Mineradora faz marketing com o desastre de Mariana…
Por Antonio Fernando Pinheiro Pedro
A SAMARCO, controlada pela VALE, iniciou uma campanha publicitária, nas rádios e TVs de Minas e Espírito Santo, falando de sua atuação em quarenta anos de funcionamento no Brasil – uma “campanha de comunicação” exatos trinta dias após emporcalhar a quinta maior bacia hídrica do Brasil, ocasionando um dos maiores desastres ambientais do mundo com o rompimento de sua barragem de rejeito de minérios.
Responde a empresa poluidora, à sociedade, não com ações concretas para sanar os danos que provocou mas, sim, com uma campanha de marketing.
Esse é a cara da desumanidade praticada contra o equilíbrio ambiental no Brasil, em nome do lucro. Um exemplo típico de governança corporativa, apenas para “inglês ver”…
No macrocosmos da mída, o marketing estimulado pela impunidade. No microcosmos do dia a dia do relacionamento com os atingidos pela tragédia, a arrogância em forma de marketing, como é o caso do midiático programa “ESCUTA SOCIAL”, lançado pela mineradora no intuito de apurar a situação das vítimas do desastre…
Foi no tal “Escuta Social” que ocorreu o notório caso da aposentada Tófila Romualdo, a dona Cenita, que resolveu solicitar uma máquina de lavar roupa, em substituição á que fora destruída pela lama da Samarco. Ao ser atendida pela assistente social, foi a referida senhora surpreendida com a exigência de ter que apresentar um atestado médico que indicasse que ela não poderia lavar e torcer a roupa no tanque. O caso é indicativo do perverso grau de burocratização e subjetividades, imposto a quem já se encontra devidamente esmagado pelo peso da arrogância corporativa em forma de lama.
Governança corporativa em forma de marketing… talvez para aparecer e parecer, sem verdadeiramente ser?
Não sei porque, mas, me lembrei de um caso ocorrido alguns anos atrás, quando uma grande empresa de prestação de serviços foi envolvida em um escândalo de assédio moral que culminou no suicídio de uma estagiária.
Em vez de vir a público dar alguma satisfação, atender a família destruída, etc, tratou a dita empresa de investir… em marketing. Buscou premiações e propagandeou o quanto cuidava de prestigiar as profissionais femininas que ali trabalhavam (tratou, também, de conchavar no varejo, constranger e calar quem demonstrava revolta com o fato)…
Enfim, um nojo de atitude e um exemplo de absoluta falta de ética, caráter e humanidade corporativa.
O que se observa, no caso da SAMARCO ( possivelmente orientada pela VALE), é muito próximo – até parece que se espelharam naquele caso.
Aliás, no caso da VALE, a declaração emitida em entrevista coletiva organizada pela empresa no dia 27 de novembro de 2015, a respeito do caso, é o retrato da reação mal conduzida da liderança empresarial.
De fato, imperdoável a afirmação de que “a responsabilidade do ponto de vista ambiental é subsidiária, não é solidária”, proferida pelo representante da VALE, com referência às indenizações pelo maior desastre ambiental da nossa história.
Até as pedras recobertas da lama da samarco, no litoral do Espírito Santo, sabem que a responsabilidade civil ambiental é OBJETIVA ( independe de culpa contratual ou extra contratual) e, portanto, SOLIDÁRIA ( o Poder Público pode exigir indenização de TODOS ao mesmo tempo ou mesmo escolher um…). A fala absurda é fruto da arrogância que domina o mundinho “empresarial” brasileiro, poluído pela impunidade…
Revelou, a maior investidora da SAMARCO, ignorância da lei e, o que é mais vergonhoso, definiu uma postura pífia, atropelada pela avalanche dos fatos que se seguiram e ainda seguem – tais como a ação civil de indenização proposta pela União Federal e estados contra as TRÊS responsáveis pelo desastre: SAMARCO, BHP e VALE.
Pois é… onde estará a tal “subsidiariedade” proclamada?…
O fato é que o grupo destruiu vidas, famílias, o meio ambiente, toda uma bacia hídrica, não atende a população como deveria, não age com transparência, se encolhe covardemente ante a enxurrada de ações e manifestações e, em contrapartida, gasta MILHÕES em… propaganda e marketing.
Essa é a cara do Brasil… e da lama do Brasil !
Detalhe que não quer calar: ninguém foi demitido, não houve qualquer punição… ninguém sequer foi removido de função, seja na área pública, seja nesse exemplo de governança corporativa fornecido pelas mineradoras.
O grave é que desaprenderam, todos, que as corporações ficam… as direções passam. Portanto, não há que se confundir os interesses sociais da corporação, com os interesses políticos de ocasião de sua diretoria.
Se essa confusão ocorre, quem irá pagar por isso é a corporação. Daí a importância de se adotar medidas transparentes e, às vezes, duras, com relação ao corpo funcional diretamente envolvido no desastre.
Se assim é, e não houve qualquer atitude de mudança, pelo visto fizeram todos o que fizeram, muito bem feito…
O que se faz, nessa lama de governança, é escarnecer da população sofrida do Vale do Rio Doce. É produzir um dano moral coletivo de proporções iguais ao dano ambiental perpetrado na bacia.
“Confere produção”?
Antonio Fernando Pinheiro Pedro é advogado (USP), jornalista e consultor ambiental. Sócio diretor do escritório Pinheiro Pedro Advogados. Integrante do Green Economy Task Force da Câmara de Comércio Internacional, membro da Comissão de Direito Ambiental do Instituto dos Advogados Brasileiros – IAB e da Comissão Nacional de Direito Ambiental do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil – OAB. É Editor- Chefe do Portal Ambiente Legal, do Mural Eletrônico DAZIBAO e responsável pelo blog The Eagle View.
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