eagle View.