Empresas querem parecer sustentáveis, mas precisam mostrar isso na prática
Por Vitor Lillo
“À mulher de César não basta ser honesta, deve parecer honesta”. Essa máxima do tempo dos romanos, adaptada aos tempos atuais com a sustentabilidade na moda, parece servir perfeitamente às organizações, a ponto de muitas delas se preocuparem mais em parecer do que ser sustentável de fato.
Isso se chama greenwashing (lavagem verde em tradução livre). “A ideia por trás é a propaganda enganosa. Por exemplo, a empresa vende papel de árvore replantada, mas você derrubou árvore nativa”, ilustra Josilene Ferrer, professora de Relações Internacionais e Meio Ambiente da Fundação Armando Alves Penteado (FAAP).
Para Mario Mantovani, diretor da ong SOS Mata Atlântica, esse marketing que lava mais verde é reflexo da importância que o assunto meio ambiente recebeu nas últimas décadas. “Eu acho que foi um pouco de overdose. O [tema] meio ambiente teve uma ascensão muito grande e ficou sendo muita conversa e pouca prática”.
E só conversa não convence. Pesquisa feita pelo Conselho Empresarial Brasileiro para o Desenvolvimento Sustentável (CEBDS) em 2011 revela que 85% dos brasileiros desconfiam desse “marketing verde”. Isso mostra que a sociedade está atenta e espera do empresariado um compromisso real com a sustentabilidade e a transparência.
“A empresa deve estar engajada, senão é greenwashing. O empresariado entende hoje que é preciso, além dos relatórios financeiros, medir seu impacto e dependência sobre o meio ambiente e a sociedade”, afirma Eduardo Nunes, coordenador da Câmara Temática de Comunicação e Educação do CEBDS.
Comunicação, a raiz da questão
O conceito de “marketing verde” não é algo tão recente, já existe há cerca de 40 anos, mas apenas nos últimos vinte que ele ganhou mais força. Desde então as empresas investiram largas somas de dinheiro em ações educativas e divulgação. Em contrapartida a eficácia dessa estratégia é questionável.
“Às vezes é feita uma ação em que o público leigo se sensibiliza, mas não tem um engajamento. […] E nem sempre o assunto é autoexplicativo. A empresa lança uma campanha que no começo se falava em neutralizar gases de efeito estufa, mas não há como neutralizar o gás depois que ele é lançado na atmosfera”, aponta Josilene.
Opinião semelhante a do professor Maurício Turra, coordenador do Centro de Negócios Sociais da Escola Superior de Propaganda e Marketing (ESPM). “Falta comunicar mais adequadamente. O consumidor já ouviu tanto que uma empresa é sustentável, que ele não consegue perceber esse tipo de ganho. Existiram tentativas da indústria de desenvolver produtos menos agressivos ao meio ambiente, mudando tipo de embalagem, mas isso não basta”.
A necessidade de promover maior clareza e ética na propaganda sustentável motivou o Conselho Nacional de Autorregulamentação Publicitária (Conar) a estabelecer, em 2011, que a publicidade de um produto “verde” deve conter informações verídicas, exatas e sua produção, uso e descarte devem seguir as normas ambientais vigentes.
Essa determinação no bojo de casos como o da Petrobrás que em 2008 teve de retirar do ar propagandas que alardeavam sua “responsabilidade sócio ambiental”, enquanto descumpria resolução do Conselho Nacional do Meio Ambiente (Conama) que determinava a redução dos níveis de enxofre de seu diesel.
Como resultado desse descaso, no mesmo ano da ação do Conar, a petrolífera foi excluída do Índice de Sustentabilidade Empresarial (ISE), carteira da Bolsa de Valores de São Paulo (Bovespa) que reúne ações de empresas com bom desempenho econômico e em questões socioambientais.
Para Nunes, “é preciso ter uma ação mais efetiva, entender seu público alvo, entender o comportamento dela para que se monte uma estratégia de comunicação. Entendemos que uma das linhas de pesquisa mais efetivas é a que agrega valor ao seu serviço e consegue passar isso para o consumidor”.
