Sem saneamento básico, estamos enxugando gêlo…
Por Ana Alencar e Antonio Fernando Pinheiro Pedro
Estamos enfrentando uma pandemia de grandes proporções, no entanto nosso maior problema não é o inimigo – o inseto transmissor das doenças e, sim, as indefinições políticas, as falhas estruturais, o saneamento e a falta de atitude.
O INIMIGO PÚBLICO NÚMERO UM
Desde maio de 2015, o zika vírus tem causado preocupação na classe médica, científica e principalmente na população brasileira.
O zika vírus, é transmitido pela picada do mosquito Aedes aegypti. Diferente do vírus da dengue e do chikungunya, também transmitidos pelo mesmo veículo – o Aedes, o zika invade o sistema neurológico e o reprodutor feminino, causando microcefalia em fetos e recém nascidos e Síndrome de Guillain-Barré (SGB), que afeta o sistema nervoso e causa fraqueza muscular.
Trata-se de um elemento altamente nocivo à saúde humana, associado a um inseto que lhe serve de veículo, dotado de imensa capacidade de adaptação às alterações do meio.
Até 20 de janeiro de 2016, foram registrados mais de 3.800 casos de microcefalia no território nacional – relacionados à infecção pelo zika vírus. Desses, o Ministério da Saúde informou que 230 tiveram confirmação de microcefalia, com 29 óbitos. Outros 282 foram descartados e os demais 3.381 casos continuam em investigação.
O número assustador fez com que o Ministério da Saúde capacitasse mais 11 laboratórios públicos para realizar o diagnóstico de zika, totalizando, até o momento, 16 centros com conhecimento para realizar o teste. A previsão é que nos próximos meses um total de 27 unidades sejam capacitadas em PCR (Biologia Molecular) para analisar 400 amostras por mês dos casos suspeitos de zika no Brasil.
O zika vírus é de difícil detecção e cerca de 80% dos casos infectados não manifestam sinais ou sintomas. Nos casos de mulheres grávidas que foram picadas pelo mosquito transmissor da zika, algumas sofreram aborto e outras tiveram bebês diagnosticados com microcefalia.
COMBATENDO O VÍRUS COM PIADAS…
No dia 13 de janeiro o ministro da Saúde, Marcelo Castro, em entrevista sobre a nova vacina contra a dengue, fez uma declaração grosseira, em tom de blague, que causou espanto e péssima repercussão nacional:
“Não vamos dar vacina para 200 milhões de brasileiros. Vamos dar para as pessoas em período fértil. E vamos torcer para que antes de entrar no período fértil que elas peguem a zika, para ficarem imunizadas pelo próprio mosquito. Aí não precisa da vacina”.
A declaração de Marcelo Castro preocupa a população pois revela a incapacidade de reação da Administração da Saúde Pública no Brasil.
Revela mais, que a administração Dilma dispensa técnicos na gestão ministerial da saúde para, em seu lugar, lotear a saúde brasileira no interesse dos partidos que lhe dão base no Congresso Nacional.
O problema é que, além de não “votar”, o mosquito Aedes e o zila vírus, não morrem de rir pelo efeito da piada ministerial…
Ademais, a questão atinente à modificação genética induzida pelo vírus no feto contaminado, ainda é um mistério. Não há certeza científica com relação á anomalia.
Há casos de gêmeos congênitos, por outro lado, em que um nasce com microcefalia e outro não – fator mais que suficiente para elevar o tom contra a adoção de medidas generalistas, como a permissão de aborto (o pano de fundo indicado na fala da autoridade ministerial…).
SAÚDE EM ESTADO TERMINAL
De fato, além das epidemias e dos casos fatais, ocasionados pelas mais variadas (e não controladas) doenças, o sistema de saúde no Brasil, ele próprio, já se encontra em estado terminal.
Hospitais públicos sem materiais básicos para atendimento, como luvas, seringas, dipirona entre outros, estão atendendo somente casos com riscos de morte.
Além disso, não há medicamentos que evitem riscos ou revertam as condições causadas pela doença durante a gestação e a legislação brasileira não permite a interrupção da gravidez em casos confirmados de microcefalia.
