Por Maiza Clementi*
Como pode ser notado, cada vez mais os animais fazem parte das relações afetivas do ser humano, passando a conviver e proteger as pessoas, sendo considerados pelos seus proprietários como integrantes do núcleo familiar. Em razão destes fatos, o assunto vem gerando grande repercussão com relação à guarda de animais domésticos durante o processo de divórcio, uma vez que tem sido objeto de inúmeras discussões nas lides propostas, com a finalidade de se definir com quem ficará o animal. Porém, a jurisdição não está pacificando as partes ao relacionar os animais enquanto bens, dividindo-os como coisa móvel.
Neste passo, devemos nos atentar a qual bem devemos com prioridade tutelar, o homem ou os animais?
A grande maioria da jurisprudência em anos sob o escopo do Código Civil acabou analisando sobre a ótica do melhor ao ser humano, contudo, com o passar do tempo e novos direcionamentos com o passar do tempo alguns casos tem se demonstrado imensamente a preocupação em se analisar sob a ótica do bem estar animal.
Alguns juristas têm discutido o tema no sentido de debater as possíveis consequências que podem ocorrer na sociedade diante regulamentação ou não da guarda de animais. Apesar da nossa lei maior não definir que os animais tenham direitos fundamentais, o art. 225 da Constituição Federal de 1988 garante que os mesmos, sejam protegidos, tendo assim, a tutela jurídica, demonstrando que cada vez mais busca preservá-los. Não se trata de uma proteção do meio ambiente, como denota uma primeira leitura do referido dispositivo, mas sim de aproximar os animais enquanto entes que merecem proteção e regulamentação.
É importante observar que a sociedade caminha sempre mais rápido que o direito. Ou seja, o direito muda na medida em que a sociedade muda. Deste modo, os animais de estimação vêm ocupando importante posição no contexto familiar e os motivos de tal relação ganham cada vez mais espaço e importância nos lares.
Os animais, sejam domésticos ou não, tem o seu regulamento no Código Civil, dispondo que se tratam de bens móveis semoventes, ou seja, não há qualquer consideração sobre personalidade, afeto ou mesmo como parte integrante da família. Assim, são tratados como um bem ou uma coisa a qual pertence a seu proprietário.
Segundo a Agência de Notícias de Direitos Animais – ANDA – (2015) esclarece: “Coisa’ é tudo aquilo que tem existência corpórea e pode ser captada pelos sentidos. Os animais integram a categoria das ‘coisas móveis semoventes’, ou seja, os animais são ‘coisas’ que se movem por si mesmas em virtude de uma força anímica própria”.
A nossa legislação brasileira qualifica os animais como semoventes, ou seja, são considerados juridicamente como coisas.
Conforme o art. 82 do Código Civil Brasileiro, conceitua sobre os bens móveis:
“Art. 82. São móveis os bens suscetíveis de movimento próprio, ou de remoção por força alheia, sem alteração da substância ou da destinação econômico-social.”
É de suma importância destacar, que alguns países já reconhecem os animais como seres sensíveis. Segundo o jornalista João Alexandre do Jornal Rádio Notícia TSF, o país Portugal, no ano de 2016, alterou o Código Civil, criando um estatuto dos animais, reconhecendo-os como seres vivos adotados de sensibilidade.
David Ariochi, jornalista do Jornal Vegazeta também comenta que a Alemanha reconhece os animais como seres sensíveis: “A nova lei, que começa a valer a partir de outubro deste ano, qualifica os animais não humanos como seres sencientes com um sistema nervoso cientificamente capaz de sentir dor e experimentar outras emoções, incluindo sofrimento e angústia.”
Desse modo, vemos que os sentimentos dos animais a cada dia mais estão sendo tomados com a importância que merecem, mesmo porque, um ser humano normal não se sente bem ao ver um animal sofrer.
Preza-se que deve existir um equilíbrio entre os seres. De modo que nenhum ato aja em desrespeito à sua dignidade. Importante que a natureza de cada ser vivo seja devidamente respeitada.
Nos casos das guardas compartilhadas não é diferente, é de suma importância verificar que cada caso deve ser analisado em sua individualidade.
