Por Antonio Fernando Pinheiro Pedro
O quadro clássico do realismo norte americano, exposto acima, revela algo sombrio, uma infelicidade vista em detalhes que indica o rigor e puritanismo da época. Entretanto não era essa a mensagem que o pintor queria passar. As pessoas no quadro eram seu dentista e sua irmã – na verdade, o pintor, Grant Wood, queria mostrar a arte gótica da construção retratada ao fundo…
A infelicidade, simplesmente, transpareceu…
Felicidade e infelicidade são estados ocasionais experimentados por bilhões de pessoas no nosso planeta, todos os dias. Oscilamos por essas sensações várias vezes durante a vida.
Claro que há circunstâncias objetivas que determinam esses períodos. No entanto, “40% da nossa capacidade de sermos felizes depende de nós mesmos” – leciona Sonja Lyubomirsky, pesquisadora da Universidade da Califórnia.
Assim, independente dos problemas que nos assaltam diuturnamente, há, sim, esperança de nos mantermos felizes – ainda que soframos momentos ocasionais de infelicidade.
Todos nós temos dias, semanas ou mesmo períodos cronicamente ruins. A diferença, no entanto, está em nossa postura pessoal ante os embates da sorte.
Felicidade não é um estágio circunstancial objetivo. É uma sensação. Assim, é possível sentir felicidade ainda que a vida se apresente objetivamente infeliz.
Muitos não conseguem entender uma frase de Lao Tsé – aparentemente óbvia, mas profundamente reveladora: “onde você estiver, lá você estará”.
Nós seremos nós próprios nos momentos felizes e infelizes, com muito dinheiro ou sem dinheiro algum, nas conquistas e nas derrotas.
Nunca devemos imaginar que “tudo será diferente” se experimentarmos alguma mudança material, ou conquistarmos algo que objetivamente perseguimos. Ali, naquele momento, seremos a mesma pessoa que éramos antes das circunstâncias. Assim, a mudança mais significativa, sempre ocorrerá dentro de nós.
Aí está o segredo da sensação de felicidade na alma. Ao senti-la, nossas circunstâncias mudarão, porque seremos mais fortes espiritualmente e menos dependentes delas.
Na filosofia ocidental, Ortega y Gasset já apontava para o valor de nossas escolhas morais ante as circunstâncias. “O homem é o homem e suas circunstâncias” – ou seja, o homem será sempre o indivíduo, seus valores e suas escolhas – e isso será determinante no comportamento ante as circunstâncias.
Para experimentarmos a felicidade devemos ganhar densidade moral. Para tanto, devemos enfrentar os caminhos que nos levam à sensação crônica de infelicidade – posturas comportamentais sabidamente desastrosas que devemos evitar.
O EGO
O primeiro enfrentamento está no próprio ego.
O ego é uma miragem que construímos. Se pusermos o ego adiante de nós, não veremos o que está realmente à nossa frente. Pior, seremos uma sombra de algo que imaginamos ser.
Rajneesh Chandra Mohan Jain, o grande filósofo oriental Osho, nos dá o caminho para removermos o ego do nosso caminho: tratá-lo não como nossa imagem, mas, sim, como nossa sombra.
“Se você aceitar o ego apenas como uma sombra, então não há problema. A sombra não cria nenhum problema para ninguém.
Você está andando, o sol está lá, e sua sombra está ao lado. Alguém pisa em sua sombra – você briga com a pessoa? Você sabe que é apenas uma sombra! Que a pessoa não está pisando em você.
Se alguém pisar em seu ego: não brigue. Ele não está pisando em você. Alguém o insulta: dói, porque você se identifica com a sombra – entretanto não há nada para se magoar. Alguém pisa sobre a sua sombra: a dor é imaginária e é uma consequência da identificação com a sombra.
Você está criando o problema e a ansiedade para si mesmo. Aceite isso! É parte de um fluxo natural. Mas não coloque a sombra à sua frente! não se torne uma sombra da sombra!
Isso é tudo. Permaneça sozinho.”
“Isso é tudo. Permaneça sozinho”… Tal qual Lao Tsé, Osho indica o grande caminho: onde formos, ali estaremos, porque somos nós que moldamos, nos moldamos e enfrentamos as circunstâncias e, não serão as circunstâncias que nos farão o que somos.
A VITIMIZAÇÃO
A vida sempre será dura se acreditarmos que ela sempre o é.
Pessoas que experimentam a felicidade sabem que a vida pode ser dura. Portanto, passam por momentos difíceis mantendo uma atitude de enfrentamento positiva.
Jamais se vitimizam.
Assumir a responsabilidade sobre nossos atos nos permite focar na resolução dos problemas, o mais rápido possível.
A perseverança em direção à resolução de problemas é característica de quem experimenta a felicidade.