A ANVISA – Agência Nacional de Vigilância Sanitária, liberou uma vacina contra a dengue, a qual não protege o vacinado contra outras doenças disseminadas pelo Aedes, o vetor.
Ao que tudo indica vai demorar para que uma vacina específica apareça e permita a eliminação do vírus.
Assim, o combate ao vetor, O MOSQUITO, continua sendo prioritário.
ESTRATÉGIA DESASTROSA – O PRECONCEITO CONTRA INSETICIDAS…
Porém, antes de combater o vetor, é necessário combater a omissão, o preconceito ideológico, a irresponsabilidade gerencial e a incapacidade do governo em cumprir metas…
Como sempre acontece no Brasil, nossa desprezível burocracia, incapaz de resolver um problema, transfere a culpa ao contribuinte.
No caso do combate ao Aedes. A população vem sendo cobrada sistematicamente sobre os perigos e os cuidados para acabar com o mosquito Aedes aegypti em sua própria casa. O uso de inseticidas, a desidratação do ambiente, o uso de repelentes na pele, são medidas da máxima importância – porém, possuem um efeito similar ao de se enxugar gelo, quando o governo não limpa ruas, praças, terrenos baldios, e não procede mais à dedetização por meio da nebulização, fumigação e expurgo ambiental dos vetores.
Houve grande equívoco, praticado ainda nos tempos de governo FHC, de desmobilização das equipes de controle de pragas, encarregadas de proceder ao manuseio de inseticidas e sua aplicação ambiental, por meio de aspersão, fumigação e expurgo – equipes antes concentradas na antiga SUCAM.
De fato, a SUCAM concentrava as campanhas do antigo Departamento Nacional de Endemias Rurais (DENERu), da Campanha de Erradicação da Malária (CEM) e da Campanha de Erradicação da Varíola (CEV). Todas essas campanhas, que incluíam a nebulização, foram herdadas pela FUNASA.
Embora a FUNASA tenha herdado experiência e conhecimento de décadas de atividades de combate às endemias de transmissão vetorial, da Sucam, tal cabedal ficou retido por conta da tonelada de tratados, impedimentos, posturas ideológicas e preconceitos, que impedem, hoje a erradicação de grandes endemias no Brasil. Essas campanhas eram efetuadas nos moldes da melhor escola de saúde pública do Brasil, denominada sanitarismo campanhista.
Esse modelo de campanha tinha como premissa a revolução pasteuriana (alusão ao cientista francês Louis Pasteur) e foi implemantado pelo médico-sanitarista Oswaldo Cruz, na primeira década do século XX.
No entanto, sob o pretexto que a aspersão no ar, a nebulização em matagais, brejos, ruas, praças e casas, de veneno inseticida, causa “dano ambiental”, altera o “equilíbrio ecológico” e provoca contaminação por poluentes orgânicos persistentes, o governo federal simplesmente abandonou as campanhas, reduzindo-as a um processo limitado e estreito (e também bastante invasivo), de intervenção local domiciliar… esporádico e reativo.
O fato é que falta coragem política e firme atitude institucional para sustentar uma decisão estratégica, em prol da aplicação de BHC e outros produtos químicos de ação persistente.
É claro que os chamados poluentes orgânicos persistentes causam inúmeros danos aos seres humanos e à biota. Porém não se está, aqui, advogando a volta do agrotóxico-inseticida para ser usado de forma indiscriminada mas, sim, sua aplicação em caráter excepcional, de forma pontual e controlada.
O critério da excepcionalidade aliás, é previsto no próprio tratado de erradicação dos POPs, a ponto do BHC ser considerado até hoje um poluente sujeito a “uso restrito”.
Falta, portanto, coragem, determinação, interesse e desprendimento à burocracia governamental, para autorizar o uso excepecional de inseticidas e reestruturar equipes para sua aplicação.