O local físico onde o animal está, e decidido a guarda compartilhada, deve ser verificado como irá funcionar a locomoção destes animais, como esta será feita. Em se tratando de um ser vivo, devemos nos atentar se tais locomoções serão benéficas para os animais.
Ou ainda, se tais estratégias não ocasionarão stress e possivelmente doenças para estes.
Lembremos que todos os seres vivos que estão adaptados ao meio doméstico, sejam eles silvestres, pets ou exóticos, cada qual se habitua no ambiente em que vive e por óbvio quando este sofre uma alteração na sua rotina todo seu corpo sofre as consequências destas alterações.
Assim, importante levar em conta que todos estes aspectos devem ser levados em consideração quando um magistrado decide pela guarda compartilhada. Eis que não se trata de um simples objeto que estamos mudando de lugar e sim uma vida de um ser vivo que já está totalmente habituada ao ambiente que vive.
Não obstante, lembremos que lidamos com seres humanos, passíveis de alterações de atitudes e humor. Então, nem sempre as determinações judiciais serão cumpridas.
Conforme demonstro abaixo, em recente acordo firmado em 16 de outubro de 2019, o qual a r. magistrada aduziu pela guarda compartilhada as Araras e os Cães, do referido casal:
Contudo, uma das partes achou por bem não adimplir com o quanto acordado, ensejando em ato posterior, petição aduzindo sobre o descumprimento do acordo firmado em audiência:
Desta forma, vemos que cada caso deve ser analisado em sua individualidade, vemos a importância do juiz – no ato da audiência – analisar caso a caso, se a logística vai funcionar em prol tanto das crianças como dos animais.
No caso em cerne, a parte agiu em desobediência judicial – desacato de ordem judicial incorrendo no crime do artigo 330 do Código Penal.
Após a petição protocolada, o mesmo procedeu com a devolução das aves, porém as mesmas estavam extremamente debilitadas e descuidadas, tendo que ficar internadas num centro de medicina Veterinária.
Concluímos então que por vezes, a falta de orientação legal sobre a guarda compartilhada dificulta por demais a visão dos magistrados. O que vemos na realidade, ainda, são poucos magistrados que conseguem com primor permear pela matéria, pelo Direito Ambiental, neste quesito.
Devendo estes, precipuamente analisarem caso a caso e verificarem se, de fato, as partes serão hábeis de arcar com o instituto da guarda compartilhada. E é claro que em alguns casos a guarda pode funcionar e ser aplicado, mas, sempre levando em consideração o bem estar animal e também do ser humano, visando harmonia e equilíbrio entre as partes.
Seguem algumas jurisprudências acerca do tema:
EMENTA
“SEMOVENTE – ALEGAÇÃO DE QUE O EX-COMPANHEIRO DA AGRAVANTE ESTARIA DISPENSANDO MAUS TRATOS A ANIMAL DE ESTIMAÇÃO CUJA GUARDA É COMPARTILHADA – MATÉRIA QUE NÃO SE MOSTRA INCONTROVERSA RECLAMANDO, PELO CONTRÁRIO, O EXAME DE FATOS E PROVAS – TUTELA DE URGÊNCIA – PRESSUPOSTOS NÃO PREENCHIDOS – INDEFERIMENTO – RECURSO IMPROVIDO. A tutela de urgência será concedida quando houver elementos que evidenciem a probabilidade do direito e o perigo de dano ou o risco ao resultado útil do processo”.