As pessoas infelizes se veem como vítimas da vida, das circunstâncias, dos outros, e permanecem presas ao “olha o que aconteceu comigo”. Nutrem-se do coitadismo e refletem essa infelicidade em procurar coitados em todas as circunstâncias da vida. Fazem do problema o caminho em vez de encontrar um caminho para se livrar do problema.
Evitar a vitimização e fujir do coitadismo – medidas importantes para alcançarmos a felicidade.
DESCONFIO, LOGO EXISTO
Confia! Diz o Salmo na Bíblia. Vale para Deus, vale para a vida.
O segredo está no discernimento. Podemos discernir entre relações que são boas e as que são más para nós. No entanto, gente infeliz desconfia sempre.
Confiar no companheiro, acreditar no lado bom das pessoas não evitará decepções, mas aprimorará nosso sentimento de comunidade, de agregar, somar e conhecer.
Somamos novos relacionamentos e com eles crescemos, quando o fazemos de coração aberto. As decepções aprimoram nosso discernimento e conferem maturidade.
Já aqueles cronicamente infelizes são por natureza desconfiados. Veem o próximo como um potencial inimigo e etiquetam os estranhos como uma ameaça. Fecham a porta para qualquer conexão fora de um círculo interior. Essa postura frustra todas as chances de encontrar novos amigos, agregar energias e somar-se à qualquer comunidade.
Parentes próximos da desconfiança, o sectarismo, o preconceito e o isolamento contribuem para a formação de perfis discriminatórios, que levam à natural segregação.
Por óbvio, o vitimismo e o coitadismo serão os beneficiários da desconfiança…
É BOM SER MAU
Há uma tendência em moda, de se concentrar no que está errado no mundo, em vez de se focar no que está certo.
Até mesmo quando se procura firmar o que se entende como politicamente correto, há por parte de indivíduos infelizes a tendência de ignorar o que está realmente certo e concentrar energias no que está errado.
Gente assim, identificamos a quilômetros de distância. São aqueles que se queixam do que é moralmente certo e respondem a quaisquer atributos positivos de nosso mundo com um “sim, mas…”.
Com efeito, todos somos conscientes das questões globais. Porém equilibramos nossas preocupações discernindo o que é certo. Mantemos nossos olhos e ouvidos abertos – evitamos os efeitos “manada” e identificamos a vitimização como apanágio para o malfeito.
Infelizes mantêm a vida em má perspectiva. Sabem dos problemas do mundo, porém, não apenas justificam o lado ruim das coisas, como culpam o lado bom pela existência delas…
Essa postura costuma contaminar estamentos burocráticos de governos fragilizados, geram infelicidade institucionalizada e buscam produzir inconformados em escala.
A apologia ao mal como protesto libertário é verdadeira fábrica de infelizes. A ação apologética da virtude, se focada no radicalismo e na demonização do diferente, não raro, seguirá o mesmo caminho.
O INFERNO SÃO OS OUTROS
“Estamos condenados a ser livres”, é a sentença de Sartre para a humanidade.
Sartre foi uma das maiores expressões do existencialismo, corrente filosófica que obriga à reflexão do sentido que o homem dá à própria vida – ou melhor, não obriga a nada…
Para Sartre, a existência do ser humano vinha antes da sua essência. Ou seja, não nascemos com uma função pré-definida, antes de tomar qualquer decisão, não somos nada. Vamos nos moldando a partir das nossas livres escolhas e isso resulta em muita angústia. Essa angústia é ainda maior quando percebemos que nossas ações são um espelho para a sociedade. Pintamos constantemente um quadro de como deveria ser a sociedade a partir das nossas ações e, com isso, atribuímos o inferno aos outros.
Devemos ter muito cuidado com o que preconizamos e julgamos, pois o resultado do julgamento poderá externar simplesmente nossa inveja com relação a quem nos comparamos.
A angústia e a infelicidade pode estar na crença de que a sorte de outro alguém rouba a nossa própria sorte.
Ao acharmos que não há o suficiente para todos, temos a tendência de compararmos situações circunstancialmente díspares, apontando nos que têm a culpa pelo que não temos. Isso leva à inveja e ao ressentimento.
Devemos saber que a boa sorte e circunstâncias de vida são sinais de que também podemos aspirar a novas conquistas.
A felicidade está em acreditarmos que nosso modelo é único. Não pode ser duplicado ou roubado. Está em nós possibilidades ilimitadas. Não há porque acreditarmos que há limitações na sorte.
Assim, o inferno está em nós, não nos outros. Eles que carreguem o próprio inferno. Nós que nos libertemos do nosso… e a vida, segue.
Vivamos a nossa vida.