Sustentabilidade estratégica
Não há como negar que o setor empresarial é parte essencial no processo de criação dessa cultura de sustentabilidade. O consultor de marketing inglês Giles Gibbons, especialista em ações sustentáveis costuma afirmar: “se você quiser mudar o mundo, faça-o através dos negócios”. Ou seja, o meio ambiente deve ser parte da estratégia.
Segundo Eduardo Nunes há quatro perfis de empresas nesses tempos de sustentabilidade: as reativas (que só fazem algo quando multadas); as adequadas (seguem o que mandam a lei); as oportunistas (cumprem a lei e tentam melhorar sua imagem) e, por fim as inovadoras (que atuam para transformar a realidade).
O consultor cita um bom exemplo de quando uma corporação inova para transformar: ”Uma empresa de Jeans lançou uma calça que o material é mais elástico para que as pessoas andem de bicicleta. Isso trouxe um fator de inovação e permitiu que ela vendesse hábitos de vida mais saudável e sustentável”, relata Nunes.
Quando uma empresa, principalmente a de grande porte, decide apostar em inovação e responsabilidade ambiental, as pequenas e médias que prestam serviços para ela são obrigadas a se reestruturar e isso gera grande impacto não apenas econômico, mas socioambiental. Mas em que pé está essa transformação?
“Esse universo corporativo é extremamente assimétrico e desigual. Você tem empresas que atuam em grandes centros, com grande visibilidade e há empresas que estão muito dependentes de matérias”. Um banco, por exemplo, sua interface na área ambiental não é a mesma que outra da área de cimento, siderurgia. É difícil comparar empresas tão diferentes, afirma Ferrer.
Segundo ela, as empresas e as instituições bancárias que as financiam estão mais atentos à responsabilidade ambiental. “A preocupação está muito mais visível. Muitas empresas tiveram grandes percalços com o negócio com desastres ambientais. Na área financeira, a gente percebe que os bancos estão mais preocupados, não há nenhum banco que não esteja preocupado em financiar a obras que causem impacto ao meio ambiente”.
Maurício Turra concorda que há um envolvimento maior das corporações. “Elas têm tentado associar a sustentabilidade a uma vantagem competitiva. Algumas vão tentar reproduzir isso, ainda que elas não estejam capacitadas”. No entanto ele não acredita que uma empresa possa se tornar 100% sustentável. “Do contrário, primeiro, ela precisaria acabar com todos os seus impactos internos e externos, e isso já é utópico”, afirma.
O verde na esfera pública
Josilene Ferrer aponta que importantes transformações na legislação ambiental foram motivadas “por pressão das instituições financeiras internacionais”. “Claro que havia forte pressão pública, mas as próprias entidades começaram a não querer repassar recursos sem esses estudos. Nesses 20 anos foi gritante essa evolução [na legislação]”, atesta.
Já o Poder Público vem em um processo de lenta transformação, segundo Nunes. “A gente percebe algumas mudanças. Hoje se discute dentro do Ministério do Meio Ambiente a sustentabilidade nas compras públicas, afinal o Governo Federal é um grande comprador. Ele também vem discutindo adoção de critérios junto aos governos estaduais e as prefeituras”.
O coordenador do CEBDS cita o exemplo das olimpíadas de 2016. “São milhões de reais em compras e estão adotando critérios de sustentabilidade. Porque a hora em que o Comitê Olímpico [Brasileiro] colocar isso na praça, vai precisar de fornecedores adequados. Quando se criam mecanismos de regulação e critérios oficiais de sustentabilidade dentro de sua necessidade de compra, isso educa o mercado”.
“Se você pegar o discurso das empresas, todos falam em sustentabilidade como se fosse beber água” ironiza Mario Mantovani. Essa mudança de postura também chegou ao público que está cada vez mais interessado em “limpar” a sujeira que séculos de desenvolvimento desenfreado deixaram no planeta. Isso não se faz apenas com palavras, mas com ações efetivas.