EMENTA
AGRAVO DE INSTRUMENTO – LIMINAR DE BUSCA E APREENSÃO – ANIMAL DE ESTIMAÇÃO – AQUISIÇÃO DURANTE NAMORO – DISCUSSÃO SOBRE A PROPRIEDADE DO BEM – ACORDO FIRMADO – POSSE COMPARTILHADA – Incabível, no presente agravo de instrumento, a discussão sobre a questão de fundo da demanda, isto é, a propriedade do animal, sob pena de supressão de instância – em sede de tutela de urgência, analisa-se se tão somente a probabilidade do direito e o perigo de dano ou risco ao resultado útil do processo (art. 300 NCPC ); – Muito se discute atualmente se animal deve ser considerado coisa ou ser. A jurisprudência deste E. Tribunal tem reconhecido que o animal integra o núcleo familiar – precedentes; – Presente demanda não deve ser tratada apenas como apreensão de uma “coisa” – deve-se levar em conta todas as peculiaridades do caso e os interesses das partes, que apresentam inquestionável estima pelo animal; – Apesar de não estar configurado o instituto da união estável, nos termos do art. 1723 e seguintes do Código Civil no presente caso, já que as partes apenas mantiveram namoro, não há óbice para que seja instituída posse compartilhada do animal, nos moldes de uma “guarda compartilhada”. RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO.
EMENTA
AGRAVO DE INSTRUMENTO CONTROVÉRSIA SOBRE POSSE DE ANIMAL TUTELA ANTECIPADA INDEFERIDA INSURGÊNCIA DA PARTE MATÉRIA JÁ DECIDIDA EM RECURSO ANTERIOR, TIRADO NO BOJO DE MEDIDA CAUTELAR REDISCUSSÃO DA QUESTÃO VENTILADA NO INSTRUMENTO OFENSA AO PRINCÍPIO DA UNIRRECORRIBILIDADE RECURSO NÃO CONHECIDO, NESSE PARTICULAR GUARDA COMPARTILHADA DE ANIMAL QUE PADECE DE REGULAMENTAÇÃO ADEMAIS, SITUAÇÃO DESCRITA EM PROJETO DE LEI QUE NÃO SE ENQUADRA NA HIPÓTESE DOS AUTOS PRETENSÃO DE OBRIGAR A AGRAVADA A RESIDIR NO CONDOMÍNIO EM QUE VIVE O AGRAVANTE PEDIDO JURIDICAMENTE IMPOSSÍVEL CONFIGURAÇÃO RECURSO IMPROVIDO NA PARTE CONHECIDA.
EMENTA
AGRAVO DE INSTRUMENTO CONTROVÉRSIA SOBRE POSSE DE ANIMAL TUTELA ANTECIPADA INDEFERIDA INSURGÊNCIA DA PARTE MATÉRIA JÁ DECIDIDA EM RECURSO ANTERIOR, TIRADO NO BOJO DE MEDIDA CAUTELAR REDISCUSSÃO DA QUESTÃO VENTILADA NO INSTRUMENTO OFENSA AO PRINCÍPIO DA UNIRRECORRIBILIDADE RECURSO NÃO CONHECIDO, NESSE PARTICULAR GUARDA COMPARTILHADA DE ANIMAL QUE PADECE DE REGULAMENTAÇÃO ADEMAIS, SITUAÇÃO DESCRITA EM PROJETO DE LEI QUE NÃO SE ENQUADRA NA HIPÓTESE DOS AUTOS PRETENSÃO DE OBRIGAR A AGRAVADA A RESIDIR NO CONDOMÍNIO EM QUE VIVE O AGRAVANTE PEDIDO JURIDICAMENTE IMPOSSÍVEL CONFIGURAÇÃO RECURSO IMPROVIDO NA PARTE CONHECIDA.
Concluimos que dentre as relações familiares devemos nos atentar para quando a extinção das relações familiares, para que os seres que não tem nada a ver com a discussão não se encontrem em uma situação ameaçadora.
Ao longo do tempo, os animais domésticos tornaram-se integrantes da família, não é à toa que nos lares brasileiros tem mais animais domésticos do que crianças. Inclusive alguns países como Alemanha, França e Portugal, já reconheceram os animais como seres sensíveis. Contudo, a importância destes animaizinhos vem sido analisada com frequência no judiciário, quando se trata de divórcio e rompimento de união estável.
Constata-se que é de suma importância que os acordos firmados sejam cumpridos pelas partes, e que os magistrados analisem devidamente a logística de como a guarda compartilhada irá proceder não causando danos à nenhum ser VIVO.
*Maiza Clementi – Advogada Ambiental Pós-Graduando em Direito Urbanístico e Ambiental PUC