SEDE DE CONTROLE
George Forbes, o grande psicanalista brasileiro, ao analisar uma campanha política de combate ao tabagismo, em que governantes buscavam estabelecer regras legais que transcendiam o controle de costumes em locais públicos para sancionar o hábito de fumar de um indivíduo em sua própria casa, vaticinou que a questão não era de cunho legal, ideológico ou social – provinha da terrível e angustiante necessidade que alguns sentiam… de controlar a vida dos outros…
O problema, portanto, não estava na política e, sim, na terapia.
Felizes, damos alguns passos por dia para atingir objetivos, e percebemos, de uma forma ou outra, que no final temos pouco controle sobre nossas circunstâncias. De fato, a vida joga à sua própria maneira – razão pela qual vivemos e aprendemos a jogar.
Há uma enorme infelicidade naqueles que tentam controlar todos os resultados e se desmoronam em uma exibição dramática quando algo não dá certo.
Gente feliz pode ser tão focada quanto, porém, tem a capacidade de seguir o fluxo e não se acaba quando surgem os obstáculos.
A chave é o foco na a orientação e a tolerância para com o fato inevitável que o jogo pode ter que mudar.
Por trás de um controlador, pode haver um invejoso, um ciumento inseguro, um vitimista e um ególatra… A tendência sociopata desse tipo de comportamento é fazer uso de motivos “justos” para exercer a velha tirania. O resultado… será a infelicidade.
O FUTURO É O MEDO
Em uma latrina de um quartel mal cuidado, um sargento certa feita escreveu na portinhola: “Quem age, está sujeito a errar. Quem age mais, erra mais. Quem não age, não erra. Quem não erra é promovido”.
No raciocínio está todo o princípio da “precaução” que move os infelizes – aqueles que preenchem seus pensamentos sempre com TUDO que poderia dar errado, caso resolvam agir ou permitir que outros ajam.
De fato, há uma saudável dose de ilusão nos sonhos, nos empreendimentos e na busca de objetivos concretos na vida. É importante se permitir sonhar.
Nem sempre empreendimentos dão certo. Deus que o diga ao criar Adão e Eva. Nem por isso deixamos de seguir preceitos bíblicos que marcam nossa estrutura civilizatória.
No entanto, os infelizes sempre pretendem substituir o espaço dos sonhos com a repressão preventiva, a preocupação e o medo.
Sentir medo é privilégio de quem tem coragem. É o limite da distinção entre sentir e viver. Quando o medo ou preocupação passam por nossas cabeças, nos perguntamos se existe uma medida que pode ser tomada para evitar que o problema aconteça – assumimos, assim, a responsabilidade,novamente, por nossos atos e ações.
Já os covardes, não se permitem sentir medo, porque dissimulam a covardia impedindo que a busca pelos sonhos, censurando as ações.
MALDIZER E RECLAMAR…
Como disse Cícero, Senador Romano, no exórdio da defesa de Coeli:
“Uma coisa é maldizer, outra é acusar. A acusação investiga o crime, define os fatos, prova com argumento, confirma com testemunhas; a maledicência não tem outro propósito senão a contumélia”.
Há quem pretenda preencher suas ações com fofocas e reclamações.
Gente infeliz vive no passado. O que aconteceu com ela e as dificuldades da vida determinam seu discurso, rancoroso e vitimizador. Quando pensa em coisas para dizer, preenche a conversa falando da vida dos outros e fazendo fofocas.
O mote da vida é viver o agora, e sonhar com o futuro. Dessa forma, sentimos nossa energia positiva fluir. Ficamos animados com o que estamos fazendo, gratos pelo que sonhamos e abertos às possibilidades da vida.
Nenhum de nós é perfeito. Todos nadaremos em águas turvas de vez em quando – no entanto, não ficaremos nelas.
O mundo é redondo, dá muitas voltas. Palavras lançadas como flechas não costumam voltar… no entanto, poderão nos atingir logo ali, adiante, no horizonte da esfera em que vivemos.
Essa a razão para apurarmos sempre nosso senso de justiça, que em que pese ser representada por uma deusa cega, nos permite enxergar com clareza as injustiças que testemunhamos.
Positividade é o grande hábito cultivado pelas pessoas felizes. Sejamos assertivos, e dirijamos nossa vida para coisas justas.
A sensação de felicidade será sentida, se nos permitirmos viver a vida, e deixar que outros a vivam também.
Caminhe, caia, levante e continue lutando. Nisso reside toda a diferença.
Antonio Fernando Pinheiro Pedro é advogado (USP), jornalista e consultor ambiental. Sócio diretor do escritório Pinheiro Pedro Advogados. Integrante do Green Economy Task Force da Câmara de Comércio Internacional (Paris), membro do Instituto dos Advogados Brasileiros – IAB, Vice-Presidente Jurídico da API – Associação Paulista de Imprensa. É Editor-Chefe do Portal Ambiente Legal e responsável pelo blog The Eagle View.