Essa mesma falta de coragem, outrossim, ocorre no que tange à autorização de guerra genética contra o vetor – o pernilongo Aedes. De fato, a introdução de Aedes geneticamente modificados, nas áreas de infestação, de forma provocar redução de populações, sofre questionamentos de ecologistas e já foi objeto de embargos judiciais… algo impensado se o país estivesse sob um governo decidido e dedicado.
A distorção cognitiva revelada pelo abandono de uma estratégia de combate a vetores ambientais em momentos de crise e epidemias, como o atual, só não é mais abominável que o show de irresponsabilidade demonstrada pelo governo em não cumprir com qualquer meta razoável de melhoria do sistema de saúde pública e saneamento básico.
FALTA SANEAMENTO BÁSICO
De fato, é necessário infraestrutura de saneamento básico, sobretudo, para que o combate tenha algum efeito.
Segundo os dados do Ministério das Cidades, através do SNIS – Sistema Nacional de Informações sobre Saneamento (ano 2013), mais da metade da população brasileira ainda não possui acesso às redes de coleta de esgotos e somente 39% dos esgotos do país são tratados. Cerca de 35 milhões de brasileiros ainda não possuem água tratada e temos mais de 5 milhões de pessoas sem acesso a banheiros.
O governo federal prorrogou por mais três anos a entrega dos planos municipais de saneamento básico e anunciou que não cumprirá com as metas propostas para a área em todo o país, nos próximos 20 anos.
Fica claro, assim, que o governo não cumpre nem cumprirá suas metas de realizações na área de saneamento básico – e a ausência de saneamento é o principal fator ambiental de proliferação de doenças e mortes de brasileiros incluso a proliferação do Aedes.
O ESTADO DE SÃO PAULO REAGE COM SERIEDADE
Face à incapacidade do governo federal buscar uma solução os estados começam a se mobilizar.
Como não poderia deixar de ocorrer, o governo do Estado de São Paulo, cujo secretário de saúde é uma das maiores referências mundiais em doenças tropicais e infecto-contagiosas – Dr. David Uip, montou uma força-tarefa para investigar o zika vírus, sua interrelação com os casos de microcefalia e síndrome de Guillain-Barré para, então, articular uma estratégia eficaz de combate à epidemia. A força-tarefa conta com cerca de 300 pesquisadores e 40 laboratórios, à qual se soma uma equipe de pesquisadores africanos do Instituto Pasteur de Dacar, capital do Senegal, que chegou no dia 4 de janeiro a São Paulo.
Os pesquisadores trabalharão em parceria com a Rede Zika, criada por profissionais brasileiros, para acelerar os trabalhos somando respeitável experiência no controle de doenças e neutralização de vírus.
Segundo o jornal O Globo, os profissionais trarão ainda para o Brasil reagentes, antígenos e laboratórios portáteis para ajudar no treinamento dos brasileiros.
A técnica inovadora a ser ensinada aos brasileiros será a mesma aplicada nos estudos antiebola.
No entanto, o nó continua sendo a infraestrutura. Todo o trabalho de pesquisas, vacinação e campanhas, não terá o efeito desejado e necessário, enquanto as condições do saneamento básico no Brasil continuar sendo um dos piores do mundo.
Fontes:
http://g1.globo.com/bemestar/noticia/2016/01/casos-suspeitos-de-microcefalia-associada-ao-zika-chegam-3893.html
http://g1.globo.com/globo-news/jornal-globo-news/videos/t/videos/v/ministro-da-saude-diz-que-vai-torcer-para-que-mulheres-peguem-zika-antes-da-idade-fertil/4737680/ VIDEO DO MINISTRO
http://www.brasil.gov.br/saude/2015/12/boletim-atualiza-dados-sobre-casos-de-zika-no-pais
http://noticias.uol.com.br/saude/ultimas-noticias/estado/2015/12/19/sp-cria-forca-tarefa-de-cientistas-para-deter-zika.htm
http://saude.estadao.com.br/noticias/geral,sp-cria-forca-tarefa-e-ate-importa-tecnica-antiebola-para-deter-zika,10000005299
Ana Alencar é poeta, jornalista e pedagoga. É professora na rede de ensino básico no Município de São Paulo